domingo, 31 de maio de 2020

Proto-DSBM - Álbuns Essenciais para a Construção do Subgênero

É evidente que esta lista não traz as bandas que se somaram, com suas próprias sonoridades peculiares, ao longo dos anos, já sob o rótulo de Depressive Black Metal. As bandas mencionadas aqui remontam aos Álbuns/EPs/Demos que alicerçaram o que veio a ser chamado, posteriormente, como Depressive Suicidal Black Metal (DSBM).
Dentro da história, desse subgênero do Metal Negro, tiveram inúmeras bandas que trouxeram características singulares e que se tornaram fundamentais para o DSBM. A maioria das bandas não usava o termo Depressive Black Metal, até a década de 2000, apenas seguiam fazendo Black Metal, no entanto, suas temáticas líricas se voltaram para dentro, o eu lírico expunha sua grande desolação, a sua mais severa dor, suas angústias confinadas no âmago de seu ser. Aliada a uma sonoridade menos rápida, focando-se mais em melancolia, em riffs minimalistas e vocais onde a dor ficava evidenciada, o DSBM começou a ser apreciado por todos aqueles que se enxergavam nas canções, por aqueles que, de alguma forma, sentiam uma espécie de conforto ao saber que, através da música, não estavam completamente sós em suas jornadas existenciais. E, assim foram surgindo mais e mais bandas com suas próprias características sonoras. Algumas fazendo uso massivo de teclados e várias linhas de guitarras reverberadas que acrescentavam ainda mais sensação de sufocamento, de ser enevoado pela solidão e perde-se em noites de puro sofrimento; outras mantiveram uma linha crua (raw) voltada às raízes do Black Metal com aspereza vocais e instrumental rasgante. E, muitas outras, seguiram mesclando-se à música Ambiente, Atmosférica e somando outras características sonoras, mas, sem perder as temáticas que se tornaram parte crucial no Depressive Black Metal. Temáticas essas que percorrem o suicídio, o sofrimento, desejo pela morte, dores físicas e emocionais, depressão, ansiedade e outros transtornos mentais, misantropia, solidão, rejeição, bullying, desesperança, auto-ódio, baixa autoestima, automutilação, drogas e álcool como válvula de escape, desespero, tristeza, melancolia, apatia, isolamento, infância/adolescência infeliz, decepções amorosas, perdas de pessoas queridas, visões pessimistas e/ou realistas do mundo, niilismo, crises existenciais entre outros temas relacionados com a dura realidade da vida e com a dor do existir.
As bandas aqui citadas são para interesse de todos que desejam conhecer o DSBM em sua origem e, também, para quem já aprecia este subgênero, mas que possa ter negligenciado algumas dessas bandas ou mesmo não tenha tido oportunidade de conhecê-las ainda.



Manes - Maanens Natt: Esta banda norueguesa, formada por Cernunus e Sargatanas, é uma das que levam os créditos entre as precursoras influentes do DSBM. A primeira fita demo, chamada Maanens Natt, de 1993, é descrita como "uma jornada profundamente atmosférica através das noites frias do Norte em que arpejos melancólicos acasalaram em um ritmo contido com riffs vigorosos e angustiantes". A banda canalizou a depressão e a desesperança do Black Metal e, unindo-se a sintetizadores e discursos alternando com vocais guturais rascantes, fez submergir uma atmosfera altamente sombria e sufocada por uma densa névoa que impregna completamente nas canções. As linhas de guitarras são geladas e notáveis, com arpejos e trêmulos. A bateria é programada, mas se ajusta bem ao demais instrumentos e traz mais sensação de peso e sufocamento nas músicas. O teclado, sem dúvidas, é o instrumento que mais se destaca e traz singularidade a esta demo. Ele cria toda a atmosfera densa, profundamente agonizante e mórbida. O baixo está presente, quase inaudível, no entanto, é uma peça a mais para equilibrar o belo conjunto sonoro. Esta demo teve grande impacto e influenciou diferentes representantes do DSBM. Kvarforth, da banda Shining, e Scott Conner (Malefic), da banda Xasthur, por exemplo, citariam anos depois a banda Manes como grande influenciadora para o som que vieram a criar em suas bandas. Também, viriam a participar de gravações posteriores como cantores convidados no Manes. Embora seja curta, é uma demo essencial para quem deseja escutar o Black Metal atmosférico, sombrio e com elementos desesperadores que viriam a ser característicos no Depressive Suicidal Black Metal.

1. De mørke makters dyp: https://youtu.be/7EykBbqLmvw
3. Under den blodraude maanen: https://youtu.be/qDnbOY1RPiA
4. En hymne til ondskapens fyrste: https://youtu.be/GO8ABFYKIOA

Em 2006 as músicas foram remasterizadas e incluídas no álbum compilado 'Svarte Skoger' e, em 2016, foram oficialmente relançadas na plataforma bandcamp: https://manesnorway.bandcamp.com/album/svarte-skoger



Strid - Strid: Esta banda é tida por muitos como a precursora do DSBM, de fato. Sob o nome Battle gravaram uma demo chamada 'End Of Life' em 1992. Em 1993 a banda mudou seu estilo de "ruídos grosseiros" para "melancolia com múltiplas atmosferas e lentidão somada a gritos agonizantes", que se encontrariam posteriormente em bandas de DSBM. Também mudaram o nome Battle para Strid. A demo 'End of Life' foi relançada em 1994 e, ainda nesse mesmo ano, foi lançado um EP autointitulado. As mudanças metodológicas e temáticas desse EP foram importantes e culminaram com os padrões para o Depressive Black Metal. O álbum tem uma produção surpreendentemente clara, embora ainda raw o suficiente. As letras trafegam por um caminho distante do Black Metal Norueguês da época, focando-se exclusivamente numa profunda melancolia. Embora tenha apenas 2 faixas, elas são suficientes para expressar a mais bela e, ao mesmo tempo, saturada desolação que assola o indivíduo. As músicas criam uma atmosfera de total desespero como se, através dos vocais, também ecoassem os gritos miseráveis que emanam de dentro de cada um de nós. As melodias dolorosas e os uivos torturados parecem cortar como uma faca recém-afiada. Ao final, é como se a morte já não fosse mais algo a se temer ou evitar. As canções trazem um ritmo lento com guitarras melancólicas junto de vocais carregados de tristeza, bateria cadenciada e linhas de baixos expressivos (algo não tão comum no subgênero). Após isso, a banda não lançou mais nada, e, no ano de 2001, o baixista e vocalista Espen Andersen, conhecido pelo pseudônimo de Storm, cometeu suicídio. O músico Nattramn, vocalista da banda Silencer, lamentou bastante o ocorrido e citou Strid como uma de suas bandas favoritas e de forte influência para a sonoridade que ele veio a criar no Silencer.

Strid (EP completo) [1994]: https://www.youtube.com/watch?v=swu-5r5ahPU


Bethlehem - Dark Metal: Essa banda, que é tida como uma banda de Dark Metal - rótulo que veio a partir deste álbum, lançado em 1994 - também teve um importante papel no DSBM. Este álbum foi um importante catalisador para o desenvolvimento do subgênero como uma variante mais independente da música extrema, que rejeitou muitas das características familiares do Black Metal e seguiu por um novo caminho. Mesclando o Black Metal com o Doom Metal, o álbum soa "assustador, atormentado e profundamente triste". Há reflexão interna e auto-exame nas letras, procurando explorar a condição humana e seguindo com temas filosóficos e espirituais abstratos. A banda evidencia a depressão e, especialmente, o suicídio. As músicas são lentas e repletas de sentimentos de desespero, melancolia e loucura. Mesmo possuindo um instrumental simples, as músicas fazem uma progressão incrível, como se mudassem de um humor já triste para algo ainda mais deprimente. O instrumento que ganha destaque é o baixo, que tem uma presença bastante marcante e não apenas copia os acordes das guitarras rítmicas. Bandas como Shining, Silencer e Forgotten Tomb procuraram se aproximar bastante de Bethlehem. O vocalista Andreas Classen foi convidado por Kvarforth para o albúm Within Deep Dark Chambers. Já a banda Silencer, teve o baterista Steve Wolz como convidado para suas gravações de estúdio. E o guitarrista e vocalista Herr Morbid do Forgotten Tomb, fez participações em algumas músicas do Bethlehem.

Dark Metal (álbum completo) [1994]: https://youtu.be/LWN7NZgsnIo

Em 2014 o álbum foi relançado em formato digital na plataforma bandcamp: https://bethlehem.bandcamp.com/album/dark-metal


Shining - Submit to Selfdestruction: Formada quando Niklas Kvarforth tinha apenas 12 anos de idade, esta banda se tornou conhecida no meio do Black Metal quando, anos mais tarde, começaram a realizar apresentações ao vivo onde Niklas se automutilava em palco e se banhava com o próprio sangue. Com bases no Black Metal, as temáticas envolvem temas mais relacionados a comportamentos autodestrutivos, depressão e suicídio. Em 1998, quando Niklas tinha 14 anos, é lançado o EP Submit to Selfdestruction, onde Niklas toca baixo e guitarra. Ele veio a assumir os vocais somente a partir do primeiro álbum da banda. Submit to Selfdestruction é visto como a porta de entrada ao DSBM pois rotular meramente de Black Metal limitaria o que de fato este lançamento procurou catalisar. Considerando a total ausência de qualquer tipo de temática maléfica, antirreligiosa e/ou satânica, este EP trafega de forma a criar uma atmosfera mais desoladora, existencial e sombria. Musicalmente, é encontrado algumas semelhanças com os trabalhos de outras bandas de Black Metal da época, o que não é incomum, visto que os integrantes procuraram manter suas influências como em Burzum e Strid, embora a inspiração mais notável, principalmente pelo lado mais sombrio, vem de Bethlehem. Os vocais ecoam gritos torturados como se o vocalista estivesse à beira do suicídio, e se complementam com a atmosfera sombria e desesperadora que o instrumental evoca. Os riffs de guitarra são bastante presentes. As linhas de baixo e bateria, pela baixa produção, acabam muitas vezes ganhando mais destaque que a guitarra. Mas, de modo geral, as duas músicas deste EP somam às muitas das características que marcariam o Depressive Black Metal. A lentidão que se alterna com a rapidez, ao longo das faixas, os riffs hipnóticos, os vocais desoladores e a atmosfera sufocante, fria e imersa em dor pesam sobre este lançamento que influenciaria várias bandas, anos depois. Shining, ao longo de seus lançamentos, evoluiu bastante e passou a ter uma produção mais limpa, bem como os vocais de Niklas vieram a somar mais carga emocional às músicas. Suas performances ao vivo banhado em sangue e sua hostilidade para com o público também foram fatores que acrescentaram à impactante imagem da banda. Embora nunca tenham aceitado o termo Depressive Suicidal Black Metal, e também rejeitem sempre o rótulo de Black Metal, é evidente que por suas temáticas e sonoridade, em especial dos primeiros lançamentos, a banda esteja incluída como uma das mais influentes do meio.

Submit to Selfdestruction (EP completo) [1998]: https://youtu.be/nC1Ra2P-lG0

Faixa 'Submit to Self-Destruction' relançada em 2002 com os vocais de Niklas Kvarforth para o álbum 'III: Angst - Självdestruktivitetens emissarie': https://soundcloud.com/shining-official/shining-submit-to-self


Malvery - Mortal Entrenchment In Requiem: Embora fosse uma banda de Black Metal, possuía alguma proximidade com o Death Metal, sonoramente falando. Mas suas temáticas trafegavam enfaticamente no desespero interior. A banda foi formada em 1993 por Infurya na bateria, Coroner na guitarra, Vorlord nos teclados e guitarra, J.F. Boyte no baixo e Amer LeChâtier nos vocais, em Quebec, Canadá, mas, somente 6 anos depois, em 1999, foi lançado o álbum de estréia, Mortal Entrenchment In Requiem, que também acabou se tornando o único da banda. O vocalista LeChâtier cometeu suicídio logo após encerrar as gravações e, por consequência, nem chegou a ver o lançamento do mesmo. Este ato cometido por ele contra si mesmo já era refletido em seus vocais que soam sair dos confins de seus pulmões saturados em dor. É possível sentir a angústia misturada com a raiva em cada música. O álbum abre com As Drowning Came From Horizon, uma bela e suave introdução ambiente onde LeChâtier discursa calmamente, mas essa atmosfera já é imersa em melancolia e conduz o ouvinte para o sombrio pesadelo que vêm na música seguinte. LeChâtier dá vazão à toda sua dor e auto-ódio em Drowned In A Dried-Up Lake, a sensação de que ele está sendo esmagado pela música é muito real. A insanidade o enlaça e seus carregados vocais se alternam em falas dramáticas e gritos de dor. As músicas deste álbum são extensões reais de seu profundo sofrimento. Ele traz à tona toda a escuridão que o estrangula internamente. A faixa Suicide, The Only Solution é, sem dúvida, a faixa mais desesperadora do álbum. Nela, ele vocifera tudo o que pode. É um clamor por algum alento, por alguma chama de luz em meio a sua extrema dor, mas, não há nada além de mais escuridão e sofrimento. Evidentemente, pelo título da canção, ele já deixava claro no que sua mente se alicerçava e, de fato, veio a se concretizar dias depois. Ela tem cerca de 11 minutos e se apresenta como se fosse uma miniópera descrevendo o clima tortuoso de LeChâtier, envolvido em um grande tormento e desespero interno. Ele fala, discursa e é tomado pela fúria, pelo desespero e dor, muita dor. As linhas de bateria soam tribais e se mesclam a guitarra tremulando uma melodia agonizante. Os elementos de Death Metal são presentes e dão um ar ainda mais esmagador à música. LeChâtier parece estar sendo apertado mais e mais. O álbum marca não apenas o início de um subgênero focado em expressar a mais profunda dor que acomete o indivíduo, mas, também, o valor da autenticidade na arte, pois LeChâtier, literalmente, cantou aquilo que estava vivenciando e expõe seu inferno pessoal de forma assustadora, dolorosa e, ao mesmo tempo, majestosamente bela. O álbum foi lançado postumamente e como uma homenagem a ele.

Mortal Entrenchment In Requiem (álbum completo) [1999]: https://youtu.be/ZY5XPdxoIAI


Nortt - Graven: Nortt é uma banda-de-um-homem-só formada por Nortt, alguém que sempre se manteve no anonimato, na Dinamarca em 1995. Embora ele percorra o Funeral Doom Metal desde o início, suas temáticas foram uma extensa base ao que veio se chamar de Depressive Black Metal, na década seguinte. Os elementos da música de Nortt são profundamente sombrios e fixados na morbidez, na exaltação da morte, na desesperança humana, no desespero, depressão e vazio existencial. Apesar do álbum Ligfærd, lançado em 2005, ter tido uma melhor critica dentro do metal extremo, foi Graven, lançado em 1999, quem abriu caminho para o que veio a seguir. Esta demo, a 3ª da discografia, manteve a mesma baixa qualidade de suas antecessoras, mas já expressava uma notável evolução em termos sonoros. Nortt intitula sua música como "Pure Depressive Black Funeral Doom Metal" e, de fato, esse termo se aplica muito bem à carga que ele produz. Logo no início, a carga sonora chega pouco a pouco penetrando nas entranhas mais obscuras da desolação e prepara para o intenso peso que chega e envolve rapidamente o ouvinte que se vê preso a uma árdua jornada cheia de dor e tristeza, como se estivesse carregando um enorme fardo sobre os ombros enquanto nada em um mar completamente escuro. Os gritos torturados de Nortt agregam uma beleza mórbida na paisagem sonora que ele cria. As camadas hipnotizantes dos instrumentos são uma das características que Nortt manteve em todos seus lançamentos e que mantém a atenção total do ouvinte. Esta demo é um buraco negro vazio e, ao mesmo tempo, repleto de desolação. É como rastejar em uma caverna fria e úmida no escuro, onde você não vê nada a sua frente, apenas, escuridão interminável. A produção deste álbum é baixa, e foi o último com esse nível, por isso agregou e serviu de influência para muitas bandas que surgiram sob o rótulo de DSBM. Os acordes soam abafados, mas é, justamente, o que torna esse álbum excelente. O foco primordial é a escuridão imposta sobre ele e que transborda dele. Ele oferece uma atmosfera que permite que os sentimentos mais sombrios sejam concentrados. A lentidão é a expressão única da paciência que Nortt coloca, bem como a monotonia da própria existência sentenciada a sofrer dia após dia. Ele evoca toda a dor que agride e tortura vagarosamente o indivíduo. Quanto mais se demora, mais dor é somada. As músicas não têm pressa, não tem um objetivo a alcançar, um ponto a se chegar. Elas são sombrias e inabaláveis ​​em seu caminhar sem fim. Extremamente lentas, mas consumindo tudo ao seu redor, sugando a luz e deixando apenas mais vazio e desolação. Os vocais de Nortt podem ser encontrados à espreita nos cantos certos da marcha fúnebre de suas canções e chegam aumentando ainda mais a atmosfera deprimente e mórbida. A atmosfera é densa, os teclados criam uma melodia digna de uma marcha fúnebre e conduzem num ritmo lento e intenso por todas as músicas. Embora as faixas sejam longas e sem variações, elas não se tornam tediosas, pelo contrário, se unem lançando o ouvinte mais e mais ao fundo do abismo escuro. A bateria se mantém sempre direta e raramente se desvia do simples ‘um-dois-três’ da caixa, chimbal e bumbo, mas, isso é uma peça valiosa na arte de Nortt pois torna o sentimento de pavor ainda mais profundo na música. Os vocais são torturados em todos os sentidos e vêm vagarosos e silenciosos, grunhidos em segundo plano que geram o que as letras regurgitam: dor, luto, morte e desolação. Esta, bem como as demos anteriores, foram de bastante influência para bandas de DSBM da década seguinte pois Nortt consegue unir o ódio do Black Metal com a profunda tristeza do Funeral Doom.

Graven (Demo completa) [1999]: https://www.youtube.com/watch?v=x4ZFcd3gULI


Abyssic Hate - Suicidal Emotions: Formada em 1993 por Shane Rout que, como grande fã da banda-de-um-homem-só Burzum, se manteve como único membro de sua banda. Embora tivesse lançado materiais consistindo em uma sonoridade sombria e soturna, Abyssic Hate entra como uma das bandas precursoras do que viria ser o DSBM apenas no ano 2000 com o lançamento do álbum Suicidal Emotions. Este material traz uma carga intensa de dor, sofrimento, depressão e suicídio. O álbum é denso, sufocante e com uma produção de baixa qualidade que ajuda a criar ainda mais uma atmosfera hipnótica, sombria e envolvente do início ao fim dele. O minimalismo, que se tornou uma forte característica do Depressive Black Metal, é tido aqui como guia de todo o álbum. Os riffs são frios, repetitivos, mas não são cansativos, pelo contrário, eles retêm a atenção do ouvinte da primeira à última música. Pois, embora sejam simples, os riffs de guitarra são muito bem executados e transmitem o que a música tende a expressar. Este álbum mostra, de forma eficaz, que a atmosfera é sempre mais importante do que a tecnicidade. A bateria também não gera muitas variações, e se mantém unicamente como suporte aos demais instrumentos. Apesar de Shane ser multi-instrumentista, ele optou pela bateria programada para este álbum, o que se encaixou com a necessidade quanto ao que a sua música exigiu e nada mais, pois qualquer variação ameaçaria o efeito hipnótico gerado. Os vocais são monótonos e se ajustam perfeitamente às músicas, sem sobrepor e sem se ofuscarem em meio ao instrumental. Servem para refletir a depressão que assola e o isolamento que corrói rotineiramente. Essa monotonia e repetição sonora retrata a qualidade estática e paralisante da solidão e o profundo acinzentar da vida. Esse tom cinza, sem cor, representa muito bem a desesperança que preenche os dias vazios e maçantes pelos quais o indivíduo flutua numa existência inerte e vazia. Um ponto marcante neste álbum é que os riffs nunca são ríspidos ou agressivos, mas sim sempre reflexivos e melancólicos e mudam no momento certo, sem perder o teor hipnotizante e envolvente. As músicas são longas, mas não são tediosas pois os riffs dão lugar a outros com precisão e mantém a densa camada de desespero que Shane transmite. As emoções suicidas são, de fato, refletidas em cada música. As letras percorrem o desejo de pôr um fim a si, por um fim a toda dor, a todo sofrimento e vazio que esmaga, dia após dia, o indivíduo. Este lançamento teve grande peso em bandas que surgiram posteriormente e já eram referidas como de Depressive Black Metal. Um álbum frio, minimalista e que transmite as emoções mais sufocantes de quem deseja nada mais do que encerrar sua vida com suas próprias mãos.

Suicidal Emotions (álbum completo) [2000]: https://youtu.be/W8r7ekfXxXs


Sterbend - Einsamkeit: Banda alemã formada no ano de 2000 por Winterheart na bateria, Typhon nos vocais, Orcus na guitarra e Asmodaios no baixo e guitarra, e que recebeu certa notoriedade quando o Depressive Black Metal começou a ser usado para identificar bandas de Black Metal que percorriam caminhos dolorosos abordando a dor de existir, a depressão e o suicídio. Lançaram sua primeira e única demo no ano de 2001 e traziam uma torturada e sombria atmosfera depressiva com o peso de vocais frios e angustiados. A demo abre com o trecho do filme francês 30 Anos Esta Noite, que aborda o vazio existencial que culmina com o desejo de morrer. Em Einsamkeit é possível perceber de início o peso da banda, o vocalista solta seus gritos uivantes tortuosos repletos da mais densa agonia e, então, canta de maneira peculiar do que se ouvia em outras bandas de Black Metal da época. São gritos de total desespero acompanhados de riffs de guitarra e bateria constantes. A música progride pouco, mas se encaixa perfeitamente à proposta da banda. Todos os instrumentos trabalham de forma precisa e a bateria mantém o bumbo duplo em destaque, tornando não somente esta, mas todas as faixas da demo de uma qualidade ímpar. A produção é baixa, mas não soa saturada, mesmo tendo sida lançada em formato cassete. A faixa se torna um pouco mais rápida, mas sem perder a dor e melancolia a qual ela se propõe exalar. Winterwald é a faixa seguinte e, certamente, a mais rápida da demo. Ela conduz o ouvinte a ir mais fundo na floresta obscurecida gerada mentalmente. Uma gelada floresta no inverno mais agressivo já sentido e, para completar o cenário, uma soturna lua ilumina as estreitas trilhas que cortam a floreta. O indivíduo se perde dentro de si, diante da vista escurecida e, atordoado e confuso, com a sua depressão, tenta encontrar uma forma de escapar de toda essa miséria. Os vocais de Typhon são saturados em dor e desolação, sendo palpável tal desespero. A bateria tem um peso marcante e os riffs de guitarra seguem repetitivos, mas sem causar qualquer tédio. O baixo não é facilmente ouvido em toda a demo, mas, está presente ali, como uma adição a esta sentença depressiva que a banda traz. Depressive Paths Through Fullmoon Forests é, sem dúvida, a faixa mais notável deste lançamento. Tal como seu título, ela tem objetivo primordial em conduzir o ouvinte aos confins da floresta. Uma floresta acinzentada, iluminada por uma lua desbotada e que logo dá vazão para a escuridão total. É aqui que o indivíduo se perde completamente. Os vocais são um misto de fúria e dor e parecem sair do mais profundo abismo. Não há mais nada além de escuridão, solidão e frio, muito frio, corroendo, paralisando e congelando tudo ao redor. A faixa seguinte, Dwelling Lifeless, começa com riffs constantes de guitarra e ritmos equilibrados de bateria, se mantém toda instrumental. É uma faixa que representa o momento em que o indivíduo, preso na gélida floresta, se cala em pensamentos, já não há mais vozes dentro de si, tudo foi completamente congelado. A demo chega ao final com Outroduction, onde há elementos ambientes e atmosféricos com breves melodias de teclado. Com esta demo a banda estabeleceu uma boa fusão de texturas de Black e Doom Metal e trouxe uma sonoridade lenta e mórbida dosada com vocais uivantes e desesperados somando, assim, tijolos na construção do Depressive Suicidal Black Metal.

Einsamkeit (Demo completa) [2001]: https://youtu.be/HcHkNZ-jhRY


Xasthur - Nocturnal Poisoning: Formada em 1995 na cidade de Alhambra, na Califórnia, por Scott Conner, que adotou o pseudônimo Malefic, teve seu primeiro álbum, Nocturnal Poisoning, gravado entre abril e setembro de 2001 e lançado pela gravadora Blood Fire Death em 2002. Contendo 8 faixas e, na maior parte delas, com os instrumentos criando um paredão sonoro com várias camadas, através do qual riffs limpos ocasionalmente aparecem, este álbum é essencial ao que veio ser chamado de Depressive Black Metal. Xasthur, iniciada como uma banda de Black Metal, se destaca em uma sonoridade original onde as camadas de guitarras e teclados são sustentadas, apenas, para serem repentinamente substituídas por uma guitarra minimalista, criando assim, uma atmosfera sombria e opressiva de desastre inevitável. Os vocais são gritados e parecem bem distantes quando comparados ao resto da mixagem, mas há seções tranquilas e perfeitamente audíveis que logo são seguidas com camadas de guitarras e teclados que se desintegram em uma parede de ruído ecoante. Os temas projeção astral, escuridão, desespero, suicídio, ódio e morte marcam este álbum e seriam temas recorrentes em lançamentos futuros. Há um cover de Mütiilation que foi muito bem executado e enriqueceu o álbum, mostrando que Xasthur consegue dar uma dimensão única até mesmo a um cover. As faixas autorais são de uma singularidade que marcou a banda. O uso massivo de camadas de guitarras e teclados geram uma parede etérea que transporta qualquer ouvinte às paisagens mais enevoadas e oníricas possíveis. Este álbum soa mal, sinistro, angustiante e desesperador. Uma mistura perfeita que resulta em pura escuridão. O instrumental é denso, sufocante, com guitarras se entrelaçando aos teclados. O baixo é audível e parece ter vida própria. A bateria, embora programada, é bem ajustada e se encaixa muito bem com os demais instrumentos. Os vocais são simplesmente dolorosos de ouvir, mas dolorosos em um sentido agradável pois é a agonia dos vocais que gera mais riqueza a este lançamento. As camadas de reverberação soam até mesmo nostálgicas, como se falassem de algo não vivido, algo que está além deste mundo, além dos sonhos. Os teclados guiam para além da própria imaginação e as vozes de Malefic se somam para ecoarem gritos, grunhidos e múrmuros penetrantes e inaudíveis, que não sangram raiva, remorso ou sofrimento, mas apenas uma tristeza avassaladora. Essa melancolia doentia parece interminável. As faixas são razoavelmente longas, mas parecem se tornar ainda mais longas à medida que percorrem as trilhas tomadas pela mais densa e congelante neblina. Há um início, mas parece não haver um fim. As linhas de teclado penetram de uma forma tão bela e assustadora como uma lenta marcha rumo ao eterno e oculto que faz com que o ouvinte esqueça de tudo ao seu redor. As músicas prendem a atenção completamente. Xasthur continuou com essas características em lançamentos futuros, e influenciou muitas bandas já categorizadas como Depressive Suicidal Black Metal, e este álbum certamente marca sua jornada em meio às suas próprias saturações majestosamente sonoras.

Nocturnal Poisoning (álbum completo) [2002]: https://metalhit.bandcamp.com/album/nocturnal-poisoning

Nocturnal Poisoning (álbum completo Spotify):  https://open.spotify.com/album/5HEzmVm9C5E1O4YHaTzVuN


Silencer - Death, Pierce Me: Quando se fala em Depressive Black Metal, esta banda é comumente a mais citada, possivelmente, devido a figura impactante de seu vocalista Nattramn, mas, para além da parte visual chocante associada a ele, o motivo real é que esta banda trouxe uma obra-prima em seu álbum de estréia e que soava muito diferente do que era encontrado em bandas de Black Metal na época. Formada inicialmente pelo guitarrista Leere, no ano de 1995, Nattramn se juntou à banda alguns meses depois e ela se consolidou em um duo. Em 1998 gravam uma demo da música 'Death - Pierce Me', evidenciando os vocais agonizantes e afogados em um profundo sofrimento por Nattramn, e a melancolia muito bem trabalhada sonoramente por Leere. Esta música veio a se tornar o nome do primeiro e único álbum da banda, lançado em 2001, e que teve a faixa-demo incluída em uma nova versão. Este álbum é realmente um material sonoro bastante difícil de digerir, no entanto, é um dos essenciais do DSBM e um dos poucos que se tornou amplamente conhecido nesse meio. A música homônima ao álbum inicia-se com um riff suave e cativante onde engana o ouvinte que desconhece o que está por vir. O ponto alto é justamente quando Nattramn surge com seus lamentos rasgando a garganta e implora pela morte. A parte instrumental é muito bem encorpada, com belos riffs e solos de guitarra, marcantes levadas de bateria e linhas de baixo que, embora caminham por vias uniformes com os acordes de guitarra, são bastante expressivos. A finalização dessa música, bem como de todas as outras do álbum, é algo muito interessante, fecha-se de forma precisa. A segunda música, Sterile Nails and Thuderbowels, é a que ganhou maior destaque e, sem dúvidas, é esta a música que evidencia a sublime musicalidade de Leere, afinal, se não fosse por ele, provavelmente, este álbum não teria entrado na história como um clássico do DSBM. Ele fornece uma majestosa atmosfera para as lamúrias atormentadoras de Nattramn, que se estivesse vociferando suas dores sem música, obviamente, não soaria como música. A união musical desses dois é uma expressão sincera de como a boa música pode surgir quando há fidelidade naquilo que se quer transmitir. A faixa seguinte, Taklamakan, é, geralmente, a que mais atrai as pessoas porque, supostamente, Nattramn estava se cortando severamente e engasgando-se durante a gravação dela. É possível ouvir esses sons de forma nítida. Os riffs de baixo que abrem a canção também são bastante marcantes e mantém o ouvinte atento, apenas aguardando o que está por vir. Logo a música explode e, dolorosamente, os traumas existenciais de Nattramn eclodem junto. Os riffs de guitarra são simples, mas muito bem inseridos e se complementam com a bateria bastante rápida. Nessa música Nattramn vai ao extremo, como se estivesse em seu nível máximo de insanidade. A faixa seguinte, The Slow Kill In The Cold, parece ser um contraste à anterior e, com um fluxo lento, suave e melancólico de sintetizador, conduz o ouvinte a uma certa calmaria. Mas, antes mesmo do ouvinte poder imaginar uma paisagem menos sufocante que fôra criada pelas faixas anteriores, é novamente lançado às angústias lacerantes de Nattramn que se seguem em Shall Lead, You Shall Follow, onde a rapidez rítmica permanece. O álbum encerra-se com Feeble Are You - Sons Of Sion, uma canção executada apenas no piano e que traz consigo a sensação de uma certa calmaria depois que não existe mais nada a ser destruído, pois tudo está morto, terminado, encerrado. O que tornou a banda conhecida no meio do Black Metal foram os vários rumores, suposições e lendas que se mesclaram a eventos reais ocorridos com Nattramn. Nattramn não queria apenas expressar sua dor e angústia através de suas letras e seus vocais, ele queria que a música soasse o mais real possível para que o ouvinte pudesse sentir quão desesperado ele estava. E ele decidiu se automutilar antes e durante as gravações de cada faixa. Seus gritos eram de extrema dor, uma mistura do que ele estava sentindo fisicamente naquele momento junto com as dores mentais que ele já arrastava por anos. Gritos, urros, choros e sons de ânsia de vômito e engasgamento podem ser ouvidos nas músicas. Esses detalhes incomuns somaram para que os críticos descreverem a música de Silencer como ruídos tolos e sem graça, mas, quando se olha para as características estéticas que são tecidas a partir da subjetividade emocional complexa de Nattramn e Leere, fica claro que todos os instrumentos, as falas, lamentos, urros e gritos sobem do mais profundo poço onde habitam os seres massacrados pela existência humana. Pouco tempo após o lançamento do álbum, Nattramn foi encaminhando para um hospital psiquiátrico em período integral de internação, e a banda encerrou atividades após esse evento. Independente dos vários boatos, inverdades e datas imprecisas, o fato é que em suas músicas Nattramn expressou todo o seu desespero e sua insatisfação com a vida e com o mundo, isso de maneira bastante direta. Ele enfatizou a natureza de seus gritos estridentes, de alguém que estava sofrendo e sendo atormentado incansavelmente. Uma foto de Nattramn acabou sendo disseminada junto do álbum e, nela, ele se encontra com uma máscara ensanguentada e com bandagens manchadas de sangue nas mãos, nas quais aparecem pés de porco amarrados. Propagou-se que Nattramn se torturava durante as gravações das músicas e acabou amputando as mãos para substituí-las pelos pés de porco, mas, o que ele fez, de fato, foi amarrar com as bandagens os pés de porco às mãos. Mesmo vinte anos após seu lançamento, ainda há quem tache este álbum como uma peça horrível e que deve ser esquecida, como algo que deve ser retirado do Black Metal - a banda sempre disse fazer Black Metal e nada além -, mas não, não há motivos para essas duras críticas quando se analisa a banda, o álbum, as expressões ali colocadas sem vestimentas. Essas melodias foram arrancadas de momentos altamente emocionais e genuínos. Elas se uniram para formar uma camada crua, porém reveladora e intrigante. As letras são muito pessoais e/ou confessionais, que Nattramn escreveu para exorcizar seus demônios mais terríveis. Isso pode ser lido, escutado e mesmo visualizado - em paisagens mentais - como um vislumbre de momentos específicos da vida de um homem atormentado pela dor, pela loucura, pela existência cruel onde o sofrimento é imensurável. Há muita crueza e mensagens diretas em suas composições, mas, também, há espaço para abstrações, as letras e as melodias são muito mais emocionais do que se pode enxergar, de início, há imagens subjetivas e extremamente pessoais que não se pode encontrar na maioria das músicas de outras bandas do gênero. Nattramn e Leere uniram a profundidade dolorosa e escura de si mesmos, do sofrimento pessoal, e sangraram isto tudo em um estúdio de gravação.  Não existiu um objetivo, usando essa linguagem direta ou abstrata, de evocar algo, mas sim de expurgar. Expurgar tudo que corroía internamente e sangrava para além da carne.  Tanto é que este álbum não pode ser tido em meio termo, por isso, ou se gosta ou não se gosta dele. O ouvinte vai defini-lo de acordo com o que se deseja capturar dele e de como pode sentir empatia por estes ou quaisquer outros músicos, pois as músicas deste álbum se manifestam como instantâneos pessoais de estados emocionais extremos e narrativas sombrias que procuram falar em uma linguagem de angústia, dor, desespero, que pode ser atraente ao ouvinte, porque este pode ou não ter vivenciado momentos semelhantes. Para o Depressive Suicidal Black Metal este é um álbum de extrema importância e que agrega, definitivamente, aos álbuns onde a dor é muito palpável. Death - Pierce Me tem sido visto como expressão pura de dor, depressão e loucura.


Death, Pierce Me (álbum completo) [2001]: https://silencer-swe.bandcamp.com/album/death-pierce-me


Como dito no início, as bandas e seus respectivos álbuns mencionados aqui são tidas como uma base e influência (Proto-DSBM) para as bandas que de fato surgiram e já foram inseridas dentro do Depressive Suicidal Black Metal. Após o ano de 2003 surgiram inúmeras bandas e o ano de 2005, sem dúvidas, foi um ano em que muitas, em diversos países, se formaram e trouxeram lançamentos com características que serviram de base para as bandas da década seguinte. Então, obviamente, um texto com as primeiras bandas, efetivamente, de Depressive Suicidal Black Metal da década de 2000 bem como um texto trazendo as bandas que abriram a cena em território brasileiro, seria agregador. Então, provavelmente, trarei textos assim no futuro.

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