No ano de 2020, eu (Lúgubre) e Mad participamos de um podcast distribuído no Spotify. Atualmente ele foi encerrado, mas, na ocasião, era feito por um grupo de amigos que falavam sobre música em geral. Cada episódio abordava um gênero musical e, com frequência, haviam músicos de diversas bandas dentro do Rock e Metal que eram convidados a fazer parte do bate-papo. Foi uma surpresa para mim e para o Mad tal convite, visto que o DSBM é um tipo de música desconhecido. No entanto, aceitamos o convite, justamente, por ser um tipo de música onde há pouquíssima informação sobre, mesmo na internet. Assim, falamos um pouco sobre este subgênero que muito apreciamos. É evidente que num único episódio, de cerca de uma hora, seria impossível falar do DSBM em toda sua abrangência. Então, foi algo bem resumido, mas procurando passar por pontos importantes. Tanto eu quanto o Mad temos nossas limitações na dicção, mas, ainda assim, engolindo a ansiedade, participamos. Aqui segue nossa participação como entrevistados de forma escrita. Não está na íntegra. No final do texto estará disponível o áudio completo para quem se interessar em escutar toda a entrevista.
Entrevistador 1: Pra começar a falar de DSBM, trago a teoria de Durkhein. Durkhein aborda o suicídio como qualquer caso de morte que resulta, direta ou indiretamente, de um ato positivo ou negativo, que seja executado pela vítima e que ela saiba que o fim seria esse resultado: a própria morte. Ainda, no livro de Durkhein, ele explana outros assuntos que tem relação com o suicídio, como a regionalização. Como em países mais frios, com noites mais longas, dias mais escuros, tendem a ter uma taxa mais alta de suicídio. Vocês conseguem enumerar algumas bandas de DSBM que refletem isso nas letras?
Mad: Até a cor, a cor do ambiente, mais escuro, acinzentado, pode influenciar no suicídio. O Lúgubre escreveu algo sobre isso e pode falar melhor sobre.
Lúgubre: Podemos usar a América Latina mesmo como
comparação. Todos os países daqui, apesar de não ter essa relação com o frio -
a não ser o Sul do Brasil, mas cujo é um frio suportável-, tem a questão da
pobreza e desigualdade. E isso também influencia no suicídio. Claro, pessoas
ricas ou milionárias podem ser alvo do suicídio, no entanto, a pobreza pesa
bastante nisto, sem dúvidas. E isso influencia aqui, no caso, dos países da
América Latina. No caso dos países nórdicos, especialmente na Suécia - que
acredito ser o berço do DSBM -, tem esse fator do frio, e também do crescimento
das cidades. Há ainda a questão dos jovens que se sentem perdidos. Na Suécia,
apesar de ser um país rico, com uma taxa alta de desenvolvimento, há uma
solidão entre os jovens. Também, não há muito isso de falar sobre o futuro.
Então os filhos têm que "se virar". E isso influi muito sobre os
adolescentes. Muitas bandas como Lifelover, Apati e Ofdrykkja falam disso em
suas letras. Sobre concreto bruto - a cidade com suas construções crescentes -
que tira a visão da natureza. E, também, sobre um sufocamento que recai sobre a
rotina de ter que estudar, trabalhar e sobreviver. Não há espaço para algum
lazer. Então acabam recorrendo às drogas, lícitas e/ou ilícitas, medicamentos...
e tudo isso reflete nas letras. Todas essas bandas, chamadas de "DepressiveRock/Narcotic Metal", trazem essa questão à tona. Ainda, sobre essa
questão de regionalização, o Japão é outro exemplo. Lá também tem muitas bandas
- algumas que nem mesmo usam o termo DSBM, mas abordam todos esses temas, já
que lá também tem um índice alto de suicídio. Um fator que pesa é este de ter
que ser o melhor, ter uma vida bem-sucedida, a qualquer custo. E, o
interessante, é que as bandas de cada país expõem aquilo que é mais pesado na
sociedade que a pessoa está inserida. No DSBM isso é muito evidente, expor o
que o indivíduo sente de acordo com a sua própria realidade.
Entrevistador 1: Podemos começar a falar do início do DSBM.
A primeira banda, de fato, foi Silencer ou Lifelover?
Entrevistador 2: Foi o Nattramn que começou com o vocal mais
gritado?
Lúgubre: Com esse tipo de vocal, sim. Enquanto os vocalistas tradicionais de Black Metal faziam um vocal agudo e mas odioso, ele dosava a dor literal com o ódio, resultando num vocal desesperador. E ele não se importava em como cantar, apenas deixava sair de forma espontânea. Foi uma forma que ele optou por cantar e se expressar. Embora eles fizessem Black Metal, e nunca tenham reivindicado o termo DSBM pra si, eles também não eram bem aceitos no meio do Black Metal. Mas, haviam algumas pessoas que já estavam começando a recebê-los e estavam se sentindo expressadas pela banda.
Lifelover surgiu em 2005, não foi a pioneira do DSBM, mas
foi uma das bandas importantes no subgênero. Jonas e Kim fundaram a banda e
dosaram vários elementos, como a levada Pós-punk e Black Metal, o que resultou
em um contraste interessante. Músicas dançantes, mas com letras falando de
temas mais pesados e tabus, com uma dose de sarcasmo e ironia.
Entrevistador 2: Então o Pós-punk influenciou o DSBM?
Lúgubre: Influenciou mais essas bandas que são chamadas de "Depressive Rock/Narcotic Metal" como Lifelover. Anos depois, Apati, e, quando Obehag morreu, Pessimistem formou a Ofdrykkja. E muitas outras foram surgindo e seguindo nessa linha com influências do Pós-punk. Podemos dizer que dentro do próprio DSBM tem algumas vertentes, como essas bandas suecas que se focaram numa sonoridade até meio dançante, em contraste com temas mais pesados. A sonoridade é menos "suja" também, comparada com o DSBM das primeiras bandas que seguiam mais pro Black Metal. Essas, da cena sueca, se focam mais em temas como a melancolia urbana, adicção de álcool e outras substâncias, autoagressão e relacionamentos interpessoais.
Entrevistador 2: E o DSBM é algo bem íntimo, né? Algo mais
da pessoa mesmo.
Lúgubre: Sim, é algo bem pessoal. Claro, a partir do momento que você expõe isso, como na internet, há a consequência de alguém escutar. Mas o objetivo é expressar algo seu para você mesmo. Uma dor sua que você tenta manifestar através da música; isso define o DSBM. Por isso é muito comum as bandas serem de um só membro. Geralmente é uma pessoa solitária que tenta expor suas emoções.
Mad: Por isso é até difícil de digerir o gênero e tornar ele popular, pois é uma dor tão pessoal, algo tão íntimo que você não espera que outra pessoa escute e entenda o que você queria passar, de uma forma tão sincera. O DSBM é algo que você está fazendo mais pra você do que para os outros. É a sua válvula de escape, é dizer o que você sente, sem se preocupar com a opinião dos outros. Você faz por você, para o seu bem. Por isso, também, é difícil de ter uma banda de DSBM com 1000 visualizações. Você faz com intuito de só você escutar, ou nem mesmo você escutar depois. Você lança para dizer pra si mesmo que expôs aquilo pra fora, e não para ficar famoso com aquilo. É uma válvula de escape apenas.
Entrevistador 2: Tem pessoas que vêem o DSBM como
romantização da tristeza, do suicídio. Mas não é isso. É mais algo da pessoa
mesmo querendo se expressar sinceramente, né?!
Mad: Até porque não faz muito sentido, quem em sã consciência se vangloriaria de ter depressão, de pensar em se matar? Não faz sentido. A gente que está nesse meio se sente destruído por passar por essas coisas, e não deseja isso a ninguém. Daí ver alguém de fora dizer que estamos romantizando o suicídio é o que deixa a gente ainda mais triste.
Lúgubre: E as pessoas se baseiam isso em outros gêneros de música. Por exemplo, há gêneros que falam da tristeza, mas é da tristeza em si, não de coisas pesadas como é característico do DSBM. O DSBM vai a fundo, falando de coisas que é até difícil colocar em palavras, e por isso se une a vocais desesperados. É algo desesperador e que você não molda, não pensa em como vai cantar, apenas sai de forma sincera ali no momento.
Entrevistador 2: Qual a banda pioneira de DSBM no Brasil?
Lúgubre: Pioneira cantando em inglês é Thy Light, mas eles nunca se colocaram como DSBM. Desde o início já caminhavam com o Atmospheric Black Metal. Já era um som mais fácil de digerir, e por isso teve um alcance maior. Cantando em português existem muitas bandas que surgiram, e por isso não tem como identificar apenas uma. Neblina Suicida, Lamúria Abissal e Funesto estão entre essas primeiras.
Mad: E tem Vesano também.
Lúgubre: Essas bandas também eram distintas, cada uma seguindo com suas próprias características dentro do DBSM.
Entrevistador 2: Tem bandas brasileiras que vêm chamando a
atenção de vocês, atualmente?
Mad: Frio Insólito, que lançou singles entre 2016 e 2017, e agora em 2020 lançou seu primeiro EP. Abismika, que vem fazendo um trabalho excelente. E Morte Rubra, onde o vocalista e letrista Alan, para mim, é o melhor que surgiu nos últimos tempos dentro do Black Metal em geral.
Lúgubre: Nattag, que é de Ponta Grossa, Pr, que fez algo interessante, uniu o Noise ao DSBM, algo meio experimental e ficou um som muito bom. A Unguilty, que é de Curitiba, e tem uma sonoridade flertando muito com o Doom, somando linhas de piano, passagens mais limpas e mais pesadas. Praticamente todos os dias tem bandas novas surgindo, justamente para a pessoa poder se expressar e, por consequência, também tem muitas pessoas que buscam por sons assim para escutar. E quem escuta, muitas vezes, é influenciado a criar seu próprio projeto também.
Mad: Rolou uma espécie de boom entre 2014 a 2016 por aqui. Depois muitas bandas foram encerrando, algumas devido ao integrante cometer suicídio. Então em 2019/2020 começou a renascer a cena e muitas bandas novas foram se formando.
Entrevistador 2: Tem outro derivado desse subgênero, do
DSBM?
Lúgubre: Então, algumas bandas suecas se focaram mais na melancolia urbana. Muitas tinham membros ainda adolescentes quando foram formadas e, com isso, como não conseguiam se expressar de outra forma, eles colocavam tudo na música. Essa linha é chamada de Depressive Rock/Narcotic Metal. Há bandas que tem elementos mais atmosféricos como Woods Of Desolation, ColdWorld, Austere, aqui no Brasil As Long As I Can (ALAIC), Entardecer e Rope, por exemplo. Tem outras flertando mais com o Doom como as brasileiras HatefulAgony, Allonair e a Unguilty. E tem as bandas que já partiram para o Post Black Metal, com um som mais limpo, com guitarras mais limpas e com distorções menos pesadas como as brasileiras Gray Souvenirs, Help, Gulag, Depht. Essas últimas, inclusive, surgiram no DSBM, mas com um som mais pro Post Black Metal - também chamado de Blackgaze - no decorrer dos seus lançamentos. Isso ocorreu porque o DSBM meio que abriu as portas para essa galera, já que o Blackgaze também é discriminado dentro do Black Metal, por soar mais limpo, mais melancólico e menos pesado, e também por ser algo novo no meio. O DSBM, à propósito, é um subgênero bem novo ainda.
Mad: O Lúgubre e eu organizamos compilações com bandas exclusivamente nacionais. Fazemos uma espécie de curadoria, e vamos atrás das bandas.
Lúgubre: Eu gosto muito das bandas que cantam em português, isso para qualquer gênero. Mas aqui há um grande preconceito com bandas que cantam no nosso idioma nativo. No DSBM, eu aprecio muito isso porque é algo muito difícil cantar no próprio idioma, falar de algo seu, tão pesado. Outras pessoas daqui, que escutarem algo que você canta, vão compreender de imediato. E gera uma certa vergonha, digamos assim, no sentido de ser algo tão pessoal seu, e que outra pessoa pode vir a ouvir e até rapidamente te criticar, como infelizmente ocorre, algumas vezes. Logo que conheci o Mad começamos a pensar nisso de unir bandas em uma compilação, com a intenção única de dar suporte às bandas, que talvez não teriam algum alcance sozinhas, justamente pelo pouco alcance do DSBM em geral. Nessas compilações, bandas novas e as mais antigas da cena se somaram. Tem muitas bandas boas no Brasil e nossa intenção é levar isso às pessoas que curtem esse tipo de música, para não ficar aquilo de só escutar bandas de outros países e ignorar o que temos aqui também e com boa qualidade.
Entrevistador 2: Tem uma curiosidade que é um Split do Happy
Days com o Deadspace, onde o A. Morbid canta em espanhol.
Lúgubre: Outra curiosidade é que há uma demo, do início, do Happy Days onde o A. Morbid canta em norueguês. Ele fez isso como uma homenagem às bandas que curtia, e eram da Noruega. E na época, também, ele estava aprendendo esse idioma e quis testar em suas primeiras músicas. O interessante do espanhol é que tem um alcance muito grande no DSBM. Talvez o público maior do DSBM esteja em países onde a língua espanhola seja nativa. Basta olhar comentários em vídeos e postagens e ver a quantidade de pessoas desses países comentando. Há uma grande veneração, inclusive, à Nattramn, por esse pessoal do México e de países aqui da América do Sul.
Mad: A cena latina é a mais ativa de todas. Tem muitas bandas e o público consome bastante. Rola, com muita frequência, parcerias entre essas bandas aqui da América Latina. É muito comum ver uma banda mexicana, por exemplo, com algum integrante brasileiro.
Entrevistador 2: Eu não tinha essa ideia. Acreditava que
eram mais países nórdicos que tinham um maior alcance.
Lúgubre: Isso é um ponto interessante. Porque muitas pessoas não enxergam isso que ocorre aqui mesmo, e por isso a ideia da compilação. Acaba sendo uma forma da cena conhecer mais essas bandas e valorizar, além do fato das que cantam em português você conseguir compreender o que está sendo cantado naquele momento; é algo mais familiar e direto. Isso também é muito gratificante para nós. Receber mensagens nas páginas de alguém dizendo "olha, essa é minha banda, meu projeto e tal", isso é o que nos mantêm seguindo cooperando, de alguma forma. É uma troca. Damos suporte às bandas e elas nos presenteiam com sua arte, que tanto apreciamos. E o DSBM é algo que nos faz seguir sobrevivendo pelos dias também, já que nos identificamos com o que é expressado, e que é tanto negligenciado pela sociedade.
Mad: Ultimamente tem sido mais raro vermos as bandas fazendo Split. Então isso das compilações é algo que junta as bandas também. Já soubemos de membros que se conheceram devido a elas e criaram outras bandas e projetos. Então é gratificante isso.
Entrevistador 2: E
sobre esse papo desanimador de dizer que a cena está acabando, ou que não tem
mais nada de bom?
Mad: É o mesmo papo de dizer que o Rock já morreu. É realmente desanimador.
Lúgubre: Eu vejo isso como comodismo da galera. É fácil você pegar uma banda do passado, como Black Sabbath ou Metallica, e dizer que não há nada de inovador e bom hoje como era naquela época. Há milhares de bandas surgindo a todo instante e fazendo um som muito bom. Independente do gênero ou subgênero. Mas o comodismo da galera é alto, e preferem fingir que não há nada que presta hoje. Se prendem ao passado para não conhecer algo novo. A cena do Rock e Metal está cheia disso, e acaba até desestimulando outras pessoas no meio, mantendo um ciclo de achar que não há nada de bom nos dias atuais.
Mad: É até uma preguiça de pesquisar. Essa galera não vai atrás e por isso diz que a cena morreu, ou "se não chegou até mim, então não existe". Nós, com a página, tentamos sempre dar foco às bandas novas. Focar nelas. Porque não faz muito sentido você divulgar o que todos no meio já conhecem.
Entrevistador 1: Finalizamos a entrevista com indicações de
bandas. Lúgubre, o que você indica?
Lúgubre: Indico a banda Alivium, banda brasileira com vocais femininos. E quero dizer que acho muito importante a presença feminina no Metal, e no DSBM não poderia ser diferente! Por enquanto essa banda tem apenas uma música, chamada Vazio, mas em breve a banda lançará um álbum. A vocalista usa o pseudônimo de Das Irrlicht.
Entrevistador 1: Muito bom! Meu querido Lúgubre vem aí para
mostrar que nem todo sulista é pau no cu. E você, Mad, o que indica?
Mad: Montosse, banda composta por Érdos e Astratta, duas pessoas talentosas na cena e que somam várias bandas. A música é Pois os MortosViajam Depressa.
Entrevistador 1: E eu indico Funesto, a música Lembranças de um Suicídio.
Áudio com a entrevista na íntegra:
Aqui estão algumas playlists no Spotify, para quem já aprecia DSBM e, também, para quem está começando a conhecer o subgênero.
¯ Depressive Suicidal Black Metal
¯ Depressive Rock/Narcotic Metal
¯ DSBM BR
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