quinta-feira, 20 de abril de 2023

Entrevista com fãs de DSBM


A arte existe para expressar e evocar, e sua possibilidade se dá pelo conjunto artista e fã - o indivíduo que recebe aquela expressão artística. Assim, esta é uma entrevista com não músicos e não musicistas da cena, mas sim com quem consome DSBM diretamente: fãs. Aqui, 4 fãs do subgênero mais depressivo do Metal falam um pouco sobre este tipo de música que tanto apreciam.


Fazem cerca de duas décadas que o DSBM surgiu, então é, relativamente, um subgênero novo do Metal. Como você conheceu o Depressive Suicidal Black Metal?

• Soraya: Depois de descobrir o Black Metal, fui mais fundo e encontrei a música perfeita para mim e minha personalidade.

• Lilly: Eu desde criança já despertava um gosto pelo Rock, daí fui conhecendo mais gêneros, então conheci o Black Metal que foi o gênero que eu mais me encaixei e que eu mais gostei. Daí conheci meu namorado, ele também já gostava do Black Metal e curtia as mesmas coisas que eu, e foi ele quem me apresentou o DSBM que, de cara, eu gostei muito. Percebi que os dois gêneros se encaixam muito com o meu eu também. Assim, DSBM passou a ser o meu segundo gênero preferido.

• Elivelton: Conheci através do YouTube em meados de 2012/13, como indicação de vídeo de músicas parecidas com o que eu escutava na época, ao qual eu tava procurando escutar um som mais atmosférico e profundo, acho que o algoritmo daquela época era bem melhor do que hoje em dia (kkk).

• Bea: Sempre busquei me aprofundar na cena do Black Metal e consequentemente não levou muito tempo até conhecer o DSBM. Não me lembro com clareza mas acredito que Nocturnal Depression tenha sido a primeira banda que ouvi do gênero. Aqueles gritos melancólicos logo me chamaram atenção e me fez conhecer outras bandas bem notórias como Psychonaut 4, Lifelover, etc.

 

Qual foi a sua sensação ao ouvir aquela sonoridade mais melancólica, angustiante, com uma atmosfera desesperadora, e ao perceber do que se tratavam as letras?

• Soraya: Senti que encontrei meu recanto no espectro musical, que poderia representar totalmente tudo o que sentia.

• Lilly: Foi uma sensação muito intensa e boa, eu sentir uma profunda tristeza reconfortante. O sentimento de conforto ao escutar o gênero permanece, sempre que estou triste ouço e me sinto um pouco melhor.

• Elivelton: Foi um misto de sentimentos e reflexões, quase uma meditação, e, às vezes se paro só para escutar sem fazer outra coisa em paralelo ainda posso sentir como naquela época. Sentimentos como uma angústia gelada e nostalgia, e o vazio de saber que tô sozinho independentemente de qualquer coisa são recorrentes enquanto me concentro na música, às vezes extasiado só curtindo o momento.

• Bea: Reconfortante. Particularmente, o DSBM tem sido meu amparo mais sincero. É o gênero que abraça os doentes. Os artistas do gênero não se importam em fazer um som super estudado ou que chame a atenção das pessoas na cena do Metal, e através dessa arte compartilham seu desespero, seu desamparo mais súbito e mórbido diante de uma vida sem propósito.

 

Quais são suas bandas favoritas deste subgênero?

• Soraya: Funesto, No Point In Living, Lifelover, Këkht Aräkh, Shining, Ofdrykkja, Nocturnal Depression, Happy Days, Thy Light e Bonjour Tristesse.

• Lilly: Eu escuto todas as bandas, todas eu amo muito (rsrs).

• Elivelton: Nocturnal Depression, Uaral, Lifelover, Hypothermia, Forgotten Tomb, Woods of Infinity, Austere, Shining, Totalselfhatred, Hanging Garden, Be Persecuted, Apati, Vanhelga, Ofdrykkja, Psychonaut 4, Happy Days, Sadness, Thy Light, Dreariness e Lamúria Abissal.

• Bea: Amo profundamente Thy Light, Austere, Ecos Póstumos, Angustifolia e Lifelover. Mas, recentemente tenho ouvido mais projetos do underground brasileiro.

 

O Black e Doom Metal são, sem dúvidas, os gêneros pilares para a criação do DSBM. Você costuma ouvir estes gêneros também? Se sim, quais bandas você mais aprecia?

• Soraya: Às vezes Black, o mais clássico, mas sobretudo Burzum e Darkthrone.

• Lilly: Sim. São inúmeras as bandas, mas algumas delas que mais gosto: Mayhem, Darkthrone, Dark Funeral, Mystifier, Velho, Uaral, The Cross, Inventtor.

• Elivelton: Foi escutando esses gêneros que desenterrei o DSBM (haha). Projetos como Agalloch, Burzum, Nargaroth, Mayhem, Summoning, Darkened Nocturn Slaughtercult, Satyricon, Nortt, Katatonia, Behemoth, Belphegor, Inquisition, Forest of Shadows e por aí vai, tô sempre aberto a conhecer trabalhos nesses gêneros.

• Bea: Realmente ouço muita coisa, mas algumas bandas que levo como fonte de inspiração são Bethlehem, Katatonia, Beherit, Candlemass e Eletric Wizard, também ouço gêneros como Blackgaze e Dungeon Synth, enfim, a lista é grande.


Por ser um tipo de música com temas bem pesados, e até sensíveis, não é comum muitas pessoas ouvirem Depressive Black Metal. Você mantém amizade com outras pessoas, fora da internet, que também curtem DSBM?

• Soraya: Poucas, mas sim, três.

• Lilly: Não.

• Elivelton: Só conheci uma vez uma pessoa que conhecia o gênero, mas não curtia tanto e isso já fazem anos.

 • Bea: Sim, tenho alguns amigos que não só curtem mas criam projetos com o gênero.

 

O DSBM, pelas suas temáticas, é alvo de preconceito, infelizmente, até mesmo dentro da cena do Metal. Qual sua opinião a respeito de quem age assim?

• Soraya: Me parece desrespeitar um estilo de música só porque não são capazes de entendê-lo.

• Lilly: Na minha opinião, que eu saiba, o respeito é recíproco, então se essas pessoas agem dessa forma o certo é agir também igualmente, porque se uma pessoa (ou pessoas) não respeita o meu jeito, meu gosto, eu também obviamente não tenho obrigação de dar respeito a quem não me respeita, é isso!

• Elivelton: Acho triste e controverso já que toda a proposta, de qualquer que for o subgênero, no Metal é de expressão.

• Bea: É um assunto um pouco complexo, mas, resumidamente, os artistas do gênero buscam expurgar ao máximo sua angústia e dor da existência, fazer dessa arte um motivo pra ainda insistir como um indivíduo. E por outro lado, todos sabem que sempre existiu pessoas ignorantes e que banalizam qualquer dor que não seja a de si mesmo. Mas acredito que a maioria que se identifica com o gênero já sabe disso e não se importa com o que dizem, existem problemas maiores e que merecem atenção.

 

Não é comum bandas deste subgênero realizarem apresentações ao vivo. Mas, se fosse possível um dia, existe alguma (ou mais de uma) banda de DSBM a qual você gostaria de ir a um show?

• Soraya: Eu adoraria, especialmente Lifelover, também gosto muito de Thy Light.

• Lilly: Amo todas as bandas, então eu ia adorar ir em um show de cada uma, todas são muito boas!

• Elivelton: Se fosse possível um festival só de DSBM seria muito foda.

• Bea: Como a maioria, adoraria ir num show do Psychonaut 4 e do Thy Light, agora que o Paolo e Alex tem feito apresentações.

 

Considerações finais.

• Soraya: Eu realmente aprecio muito que existam plataformas para os fãs do DSBM se encontrarem, conhecerem novas pessoas e compartilharem bandas.

• Elivelton: Agradeço pelo convite para expressar a minha gratidão a esse subgênero que eu gosto tanto. E por todo esse trabalho incrível que meu amigo Lúgubre vem mantendo em suas páginas por esses anos que o conheço, cultivando sempre um ambiente de respeito, informação, divulgação, expressão e bom humor.

• Bea: Conselho: ouçam Narcotic Metal. E deixo meus agradecimentos a página que mais tem dado suporte ao gênero e seus fãs!

 

*Soraya é nossa seguidora residente em Galiza, Espanha.

sábado, 1 de abril de 2023

22 anos de Death - Pierce Me

 


Quando se fala em Depressive Suicidal Black Metal, Silencer é comumente a banda mais citada, possivelmente, devido a figura impactante de seu vocalista Nattramn, mas, para além da parte visual chocante associada a ele, o motivo real é que esta banda trouxe uma obra-prima em seu álbum de estreia e que soava muito diferente do que era encontrado em bandas de Black Metal na época.

Formada inicialmente pelo guitarrista Leere, no ano de 1995, Nattramn se juntou à banda alguns meses depois e ela se consolidou em um duo. Em 1998 gravam uma demo da música 'Death - Pierce Me', evidenciando os vocais agonizantes e afogados em um profundo sofrimento por Nattramn, e a melancolia muito bem trabalhada sonoramente por Leere. Esta música veio a se tornar o nome do primeiro e único álbum da banda, lançado em 1 de abril de 2001, e que teve a faixa-demo incluída em uma nova versão. Este álbum é realmente um material sonoro bastante difícil de digerir, no entanto, é um dos essenciais do DSBM e um dos poucos que se tornaram amplamente conhecido nesse meio.

Death - Pierce Me: A música homônima ao álbum inicia-se com um riff suave e cativante onde engana o ouvinte que desconhece o que está por vir. O ponto alto é justamente quando Nattramn surge com seus lamentos rasgando a garganta e implora pela morte. A parte instrumental é muito bem encorpada, com belos riffs e solos de guitarra, marcantes levadas de bateria e linhas de baixo que, embora caminham por vias uniformes com os acordes de guitarra, são bastante expressivos. A finalização dessa música, bem como de todas as outras do álbum, é algo muito interessante, fecha-se de forma precisa.

Sterile Nails and Thuderbowels é a canção da banda que ganhou maior destaque e, sem dúvidas, é esta a música que evidencia a sublime musicalidade de Leere, afinal, se não fosse por ele, provavelmente, este álbum não teria entrado na história como um clássico do DSBM. Ele fornece uma majestosa atmosfera para as lamúrias atormentadoras de Nattramn, que se estivesse vociferando suas dores sem música, obviamente, não soaria como música. A união musical desses dois é uma expressão sincera de como a boa música pode surgir quando há fidelidade naquilo que se quer transmitir.

Taklamakan é, geralmente, a que mais atrai as pessoas porque, supostamente, Nattramn estava se cortando severamente e engasgando-se durante a gravação dela. É possível ouvir esses sons de forma nítida. Os riffs de baixo que abrem a canção também são bastante marcantes e mantém o ouvinte atento, apenas aguardando o que está por vir. Logo a música explode e, dolorosamente, os traumas existenciais de Nattramn eclodem junto. Os riffs de guitarra são simples, mas muito bem inseridos e se complementam com a bateria bastante rápida. Nessa música Nattramn vai ao extremo, como se estivesse em seu nível máximo de insanidade.

The Slow Kill In The Cold parece ser um contraste à faixa anterior e, com um fluxo lento, suave e melancólico de sintetizador, conduz o ouvinte a uma certa calmaria. Mas, antes mesmo do ouvinte poder imaginar uma paisagem menos sufocante que fôra criada por esta faixa, é novamente lançado às angústias lacerantes de Nattramn que se seguem pela faixa seguinte.

Shall Lead, You Shall Follow mantêm a rapidez rítmica incessantemente. É uma viagem sonora em velocidade, mas sem perder o ar desesperador que paira sobre todo o álbum.

Feeble Are You - Sons Of Sion encerra o álbum e é uma canção executada apenas no piano trazendo consigo a sensação de uma certa calmaria depois que não existe mais nada a ser destruído, pois tudo está morto, terminado, encerrado.

 

O que tornou a banda conhecida no meio do Black Metal foram os vários rumores, suposições e lendas que se mesclaram a eventos reais ocorridos com Nattramn. Nattramn não queria apenas expressar sua dor e angústia através de suas letras e seus vocais, ele queria que a música soasse o mais real possível para que o ouvinte pudesse sentir quão desesperado ele estava. E ele decidiu se automutilar antes e durante as gravações de cada faixa. Seus gritos eram de extrema dor, uma mistura do que ele estava sentindo fisicamente naquele momento junto com as dores mentais que ele já arrastava por anos. Gritos, urros, choros e sons de ânsia de vômito e engasgamento podem ser ouvidos nas músicas. Esses detalhes incomuns somaram para que os críticos descreverem a música de Silencer como ruídos tolos e sem graça, mas, quando se olha para as características estéticas que são tecidas a partir da subjetividade emocional complexa de Nattramn e Leere, fica claro que todos os instrumentos, as falas, lamentos, urros e gritos sobem do mais profundo poço onde habitam os seres massacrados pela existência humana. Pouco tempo após o lançamento do álbum, Nattramn foi encaminhando para um hospital psiquiátrico em período integral de internação, e a banda encerrou atividades após esse evento. Independente dos vários boatos, inverdades e datas imprecisas, o fato é que em suas músicas Nattramn expressou todo o seu desespero e sua insatisfação para com a vida e com o mundo, isso de maneira bastante direta. Ele enfatizou a natureza de seus gritos estridentes, de alguém que estava sofrendo e sendo atormentado incansavelmente. Uma foto de Nattramn acabou sendo disseminada junto do álbum e, nela, ele se encontra com uma máscara ensanguentada e com bandagens manchadas de sangue nas mãos, nas quais aparecem pés de porco amarrados. Propagou-se que Nattramn se torturava durante as gravações das músicas e acabou amputando as mãos para substituí-las pelos pés de porco, mas, o que ele fez, de fato, foi amarrar com as bandagens os pés de porco às mãos. Mesmo vinte anos após seu lançamento, ainda há quem tache este álbum como uma peça horrível e que deve ser esquecida, como algo que deve ser retirado do Black Metal - a banda sempre disse fazer Black Metal e nada além -, mas não, não há motivos para essas duras críticas quando se analisa a banda, o álbum, as expressões ali colocadas sem vestimentas. Essas melodias foram arrancadas de momentos altamente emocionais e genuínos. Elas se uniram para formar uma camada crua, porém reveladora e intrigante. As letras são muito pessoais e/ou confessionais, que Nattramn escreveu para exorcizar seus demônios mais terríveis. Isso pode ser lido, escutado e mesmo visualizado - em paisagens mentais - como um vislumbre de momentos específicos da vida de um homem atormentado pela dor, pela loucura, pela existência cruel onde o sofrimento é imensurável. Há muita crueza e mensagens diretas em suas composições, mas, também, há espaço para abstrações. As letras e as melodias são muito mais emocionais do que se pode enxergar de início, e há imagens subjetivas e extremamente pessoais que não se pode encontrar na maioria das músicas de outras bandas do gênero. Nattramn e Leere uniram a profundidade dolorosa e escura de si mesmos, do sofrimento pessoal, e sangraram isto tudo em um estúdio de gravação.  Não existiu um objetivo, usando essa linguagem direta ou abstrata, de evocar algo, mas sim de expurgar. Expurgar tudo que corroía internamente e sangrava para além da carne. Tanto é que este álbum não pode ser tido em meio termo, por isso, ou se gosta ou não se gosta dele. O ouvinte vai defini-lo de acordo com o que se deseja capturar dele e de como pode sentir empatia por estes ou quaisquer outros músicos, pois as músicas deste álbum se manifestam como instantâneos pessoais de estados emocionais extremos e narrativas sombrias que procuram falar em uma linguagem de angústia, dor, desespero, que pode ser atraente ao ouvinte porque este pode ou não ter vivenciado momentos semelhantes.

Para o Depressive Suicidal Black Metal este é um álbum de extrema importância e que agrega, definitivamente, aos álbuns onde a dor é muito palpável e para além de meras impressões.


Discografia:

Death, Pierce Me (demo) [1998]

Death, Pierce Me (álbum completo) [2001]


• Fotos de Nattramn disponibilizadas no 20º aniversário do álbum


Obs: Vale reforçar que as imagens que circulam na internet de Nattramn sem bandagens, não é o Nattramn do Silencer, mas sim Rikard Bjernegård, da banda Frostrike. Ele também usou o pseudônimo Nattramn em sua banda, e, como ela também é uma banda de Black Metal sueca, a internet fica vinculando ambos como se fossem a mesma pessoa, e, por consequência, muitas pessoas continuam propagando esse erro até hoje.