quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Falecidos da cena DBSM

 


A morte é inevitável a todo ser vivo neste planeta, no entanto, ter consciência de que ninguém escapa dela não quer dizer que nos tornamos imunes ao luto, ainda mais quando uma pessoa a qual estimamos falece. A ausência que permeia após, infelizmente, é uma dor a mais no já pesado fardo da existência. Que essas pessoas que tanto agraciaram - e seguirão agraciando - amantes do DSBM, possam descansar, finalmente, em paz.

Malvery foi uma banda canadense formada em 1993 por Infurya na bateria, Coroner na guitarra, Vorlord nos teclados e guitarra, J.F. Boyte no baixo e Mario Milette (Amer LeChâtier) nos vocais. A banda é tida como "Proto-DSBM" pois, ao lado de Silencer, formou as bases do que viria ser característico no subgênero anos mais tarde. Em 1998 foi lançada uma 'promo, e em 1999 começaram as gravações do álbum de estreia, Mortal Entrenchment In Requiem, que acabou se tornando o único da banda. LeChâtier faleceu alguns dias após finalizarem as gravações e, por consequência, nem chegou a ver o lançamento do mesmo.



Angústia foi um projeto brasileiro de Leandro Carvalho (Lobo). A sonoridade mesclava Depressive Black Metal e Shoegaze. Ele lançou apenas a demo Eternamente ao Fim no ano de 2013. Veio a falecer em 11 de dezembro de 2016.



And End... foi um projeto russo de Роман Ломовский (Roman Lomovskiy). A sonoridade mesclava DSBM e Post-Black Metal. Ele lançou apenas o álbum Between Light and Lies no ano de 2013 e, dois meses depois, no dia 1º de junho ele faleceu.



Dødfødt foi uma banda norueguesa formada por Nexx, Thyphos e Necro. A sonoridade misturava Black Metal com Noise e as letras abordavam depressão, solidão, dor mental e suicídio. Os vocais lembram bastante os de Nattramn. Lançaram a demo Forged in Inhuman Pain em setembro de 2007, dois meses depois, em novembro, o baixista Necro faleceu.



ROPE foi uma banda brasileira formada por Ricardo Almeida (Chackal) no ano de 2014. Suas letras abordavam a depressão, misantropia, fracassos e falhas pessoais, ideações suicidas, angústia, solidão e desilusões em relacionamentos interpessoais. Ele lançou o EP Asi em 2014 e um álbum autointitulado em 2016. Em julho de 2018 Chackal faleceu.



Rotten Light foi uma banda espanhola formada por Angel Cobos (Silence). Ele também esteve a frente das bandas Suicidal Psychosis, Theslecre e Traumatic Memories. Com Rotten Light lançou uma grande quantidade de álbuns, EPs, splits e singles. Veio a falecer em 14 de janeiro de 2019.



Lifelover foi uma banda sueca formada por Jonas Bergqvist (B) e Kim Carlsson. No decorrer dos lançamentos, outros membros se somaram à banda: LR, 1853, H e Fix. Com características de unir o Black Metal com o Pós-punk, música ambiente e experimental, foi a precursora do chamado Depressive Rock/Narcotic Metal. Com Lifelover, B lançou uma promo, um EP e quatro álbuns de estúdio, sendo o último, Sjukdom, em fevereiro de 2011. Ele também foi membro das bandas Dimhymn, IXXI, Ondskapt e Woundism. Ele também fez vocais e discursos para o álbum autointitulado da banda Reaktor 4, banda formada por amigos de Jonas. Em 9 de setembro de 2011 B veio a falecer.



Apati foi uma banda sueca formada por C9H13N e Fredrik Wolff (Obehag) em 2007. No ano seguinte dois novos membros ingressaram na banda: Patient C e Professor X. A sonoridade da banda era bastante melancólica e depressiva, mesclando Black Metal, Pós-Punk e Ambient. As letras abordavam as drogas lícitas e ilícitas como válvulas de escape da realidade, medicação, autoagressão, automutilação, suicídio, ansiedade, dor mental, desesperança, angústia e vida urbana. Assim como sua conterrânea Lifelover, a banda Apati também recebeu o título de "Narcotic Metal". Foram lançados dois álbuns de estúdio, Eufori em 2009 e Morgondagen inställd i brist på intresse em 2010. Em 23 de julho de 2011 Obehag faleceu.



Clonazepam foi um projeto brasileiro de Alissa S., formado no ano de 2019. Com uma sonoridade atmosférica e densa, as letras abordavam a depressão, solidão, abuso sexual e dor mental. Ela lançou a demo Enquanto Eu Espero a Minha Vez Chegar em 2020 e o split Estar Perto Não é Físico em 2021. No dia 17 de outubro de 2021 Alissa veio a falecer.


quarta-feira, 25 de outubro de 2023

Entrevista Unguilty & Nattag

 



Diferentemente das entrevistas que comumente são postadas aqui, com membro ou membros de uma só banda, a partir desta um novo formato se soma: entrevistas em duplas. No entanto, com membros de bandas distintas. As perguntas serão as mesmas aos dois músicos, ou duas musicistas, cada qual respondendo-as ao seu modo, com sua pessoalidade, pontos de vistas, etc. Nesta estreia, F. R. e Yakoushi - dois músicos com projetos relativamente recentes, Unguilty e Nattag, respectivamente, mas, que já alicerçam lançamentos muito bem produzidos e somam mais sonoridades dentro do DSBM - vêm apresentar suas ideias, opiniões e convicções.

 

É evidente que vocês têm influências de outros artistas no cenário da música, e essas influências são canalizadas e refletem nos seus respectivos trabalhos, juntamente com o peso expressivo da originalidade de cada um. Vocês apreciam outras formas de arte como cinema e literatura? Se sim, há também influências que vocês absorvem disto e, de algum modo, leva para seus projetos musicais?

F.R.: Com certeza. A arte sempre foi uma constante na minha vida, de muitas formas. Além da música, também tenho muito contato com artes plásticas (como pinturas e esculturas) e com a literatura. Essas influências podem ser observadas em minhas músicas através do romance que paira sutil em minhas letras, das referências a outras obras, de minha tentativa em induzir o ouvinte a criar imagens não apenas sonoras, mas, também visuais e até mesmo narrativas, dentre outros aspectos. Há, inclusive, uma música em minha demo de estreia onde cito um trecho do romance alemão, "Os Sofrimentos Do Jovem Werther", de Johann Wolfgang von Goethe. A música se chama "A Dream That Fades Into Reality".

Yakoushi: Não sou muito adepto do cinema, mas gosto bastante de Control (2007) e de The Crow (1994), este último sendo meu favorito. Creio que a maior influência que eu absorvo de ambos seja a atmosfera melancólica e noturna, além de que The Crow é uma obra (tanto a HQ quanto o filme) bem poética ao meu ver. Desse tipo de mídia audiovisual, animes são de longe o tipo que mais consumo (há inclusive um sampler de um anime moe em uma faixa minha chamada "Proscrição", mas não lembro especificamente qual foi o anime usado). Gosto de literatura, sim, sobretudo contos e poesia. Atualmente não leio mais tanto quanto costumava fazer no passado, mas continuo apreciando bastante essa arte. É algo que está presente no Nattag fortemente, apesar de ser um pouco complicado explicar com precisão onde e como. Lia bastante poesia ultrarromantista, mas nos últimos tempos o simbolismo esteve chamando mais minha atenção. Creio que essas influências em específico sejam relativamente evidentes nas minhas letras; agora, no que tange à sonoridade e atmosfera, varia bastante de faixa para faixa; eu diria que o "Moções Incertas" por inteiro expressa (ou pelo menos tenta, hehehe) um tipo de decadência que pode ser encontrada em alguns contos do Poe, por exemplo. Pessoalmente, algo que me inspira bastante tanto na composição lírica quanto musical é a fotografia. Sempre tenho alguma paisagem ou imagem em mente quando envolvido no processo de produção de algo. As capas que acompanham faixas ou álbuns meus têm o propósito de adicionar significado à música, ao invés de só estarem lá porque o Bandcamp exige. Para mim, a fotografia consegue captar diversas atmosferas, momentos, sentimentos, etc., de um jeito diferente de uma arte como a poesia (não que um seja melhor que o outro, são apenas diferentes). É algo bem similar com a pintura nesse aspecto.


A música, sem dúvidas, é um dos melhores modos de dar vazão às mais densas e sombrias emoções. No meio do Depressive Black Metal isso se torna ainda mais característico. Além de tocar e cantar, vocês costumam realizar outras atividades para amenizar o estresse do dia a dia?

F.R.: Em meu pouco tempo livre, gosto de ler livros e histórias em quadrinhos, desenhar, jogar Magic: The Gathering, ou apenas tomar um café observando os pássaros na grama. Mas são raros esses momentos em que eu não esteja, de alguma forma, fazendo música.

Yakoushi: Apenas coisas relacionadas a hobbies meus, mas não sei se isso pode ser considerado algo para amenizar o estresse. Não tenho tanto estresse em geral — meu estresse é mais "pontual", por assim dizer. Coisas específicas que me estressam, ao invés de ser um estado presente cotidianamente, até porque minha rotina é bastante parada e neutra, então nem sempre há algo ocorrendo que me deixe nervoso assim. Duas coisas que faço regularmente é ficar garimpando artes de animes e jogos pela internet e editar pelo Photoshop fotos que tiro; há também coisas relacionadas à música que não se restringem à produção dela em si, mas acho que isso qualquer um que está inserido mais intimamente no meio musical faz naturalmente, então não conta. Agora, para especificamente aliviar o estresse, costumo caminhar, ficar mais isolado que o normal de pessoas, navegar sem rumo pela internet e/ou beber café (que é um dos métodos que mais costuma funcionar).

 

Atualmente, os Transtornos Mentais estão ganhando mais atenção, devido aos altos índices de pessoas que padecem e mesmo chegam à morte em decorrência destes males gravíssimos. Vocês creem que as pessoas em geral, de fato, estão se importando mais umas com as outras, ou esse cuidado ainda é apenas de quem passa pelo mesmo e por fim acaba criando um círculo de ajuda entre pessoas que também são ignoradas e estigmatizadas pela sociedade?

F.R.: Acredito que há sim um aumento de pessoas que dão mais atenção a esses transtornos, devido à grande quantidade de informações que podemos ter sobre isso hoje em dia. Mas, ainda assim, é um aumento modesto, que ainda é nebuloso entre toda a ignorância que há sobre este tema, ainda mais em nosso país.

Yakoushi: Eu aposto no segundo caso. É muito raro ver alguém que se importa com uma pessoa passando por dificuldades relacionadas a transtornos mentais sem que esse alguém em si tenha passado por algo similar. A verdade é que a maioria não está nem aí para você. A celebridade que publica algo nas redes sociais sobre esse tipo de assunto pode tanto estar tentando de fato ajudar quanto tentando dar uma de bom samaritano para manter uma imagem (como tanta gente faz no Setembro Amarelo, por exemplo), a questão é que é muito difícil ela conseguir se importar contigo como indivíduo, pois ela muito provavelmente não te conhece e não tem nenhum laço pessoal com você. Para a mídia e para pessoas que não nos conhecem individualmente, se cometermos suicídio, seremos uma vítima que entrou para a estatística e nada mais. E não estou falando que deveria ser diferente, até porque é impossível ser diferente; esse tipo de coisa está além das capacidades das pessoas. Meu ponto ao falar isso é que eu não consigo crer que as pessoas estão verdadeiramente se importando mais umas com as outras, elas estão apenas tocando no tema dos transtornos mentais com maior frequência e abertura (o que já é ótimo, sem dúvidas). Claro, conforme as pessoas compreendem a questão das desordens psicológicas fica muito mais provável de elas desenvolverem uma empatia maior por quem é acometido por isso, no entanto, falarmos mais sobre isso não necessariamente implica que as pessoas estão se importando mais com indivíduos passando por dificuldades. É só ver como quem se automutila ou tem cicatrizes visíveis por conta desse tipo de prática é malvisto pela vasta maioria das pessoas que não entende nada sobre. Você vai ao mercado de camiseta e tem gente te encarando com olhares assustados ou de desprezo. O progresso em relação a essas coisas é muito lento na sociedade, e nada indica que isso mudará.

 

Nos dias atuais, fazer música se tornou algo mais acessível. Se encontram diversos softwares, instrumentos virtuais, e até celulares onde se pode usar como microfone, facilitando a quem tem pelo menos um conhecimento básico para compor, tocar e cantar vir a criar seu próprio projeto. Inclusive, de forma solitária. Vocês já fizeram parte de alguma banda com vários membros? Se sim, como foi essa experiência? E, se não, vocês se sentiriam à vontade para fazer parte, mesmo que não fossem pessoas do seu círculo de amizade?

F.R.: Já participei de dois projetos com alguns amigos. Porém, não eram de estilos que gosto. Foi uma experiência divertida, mas nada produtiva para mim (no âmbito musical).

Yakoushi: É meio difícil responder a primeira questão, já que "fazer parte" é algo meio incerto à minha visão. Em 2019 eu fui guitarrista de uma banda de Black Metal da minha cidade por exatos dois ensaios, então não sei se dá para dizer que "fui parte" da banda. Fora projetos em que sou só eu e outra pessoa, acho que apenas participei de fato da Fentanil mesmo. Minha experiência na Fentanil foi ótima. Era algo bem tranquilo, nunca houve qualquer tipo de pressão ou limitação e sempre havia compreensão e colaboração entre os membros. Acabei aprendendo um bocado com minha participação na banda, já que eu experimentava bastante nos vocais (o que acabou rendendo alguns momentos em que acho que vacilei no canto, mas faz parte, né). Quando trabalhando com outras pessoas no meio musical eu procuro ser complacente justamente para favorecer um ambiente sossegado.

 

O DSBM é relativamente um subgênero novo no Metal Extremo, porém já se encontra alicerçado e com uma cena expressiva. Vocês se lembram de como ele chegou até vocês? E quais foram as bandas que os apresentaram a este tipo de música tida como a mais depressiva do Metal?

F.R.: Conheci o DSBM através de um amigo, que me apresentou ao estilo quando eu tinha 16 anos. Sempre gostei do metal atmosférico, então fui imediatamente atraído para este tipo de música. Comecei com bandas como Lifelover, Silencer, Nocturnal Depression... e logo estava imerso nas atmosferas que moldam o DSBM.

Yakoushi: Incrivelmente, meu primeiro contato com o Black Metal foi logo com o DSBM. Lembro que lá em meados de 2016 eu frequentava um blog chamado Warriors of the Metal Horde (ou algo assim), e acabei caindo em uma publicação sobre o Happy Days um dia. Ouvi a demo "Alone and Cold" e imediatamente fui atraído. A partir daí fui pesquisando mais bandas, inclusive de outras vertentes do Black Metal. As bandas que eu mais ouvia no começo, se não me falha a memória, eram Happy Days, Lifelover, ColdWorld, Leviathan e Silencer. Algumas delas eu parei de escutar há tempos, como Leviathan, ColdWorld e Happy Days, outras continuo a ouvir bem frequentemente, tipo Lifelover.

 

O Brasil é um país muito grande, com um povo diversificado e uma rica cultura. Vocês acompanham as regionalidades, seja música, dança, teatro, culinária e literatura? Se sim, o que poderiam nos indicar do seu estado?

F.R.: Não tenho tanto contato com a cultura de minha região quanto gostaria, mas o Paraná (e todo o Sul) é conhecido pela diversidade cultural, fruto das grandes imigrações que houveram, vindas principalmente da Europa e da Ásia, além da própria cultura indígena já presente na região. E o barreado de Morretes é um prato que faz jus à fama que tem.

Yakoushi: Não vou atrás de absolutamente nada da minha cidade/estado com o propósito de descobrir algo relacionado à cultura daqui. Não que eu me recuse ou algo assim, apenas não fico prestando atenção nesse tipo de coisa. O que consumo e acaba sendo daqui é puramente por acaso ou familiaridade. Mas tem um livro bem legalzinho de um professor de física aqui da UEPG chamado Gerson Kniphoff da Cruz; o livro é: "A criação do conhecimento real exterior".

 

Vocês são multi-instrumentistas, além de compor e cantar também. Qual (ou quais) é o instrumento favorito de vocês? E há algum que vocês ainda não tocam mas gostariam de vir a aprender tocar?

F.R.: Meu instrumento favorito é o baixo. Foi o primeiro que aprendi a tocar, e é o que tenho o maior domínio. Mas, gostaria muito de aprender alguns instrumentos de corda clássicos de uma orquestra, como o violino e o violoncelo.

Yakoushi: Meu instrumento favorito para tocar é guitarra porque é o único instrumento que tenho, hehehe. Mas para ouvir, gosto bastante de: baixo, violino, violoncelo, sintetizadores, xilofone e banjo. Que não tenho mas gostaria de aprender a tocar... Violino, um sintetizador ou teclado e violoncelo. Mas eu só queria mesmo era um amplificador melhor para a minha guitarra... O que tenho aqui no momento é sofrível. Ter um baixo e um violão seria interessante também. Atualmente estou com um baixo emprestado de um amigo, mas é uma sensação diferente de ter um instrumento que é verdadeiramente seu, sabe? Seria bem da hora se eu aprendesse a cantar também (hue).

 

A cena nacional de DSBM tem se mostrado forte e há uma boa interação entre fãs e artistas. Como é o contato de vocês com essa galera, tanto fãs quanto outros artistas do meio?

F.R.: É excelente. No início do Unguilty, não tive quaisquer pretensões de ser ouvido, apenas quis fazer música. Mas com o tempo, os ouvintes foram aumentando. Interagindo com a banda. E isso tudo é muito estimulante. Por isso, hoje, tenho grandes planos para o futuro da banda, e espero fortalecer ainda mais minha relação com estes que apreciam minha música.

Yakoushi: Eu — até onde sei, ao menos — geralmente acabo tendo contato com o pessoal que acompanha o que faço. Algumas pessoas comentam regularmente nas coisas que lanço no YouTube e eu procuro sempre responder, apesar de que por algum raio de motivo o YouTube às vezes parece apagar sozinho alguns comentários; não é raro eu receber notificação de comentário e, ao ir checar, ele simplesmente não estar lá. Uma parte considerável de quem eu sei que acompanha o que faço é composta de amigos meus, então uma hora ou outra há interação direta. Sou muito grato a quem escuta minhas músicas, já que sem essas pessoas meus projetos meio que nem existem. Meu contato com outros artistas do meio é bem limitado. Varia bastante, na real. Tem gente que eu conheço e interajo pouco por ser naturalmente mais fechado e optar por ficar fazendo minhas coisas sozinho na maior parte do tempo; tem gente que eu conheço por nome, mas nunca troquei uma palavra sequer de maneira direta, enfim. Eu acabo nem prestando muita atenção nisso; não vou ativamente atrás de estabelecer contato com quem não conheço, se isso acontece ou não é por acaso ou pelo desenvolvimento natural das coisas mesmo. Mas a galera com quem tenho contato é muito gente boa.

 

Como ouvinte e apreciador da música, qual é o ponto de vista de cada um de vocês em relação a música mundial? Vocês acreditam que com esse amplo acesso atual a música se tornará saturada, já que há muitas pessoas fazendo música praticamente todos os dias, ou é o oposto e justamente pela alta demanda dos ouvintes que mais artistas estão surgindo para suprir essa necessidade?

F.R.: Não tenho um pensamento formado sobre isso pois é um assunto muito complexo. Mas no geral, sou otimista. Acredito que essa facilidade em produzir música pode revelar grandes talentos, que poderiam não aparecer em outro cenário. E que mesmo com a saturação em quantidade de músicas, os ouvintes sabem reconhecer os bons artistas. Mas, também penso que esse grande movimento na música, de maneira desordenada, pode desgastar os artistas e ouvintes, dificultando o surgimento de bandas emblemáticas e inovadoras, como haviam em maior quantidade antes.

Yakoushi: Ao meu ver, isso é algo extremamente difícil de definir, já que depende de inúmeros fatores em relação a várias coisas que rodeiam essa questão. Além de que você terá respostas diferentes de pessoas diferentes em momentos diferentes. Para alguns, o DSBM, por exemplo, já está saturado, enquanto que para outros o gênero ainda tem muita história pela frente. Eu diria que é mais uma questão de saber do que você gosta e encontrar alguma forma de apreciar diferentes coisas de diferentes modos. Eu costumava não curtir muito Black Metal “genérico” (como se essa palavra significasse qualquer coisa), mas nos últimos tempos aprendi a apreciar esse tipo de coisa. Achar música inovadora e diferente é muito interessante e gratificante, sem dúvidas, mas às vezes a gente tá afim de ouvir algo mais “básico’’ mesmo, é normal. Eu já fui crítico de projetos de DSBM que seguem determinado padrão, mas quer saber? Por mais que eu possa acabar não gostando do produto final, da música em si, hoje em dia eu acho completamente fascinante o que está por trás daquilo. É uma expressão totalmente genuína e honesta, e o artista está colocando para fora tudo o que ele tem dentro dele. O Black Metal é para isso mesmo, para dar vazão a esses sentimentos e ideias da forma que a gente bem entender. Se você gosta ou não de X projeto ou banda, é algo para você mesmo apenas, pois o ponto do cara por trás daquilo é puramente expressar o que ele quiser, e isso é o que importa no final. Se você tem algum sentimento, ideia, ou qualquer coisa que seja e não tenha acesso à pomposidade de um estúdio e equipamentos dignos de uma banda de Power Metal, o Black Metal te acolherá de braços abertos. Isso que é o Black metal para mim: liberdade artística para fazer o que você quiser da forma que você quiser. É uma forma de expressão genuína e às vezes até meio intimista, pois o artista muitas vezes expõe ali coisas que ficam obscuras à cotidianidade, coisas que só podem ser expressas por meio daquela música. É algo quase transcendental, e eu acho isso admirável. Eu poderia até mesmo comparar essa característica do Black metal à criação de um canal no YouTube. Se você quiser criar seu canal e começar a produzir conteúdo, você pode, a plataforma está livre para isso. Agora, a edição, o tipo de conteúdo, a regularidade com que ele é feito e todo o resto, isso fica à sua escolha. Não tem uma câmera ou microfone profissional? Tudo bem! Faça da forma que você puder, pois o canal é inteiramente SEU. Se as pessoas vão assistir ou não, se elas vão gostar ou não, tanto faz, desde que você esteja fazendo aquilo com honestidade, porque isso é o que importa no fim.

 

Considerações finais.

F.R.: É sempre ótimo fazer parte de entrevistas e outras atividades aqui na DSBM Brazil. Agradeço a todos aqueles que ouvem minha música. Aguardem por grandes novidades no futuro do Unguilty.

Yakoushi: Agradeço muito à página por essa oportunidade de ser entrevistado, agradeço a qualquer um que ouça minhas músicas e a qualquer um que está inserido ativamente na cena DSBM, seja apoiando os artistas de qualquer forma, seja divulgando bandas e projetos, seja produzindo algo. Vocês mantêm isso aqui vivo e andando. Gostaria de avisar também que tem coisa nova do Nattag por vir. Não estipularei datas, mas o que tenho por certo é que sairá este ano. Muito obrigado.


Vocês podem acompanhar os lançamentos e informações de Unguilty e Nattag em suas respectivas plataformas e redes sociais.

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sábado, 29 de julho de 2023

Autópsia Lírica II

 


Dysmorphophobia é uma canção da banda italiana Dreariness. A letra explora o tema da dismorfia corporal, uma condição de saúde mental em que o indivíduo tem pensamentos obsessivos e preocupações sobre sua aparência, frequentemente percebendo falhas que não são visíveis ou são insignificantes para os outros. Na letra, o indivíduo retratado é uma mulher, jovem, e que está lutando com essa condição, retratando suas emoções intensas e a percepção distorcida de si mesma. Os primeiros versos, "Eu injeto mais uma vez esse oceano em minhas veias", expressa metaforicamente o ato de se injetar com pensamentos negativos e autocríticos que a consome. A referência a um "oceano" sugere a natureza dominante desses pensamentos. A linha "Duas garras arranham minha garganta e me deixam em feroz desespero" expressa a agonia interna da jovem, as "garras arranhando sua garganta" simbolizam os pensamentos autodestrutivos afiados e dolorosos que causam danos físicos e emocionais. Essa dor é intensificada com a imagem de sangue e desespero. A linha seguinte, "Uma canção de ninar me leva à loucura" transmite a natureza cíclica da condição, onde a jovem encontra um estranho conforto, ou uma certa familiaridade, na sua percepção distorcida de si mesma. A menção de ossos se transformando em pó representa o desmoronamento e deterioração de sua autoimagem. Conforme a música avança, as emoções da jovem se intensificam. O desejo de salvar a pessoa presa dentro do espelho mostra seu anseio por escapar das limitações de sua própria mente. Os pedidos repetidos por cura e injeção de felicidade destacam seu anseio por alívio de seus pensamentos dismorfóbicos. "O espelho se quebra, ela está morta/Sua imagem lá/Ela está morta!", a quebra do espelho e a declaração da morte da pessoa significam a morte simbólica da imagem distorcida que ela havia criado de si mesma. Isso pode representar um ponto de virada na música, sugerindo uma possível ruptura da dismorfia ou uma constatação de que sua autopercepção não é a realidade. A frase repetida "Tudo queima instantaneamente, tudo se desmorfa" enfatiza a angústia e o caos vivenciados pela jovem. Reflete a luta constante que ela enfrenta, já que sua percepção distorcida distorce sua realidade, queimando qualquer imagem positiva de si mesma. No geral, Dysmorphophobia oferece uma exploração sombria e introspectiva do tormento emocional e psicológico causado pela dismorfia corporal. Lança luz sobre a batalha interna enfrentada por todas as pessoas que vivenciam essa condição, destacando o apelo desesperado por cura e libertação da percepção distorcida de si mesmas.

O Fantasma de um Rancoroso Passado é uma canção da banda brasileira de Lamúria Abissal. A letra transmiti uma história de intensa raiva e ressentimento em relação a alguém do passado. E retrata o retorno dessa pessoa, causando desconforto e até mesmo dor física ("Sua presença já me range os ossos") ao indivíduo. Ele expressa sua raiva avassaladora e a dificuldade de lidar com essa pessoa cuja pesou-lhe mágoas no passado e que segue ressoando no presente. A música destaca noites sem dormir cheias de desabafos e tentativas condenadas de recomeçar, caindo em um ciclo destrutivo. Os dias são descritos como cheios de dor, remorso e constrangimento devido à presença persistente dessa pessoa. O trecho "Ó odioso ser de minha convivência/O fantasma clamante por voltar a estar vivo/Reviver o ódio, o amado sentimento retroativo" expressa como o indivíduo se sente em relação à pessoa que lhe conferiu mal, e que sua volta só vai remoê-lo ainda mais em um ódio imensurável. O retorno das emoções desprezadas, dos sentimentos sufocados e da passagem monótona dos dias presos nessa dança de dor em que eles repetidamente se envolveram, é trazido cruamente à tona, outra vez. A linha "Um dia fora algo, foi tudo, meu mundo/Agora não pode ser nada, tem que ser menos, esquecer tudo" explora um passado em que essa pessoa tinha importância, mas agora ela deve ser esquecida e descartada como nada. O indivíduo lista tudo aquilo que ela fez a ele, "Você me fez chorar/Me fez parar/Parar de falar/Você me fez gritar/Me aquietar". E reforça na linha seguinte, que sua volta, ainda que se mostre arrependida, não terá resultado algum senão o fim, desta vez, de uma vez por todas. "Você escapuliu de meus dedos, de escolhas que você fez/De coisas que você disse/De coisas que você fez e agora chora por eu ter chorado". E no trecho seguinte "Encho seu tumulo com minhas lágrimas e a muito custo/Te sepulto em meu desdém" o indivíduo afirma que, ainda com alguma relutância, enterra finalmente, e metaforicamente, este fantasma do presente manchado pelos resquícios de um passado amargo em um cemitério, enfatizando que não há chance de seu retorno. Nas próximas linhas há uma mudança de tom. "O vento que sopra agora em meu rosto/Limpando as lágrimas/Varrendo o cansaço/Secando minha feição, tão morta e exausta/De coisas que você disse, de coisas que você fez". O vento simboliza uma força purificadora, limpando as lágrimas, dissipando o cansaço e restaurando uma aparência morta e exausta. "A memória mais bonita, foi ter ido embora e deixar você morrer". As memórias do que essa pessoa disse e fez, embora antes significativas, agora são vistas como uma bela lembrança apenas porque ela partiu. "O perpetuar de sua morte, seria mais intenso te vendo me matar/Pelo amor que te dei, respondido com memórias de desdém". Ele deseja que a ausência da pessoa continue de forma perpétua, ainda que isso signifique testemunhar sua própria ruína. No geral, O Fantasma de um Rancoroso Passado mergulha nas complexas emoções de raiva, ressentimento e um árduo desejo de encerramento definitivo daquilo que se iniciou no passado. Destaca como muitos relacionamentos se baseiam em um amor dado por uma das partes, mas, que sendo correspondido com indiferença, se transforma em memórias de desprezo que se estendem por anos a fio. 

Transtorno Depressivo Maior é uma canção da banda brasileira Funesto. Ela explora um transtorno mental caracterizado pela redução drástica das emoções de alegria, bem-estar e prazer. Comumente chamado de depressão, o Transtorno Depressivo Maior é um transtorno mental que afeta as áreas cognitivas, fisiológicas e comportamentais da pessoa. É marcado pela baixa autoestima, pela perda de interesse em atividades que antes eram prazerosas, pela pouca energia e fadiga constante, dores físicas sem uma causa aparente, desânimo persistente, sentimentos de inutilidade, vazio, culpa ou/e irritabilidade. Ainda, reduz a capacidade de pensar, de se concentrar, memorizar ou de tomar decisões. Ocorrem alterações do sono (mais frequentemente insônia, podendo ocorrer também sonolência excessiva ou sono interrompido), alterações do apetite (mais comumente perda do apetite, podendo ocorrer também aumento do apetite). Somando-se ainda o retraimento social (isolamento social), chorar mais e com maior frequência, lentidão física generalizada, ou agitação psicomotora. Entre as consequências graves, há ocorrência de comportamentos autodestrutivos (autoagressão), pensamentos suicidas e tentativas propriamente ditas de suicídio. A letra evidencia o peso que o indivíduo carrega, a luta que trava diante desse inimigo que está em sua própria mente. "E nesse abismo de sofrimento/O suicídio não sai da minha mente/Por que?" é uma constatação que o indivíduo faz, e também uma indagação dosada em dor e revolta. Transmite um sentimento de desespero e um desejo de libertação das lutas da vida. O indivíduo tem pensamentos recorrentes sobre a morte. "Corda em volta do meu pescoço, o que me resta?", o questionamento da situação em que se encontra é constante, e enfatiza também que ele está só, em isolamento, está apenas consigo mesmo e mais ninguém. A ideia de findar com sua dor é a única coisa que paira em sua mente. Ele retrata seu estado mental e sua disposição para tomar medidas extremas pois já está em seu limite. "Eu não aguento mais essa dor/Me deixe morrer/Eu quero morrer" sugere a deterioração da condição mental e física do indivíduo. Ele se sente esgotado, exausto da luta constante e pronto para sucumbir ao seu destino. Clama a si mesmo para que não haja qualquer relutância, apenas que se deixe morrer. No geral, Transtorno Depressivo Maior retrata os temas de desesperança, desespero e pensamentos de suicídio presentes na depressão. Apresenta um vislumbre da mentalidade de alguém que considera o suicídio, lançando luz sobre a turbulência interna e o impacto que tal decisão tem sobre o próprio indivíduo exausto fisica e mentalmente.

When Your Mind Is A Prison é uma canção da banda brasileira Neural Oestridae. A letra explora temas como encarceramento mental, desesperança, resignação e vestígios niilistas.  Ela começa com o indivíduo constatando duramente que não há mais esperanças pois ele se encontra preso dentro de si mesmo. "Não há refúgio, quando sua mente é a prisão/Não há esperança quando você já está morto por dentro/Você tenta, e tenta/Mas é sempre em vão". A luta a qual ele percorreu por muito tempo, não resultou em nada. Se sentir morto por dentro é uma maneira de dizer que não há mais a chama da vida, alegrias e prazeres. Tudo definhou e se apagou. As suas tentativas de prosseguir e tentar reviver algo de bom em si mesmo, foram em vão.  No decorrer da música ele expressa que sua dor cresce ainda mais por perceber as mentiras que arrastou durante sua vida toda. "Você alimenta aquelas pequenas faíscas de felicidade/Mas elas sempre se vão/Uma vida inteira baseada em mentiras". O indivíduo passou sua vida injetando mentiras e ideias de que a vida fosse melhorar, numa tentativa de acreditar realmente naquilo, mas, a dureza da existência só mostrou que aquilo era uma tolice, um crime que cometeu contra si mesmo. Há uma mágoa muito grande gerada, e contra si mesmo, por se iludir completamente. A linha seguinte "Uma existência que deveria ser extinguida/Confrontar sua existência, quando sua mente é uma cadeia de pensamentos negativos" destaca que ele tentou fazer uma autorreflexão, olhar dentro de sua própria escuridão, confrontá-la, mas, as respostas só poderiam ser duras e carregadas de negatividade pois é tudo o que há dentro de si. No decorrer das próximas linhas ele, então, chega ao ápice. "Saber a verdade sobre si é algo, no mínimo, assustador/Ainda mais quando a verdade, a inevitável verdade.../É que você se odeia". Confrontar a si mesmo, retirar todo o véu que o impedia de enxergar o seu próprio eu, ou até mesmo intencionalmente ele evitava de ver embaixo, o leva a uma dura confirmação: a de que ele se odeia. A dor que o tempo impôs, deixando-o sem qualquer propósito, serviu como uma armadura por um tempo. O privou de se auto desprezar. Ele vestia uma roupagem em que, em meio à dor, podia se alimentar com alguma chance de alívio. Isso se manteve por algum tempo. Mas, no dia em que confrontou a si próprio enxergou que, na verdade, abaixo da dor havia uma base sólida de auto-ódio. A linha segue enfatizando que ele odeia tudo porque nada gera algum significado para ele. "Odeia tudo pois nada tem valor para você/Você não ama, mas finge amar/Pois isso é um sentimento humano, mas é patético...". O amor, um sentimento tido como puro, nada mais é do que algo imposto pelo coletivo, fazendo com que as pessoas digam que amam umas às outras, meramente, por hábito. O próprio amor foi uma máscara por cima do auto-ódio que ele finalmente enxergou. Sua vida foi baseada em mentiras e falsas emoções e sentimentos. No geral, When Your Mind Is A Prison destaca em como um indivíduo pode ficar enclausurado por muito tempo devido aos seus próprios mecanismos internos para que não enxergue a verdade. Mas, uma vez exausto de tentar aliviar sua dor, ele olha para dentro de si e enxerga o real motivo de tanto infortúnio, ele mesmo se odeia. E esse sentimento cria um ciclo de autodestruição, onde falsas emoções entram em jogo para tentar mascarar as reais e cruas emoções. Confrontar a si remonta algo proferido pelo filósofo niilista Friedrich Nietzsche, de que quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você. E, obviamente, esse olhar é sempre aterrorizante pois sujeita o indivíduo a ficar diante de seu Eu cru, real e incivilizado.

Vazio é uma canção da banda brasileira Alivium. A letra explora a fadiga mental, a desesperança e apatia. As linhas iniciais expõem o cansaço do indivíduo, aqui expresso como uma jovem. "A vontade de permanecer nesse quarto/Dia após dia /Se tornou maior...". Ela desabafa em como suas vontades se fecham a uma só, a de permanecer em seu quarto, isolada, longe de tudo e de todos. A cada dia que passa esse é o único desejo que cresce. O trecho "E a cada dia de minha agonia é um dia a menos" simboliza sua enorme desesperança. Ela tenta se agarrar ao fato de que a cada dia que se passa, também traz a morte mais para perto. Um dia a mais, na verdade, se torna um dia a menos de vida. Sua agonia é um fardo do qual ela anseia desesperadamente pelo fim, ainda que o fim dessa agonia seja também o seu próprio fim. A letra avança chegando à apatia. A jovem está tão imersa em sua agonia, afogando-se dentro de si, que nada mais externamente a faz reagir. Há uma inércia que a petrifica. "As luzes acesas já não refletem em mim" simboliza a total escuridão interior que a acomete. Alegrias e prazeres foram consumidos por essa escuridão e nada mais resulta em estímulos para que ela possa ter algo positivo ou se sentir melhor. Ao final ela demonstra sua aceitação perante a esta escuridão que a abraça friamente, "Mergulhada em tristeza e solidão/A vontade de ir embora/Já não importa.../Estou entregue à escuridão... ". Sua resignação perante a escuridão se dá com a morte definitiva de seu importar. Ela se afundou em tristeza e solidão e lutar para emergir não é uma opção mais. Seu cansaço ultrapassou todos os limites, assim fazendo-a simplesmente não se opor à completa imersão na escuridão. No geral, Vazio avança na desesperança de alguém que diante da perca dos prazeres, se vê apenas num ciclo de aflição do qual aguarda o único remédio capaz de trazer alívio definitivo: a morte. A fadiga e a exaustão chegam a fronteira final, e neste ponto a resignação é a única escolha disponível.

Idealiza​ç​ã​o é uma canção da banda brasileira Nattag. A letra explora a desesperança, o distanciamento emocional e faz uma livre expansão de sentimentos e pensamentos íntimos. A primeira seção/estrofe expurga um desalento e solidão por parte do indivíduo. "A discursar pelos ecos do gélido oceano/Espalhando acontecimentos atemporais pelo anoitecer/A perder-me na névoa de expectativas, percebo ser um mero engano/Um escudo contra envolvimentos do afastamento - eis o romper". "Gélido oceano" simboliza a vastidão de sua vida, fria, inerte, onde ele fala com ninguém além de si mesmo, expressado pelos "ecos" que nada mais são do que suas próprias falas repetidas e ouvidas pelo próprio indivíduo, enfatizando também a sua solidão. Ele percebe que todas as suas expectativas foram alimentadas em vão, com ele próprio perdendo-se entre elas e sentindo-se enganado. O indivíduo constata ainda que se tornou uma espécie de armadura, um escudo contra possíveis relacionamentos interpessoais, afastando a si mesmo de tais envolvimentos. As linhas seguintes evidenciam sua luta para com sentimentos conflitantes. "Uma instância de brandura e a dúvida se concretiza/Com relutância em agrura, absorvida é a ojeriza/A ter uma emissão de prantos ressentidos". Uma pequena brecha para gestos afetuosos traz rapidamente a incerteza se aquilo é de fato sincero. E, mesmo com resistência por parte do indivíduo, o desamor, a antipatia acaba por tomá-lo. Esses sentimentos ainda evocam consigo mágoas e amarguras. A sua ânsia em poder estar com alguém é demasiada, mas, ele conclui que isto não passa de meros devaneios. "Ansiando lacrimar aos braços d'alguém/Porém há-me apenas sonhos, e nada além". As linhas seguintes começam expressando uma certa serenidade, "O êxtase lamentoso tem seu fim, e um invariável ciclo se fecha/Descansos breves movem-me à margem da paz", onde ele sente que tudo o que o corroía se esvaiu - toda as aflições, finalmente, se encerraram, deixando-o aliviado. No entanto, em seguida ele se questiona "Uma reles ilusão - que direito teria eu de sorrir a outrem?" e conclui "Abro a janela; hei de guardar energia para estar exausto". Sua solidão brada que ele não pode ter o privilégio da presença de outro alguém. E, ele avisa a si mesmo que é melhor guardar alguma energia para enfrentar a exaustão que é certa de se somar, outra e outra vez. A estrofe posterior pinta a imagem climática onde a neve preenche seu quarto, simbolizando a inércia que se assenta ao seu redor, e mesmo um novo dia já é consumido pelo panorama sem cores e ausente de vivacidade. "Coberto agora, exerço a fraqueza definidora das contradições/Cerco-me de idealização, paradoxos e culpa", aquilo que parecia ter sido digerido, ou mesmo aceito forçadamente, anteriormente retorna e desloca consigo a culpa. Ele torna a repensar na companhia de outrem, alimentando qualidades sobre este ente - até então apenas criado em sua mente. "Choro mansamente ao impossível, simulo a posse do afeto", a esta altura, suas lágrimas tendem a ser mais serenas e preenchidas com a imagem de alguém a emitir afeto e ternura. Ele se agarra a esta imagem como pode. No entanto, o verso seguinte e derradeiro torna a trazer uma tristeza ante a conclusão de que, para além do campo imaginativo, essa pessoa nunca será real. Ele poderá se sentir correspondido em afetos apenas em sua morte, pela própria morte, já que em seu âmago ele almeja-a, assim como ela o receberá sem questionamentos ou rejeição. "E no último adormecer, sei que sorrirei à mutualidade de tal emoção.", também pode ser interpretado que somente após a sua morte afetos serão emanados por uma outra pessoa, devido ao luto, a perda do indivíduo. Em vida ele não pode receber um mínimo deste afeto que, provavelmente, poderá ser gerado por alguém após o seu falecimento. No geral, Idealiza​ç​ã​o comunica a ausência de reciprocidade que ocorre, num nível integral, na sociedade. O distanciamento que permeia entre os indivíduos gera emoções penosas levando um indivíduo à clausura de si mesmo. Com mais ninguém além de sua própria companhia, ele passa a nutrir um ente em sua imaginação com qualidades que beiram a perfeição. Esta pessoa idealizada, talvez, possa transmitir aquilo que ele anseia tanto por receber: afeto. Na teoria psicanalítica, idealização é tida como uma espécie de mecanismo de defesa em que o indivíduo atribui qualidades perfeitas, ou quase perfeitas, a outra pessoa ou outras pessoas. Este mecanismo é uma forma de evitar a ansiedade ou os sentimentos negativos como rejeição, desprezo e amargura.



domingo, 23 de julho de 2023

Autópsia Lírica

 


Devido a inúmeros motivos, as postagens do blog não têm uma frequência padronizada. Assim, decidi trazer nesta única publicação várias análises de letras de algumas bandas da cena, ao invés de uma postagem com uma única análise. Aqui são breves autópsias líricas, trazendo à tona as mensagens expressadas na parte lírica da música. Selecionei 2 músicas de cada banda.


Morgondagen é uma canção da banda sueca Apati.  A faixa está presente no álbum Morgondagen Inställd I Brist På Intresse. É uma música sombria que explora o vazio e o desespero que podem surgir ao se sentir preso em uma vida vazia e sem esperança. A letra retrata uma pessoa que está lutando contra a depressão e uma sensação de desesperança em relação ao futuro. O indivíduo acorda sentindo como se seu despertador fosse uma facada em sua cabeça e passa a manhã fantasiando sobre um futuro muito distante de sua realidade atual. O uso do álcool como mecanismo de enfrentamento é destaque na letra, com o indivíduo bebendo várias cervejas apenas para voltar a dormir. Ele basicamente desiste de seu futuro, alegando que seu amanhã foi cancelado por falta de interesse. A ideia de isolamento também é explorada, com o indivíduo tirando uma 'licença médica' para o resto da vida, destacando seu completo afastamento da interação humana. O trecho no meio da música é de um filme sueco chamado "Om jag vänder mig om" de 2003, e ele enfatiza como, infelizmente, mesmo os profissionais da saúde mental podem negligenciar seus pacientes. A mensagem é repleta de revolta, afinal, a pessoa vive um inferno mental e todos a sua volta parecem simplesmente ignorar, usar de indiferença para com sua dor. "Não há um bastardo que possa nos curar! Aqui estão pessoas que se sentem como eu, uma merda. Uma merda a cada maldito minuto! Você não vê que toda a minha vida é uma catástrofe? Você não percebeu isso quando eu sentei aqui e conversei com você?" Outro trecho é encontrado no final da música, este sendo de um filme chamado "Palindromes" de 2004. A fala do personagem expressa sua descrença nas mudanças, principalmente em relação às pessoas, sugerindo que as pessoas nunca mudam de verdade e que os mesmos padrões e lutas continuarão ao longo da vida de cada indivíduo. A música em geral é uma exploração sombria, mas realista, dos sentimentos de desespero e falta de propósito que podem surgir na vida. A letra de Morgondagen é um aviso poderoso sobre os perigos de se deixar consumir pelo desespero e isolamento.

Lämna mig ifred é uma canção da banda sueca Apati, lançada como 3ª faixa do álbum Morgondagen Inställd I Brist På Intresse. A letra transmite um profundo sentimento de desespero e distanciamento. Fala sobre a falta de interesse do indivíduo em encontrar felicidade ou realização na vida. As falas iniciais transmitem uma sensação de desesperança e resignação, pois ele parece ter desistido totalmente da busca pela felicidade, aceitando sua desgraça. O trecho "Eu quero pegar o motorhome de alguém/ Desaparecer por uma estrada de cascalho empoeirada" pode ser interpretado como um desejo de escapar do mundo e se isolar. A linha "...com uma cerveja gelada na mão/Em direção à terra de ninguém sob um céu azul" sugere que o indivíduo está buscando consolo no álcool e está disposto a ignorar as consequências de suas ações. Esse trecho menciona "Ingenmansland", que significa "terra de ninguém" em sueco. Isso pode ser interpretado como uma metáfora do estado emocional e mental do indivíduo, pois ele se sente desconectado e separado do mundo ao seu redor. Ele também fala sobre parar em cidades pequenas, comer comida gordurosa e seguir para o próximo lugar. Isso expressa o desejo de distração temporária, sem nenhum propósito ou direção real. No geral, a canção Lämna mig ifred é um reflexo dos sentimentos de isolamento, desesperança e distanciamento do indivíduo para com o mundo ao seu redor. A letra sugere um desejo de se isolar a todo custo, buscando assim uma pausa temporária da dor emocional.

Alltid - Aldrig é uma canção da banda sueca Lifelover, lançada no álbum Konkurs. A letra aborda temas de dualidade, turbulência emocional e uma busca por escapar do peso da vida. Fala sobre um estado de espírito conflituoso e abalado, onde a alegria e o desespero se misturam como água com o suco mais doce. A imagem de um estrangulamento que a vida dá na garganta do indivíduo sugere uma sensação de sufocamento ou de estar preso. No entanto, há um momento de pausa quando o aperto é momentaneamente enfraquecido, permitindo que o indivíduo finalmente respire. Isso traz uma rara sensação de felicidade, embora também seja acompanhada por uma sensação de peso e alívio. As linhas seguintes descrevem um estado de euforia que parece simultaneamente elevar e dilacerar o indivíduo. Expressa o desejo de fugir para um lugar onde tanto a luz quanto as sombras convivem e onde a dança da vida o conduz para a morte. Esta imagem sugere um desejo de encontrar consolo na justaposição de diferentes emoções e experiências. O convite para dançar e cantar junto, repetida várias vezes no coro, significa um desejo de conexão e experiências compartilhadas. O desejo de brincar e rir juntos nas clareiras representa uma fuga temporária dos fardos da existência. Há um desejo de existir em um momento sem propósito ou significado, onde a ausência de tudo se torna tudo. A frase "Alltid, aldrig" (sempre, nunca) serve como uma poderosa conclusão para a música. Mostra a natureza paradoxal da vida, onde tudo e nada coexistem. Sugere o ciclo perpétuo de emoções e experiências - momentos de felicidade e alívio são contrastados com momentos de desespero e sufocamento. A música como um todo apresenta uma exploração complexa das emoções humanas e a constante oscilação entre estados mentais conflitantes, enfatizando a intrincada natureza da existência.

Cancertid é uma canção da banda sueca Lifelover, lançada em seu 3º álbum Konkurs. A música explora temas de quietude, despertar, traição e reflexão. Inicia-se com o indivíduo acordando lentamente de um sono químico, possivelmente referindo-se a um estado de espírito alterado por drogas ou depressão. A menção de "novas traições" sugere que o indivíduo passou por repetidos ciclos de decepção e desapontamento. A música mergulha na tentativa de o indivíduo refletir sobre as horas perdidas, implicando um sentimento de arrependimento e questionando o propósito desses momentos. Também transmite uma sensação de vazio e falta de sentido na existência do indivíduo. Ele se questiona se a realidade existe no mundo externo ou apenas dentro de sua própria mente violada, insinuando uma luta com a percepção distorcida e uma turbulência interna. As linhas finais, "Sigo minha dança no reino da névoa - onde nada mais tem significado", retrata o desejo de escapar das restrições da realidade e abraçar um reino onde o significado convencional deixa de existir. Essa imagem sugere um anseio por uma realidade alternativa ou um refúgio dos fardos da vida. No geral, Cancertid explora temas de desilusão, introspecção e um desejo de fuga, oferecendo uma perspectiva sobre as lutas emocionais do indivíduo e a busca por significado em um mundo aparentemente indiferente.

In My Last Mourning... é uma canção da banda brasileira Thy Light. A música explora temas sombrios e introspectivos de depressão, autoaversão e pensamentos suicidas. As linhas iniciais sugerem uma sensação de desesperança e desespero, enquanto o indivíduo lamenta a passagem do tempo e a dor constante que sente todos os dias em um mundo consumido pela escuridão. A frase "Pelas minhas narinas corre o cheiro da minha própria morte impressa no céu cinza de domingo" descreve um sentimento de morte iminente, uma sensação de que a morte está sempre à espreita. Isso pode representar a luta do indivíduo com pensamentos e tendências autodestrutivas, ou talvez a consciência de sua própria mortalidade. A linha "Eu me mato, tiro minha vida..." é uma afirmação ousada e chocante que confirma o tema da ideação suicida presente ao longo da música. Parece sugerir que o indivíduo está pensando em tirar a própria vida como forma de escapar da dor que sente todos os dias. Ao final, "Em meu último luto, percebo, sempre fui o nada que temia me tornar..." fornece um vislumbre de percepção da psique do indivíduo. Isso sugere que ele pode se sentir inadequado ou inútil e tem um medo profundo de se tornar nada. Essa percepção pode ser o que o leva a pensar no suicídio como uma forma de escapar desses sentimentos. No geral, In My Last Mourning... é um retrato sombrio e assustador de alguém lutando contra a depressão e pensamentos suicidas. A música oferece um vislumbre da mente de alguém consumido pela escuridão e pelo desespero e serve como um lembrete da importância da saúde mental e da busca de ajuda quando necessário, visto que, segundo o próprio compositor da música, ela (bem como todas as faixas da DEMO) expressam a dor de um amigo que, de fato, culminou com o suicídio. Assim, essa música nada mais é do que um retrato autêntico de alguém que não pôde mais suportar o fardo da dor.

A Crawling Worm In A World Of Lies é uma canção da banda brasileira Thy Light, foi lançada como 3ª faixa na DEMO Suici.De.Pression. Ela retrata uma sensação de desespero e desilusão diante de um mundo enganoso. O indivíduo se encontra desolado e refletindo sobre sua jornada, percebendo que seus esforços foram inúteis e o deixaram se sentindo derrotado. As linhas de abertura, "Desolado, eu só assisto a trilha em que andei para chegar aqui", mostra um sentimento de vazio e distanciamento. Sugere que o indivíduo está observando suas ações e experiências passadas, mas com um sentimento de distanciamento e indiferença, enfatizando sua desilusão. A frase "Tudo em vão, nenhuma recompensa para me fazer levantar a cabeça" reflete a decepção do indivíduo com a falta de realização ou reconhecimento por seus esforços. Ele dedicou tempo e energia significativa, mas não há resultado tangível ou sensação de realização. Essa falta de recompensa leva a uma postura figurativa de olhar para baixo, pois o indivíduo se sente decepcionado e derrotado. A frase, "Amarga foi minha derrota, vejo o céu coberto com a fumaça cinza que meus olhos nunca conseguiram suportar", reflete a percepção do indivíduo sobre seu fracasso. A "fumaça cinza" simboliza uma atmosfera opressiva e sufocante, provavelmente representando as mentiras e enganos que o cerca. Essa imagem enfatiza ainda mais o sentimento de desesperança e a natureza avassaladora e penetrante das falsidades que encontra no mundo. A linha final, "Na realidade decadente... sou apenas um verme rastejante em um mundo de mentiras", expressa o significado geral da música. Significa a profunda percepção do indivíduo de que ele é insignificante e impotente em um mundo dominado pela falsidade. A metáfora de ser um "verme rastejante" implica uma sensação de vulnerabilidade, impotência e insignificância em comparação com as mentiras e decepções que assolam sua existência. No geral, A Crawling Worm In A World Of Lies retrata um sentimento de desilusão, desespero e insignificância diante de um mundo enganoso e opressivo. A letra captura a frustração e o desespero experimentados quando se percebe a extensão das falsidades que nos cercam e a dificuldade de encontrar autenticidade em tal sociedade.

Her Ghost Haunts These Walls é uma canção da banda francesa Nocturnal Depression. A música explora temas de perda, tristeza e saudade de um ente querido que faleceu. A letra retrata um sentimento de aceitação e desejo de se reunir com o ente que partiu. Os versos iniciais, "Minhas mãos estão acariciando as pedra/Sua frieza perfura minha pele e rasteja até meu coração", sugerem um sentimento de conexão e consolo ao tocar objetos associados a pessoa falecida. A atmosfera melancólica é enfatizada com a menção à obscuridade e a mistura de preto e cinza, significando um estado de tristeza e desolação. A letra descreve ainda a dor avassaladora do indivíduo e o profundo impacto de sua perda. "Tudo lá está cheio de tristeza/Tudo lá está chorando". Esta linha destaca a natureza penetrante da tristeza e a incapacidade de escapar do luto. O refrão revela a saudade do indivíduo e o desejo de estar com a pessoa amada. "Pego suas mãos, sigo você para um lugar melhor" e "Pego suas mãos, deixe-me ficar ao seu lado" transmitem o desejo de reencontro e a esperança de uma vida após a morte pacífica. Esse anseio é ainda mais enfatizado pela repetição dessas linhas. À medida que a música avança, a sensação de desespero se intensifica. As imagens de ruínas e sofrimento refletem os restos despedaçados da vida do indivíduo sem a pessoa querida. Os flashes que ferem a mente e a incapacidade de esquecer reafirmam o impacto duradouro dessa ausência. Os versos climáticos pintam uma atmosfera de escuridão e isolamento, com chuva caindo e o mundo escurecendo. Apesar disso, a presença da alma que partiu ainda é sentida. "Sinto sua presença, seus braços em volta de mim, sua cabeça nas minhas costas" indica uma conexão espiritual e a sensação do abraço da pessoa amada. A música termina com a frase comovente: "Eu me matei para me juntar a você". Esta linha expressa as profundezas extremas da dor e o desejo de se reunir até o ponto de sacrificar a própria vida. No geral, Her Ghost Haunts These Walls retrata a jornada emocional de alguém lutando com a perda de um ente querido e seu desejo de consolo e reunião na vida após a morte, mesmo que seja tirando a própria vida, tamanha a dor da perda que não pôde ser digerida de modo algum.

Nevica é uma canção da banda francesa Nocturnal Depression, foi lançada como 6ª faixa do álbum Reflections Of A Sad Soul. A música explora temas de dor, tristeza e decadência emocional. A letra retrata uma paisagem escura e desolada onde o indivíduo encontra consolo no abraço do inverno e sua nevasca. As linhas iniciais dão o tom sombrio, com a noite caindo e gritos de desespero ecoando em um mundo feito de pedra. Isso expressa o mundo indiferente às dores e aflições das pessoas. A música também investiga o passado e o futuro do indivíduo, cheio de visões sombrias e uma sensação de destruição iminente. O peso das palavras de alguém o feriu profundamente, metaforicamente perfurando sua pele como uma lâmina. A frase "As pedras rasgaram minhas mãos" sugere que as cicatrizes do sofrimento passado foram reabertas, fazendo-as sangrar novamente. O desespero e a dor se manifestam como lágrimas e choro, simbolizando a angústia emocional que a indivíduo vivencia. A memória de uma pessoa específica o persegue, testemunhando seu declínio. A chegada do inverno serve como metáfora para o desejo do indivíduo de que seu corpo físico seja coberto e escondido. Ele anseia pela pureza da neve para esconder a feiura que reside dentro de si. O corpo do indivíduo é descrito como repulsivo, prendendo uma alma sombria e emanando energias negativas. A ausência de emoções e arrependimentos destaca seu distanciamento do mundo e uma vontade de enterrar tudo relacionado à pessoa que causou sua dor. Os ventos frios simbolizam a partida iminente de sua alma de seu estado atual de existência. O refrão "Nevica" (está nevando) serve tanto como um chamado para abraçar o frio quanto como uma metáfora para o tormento interior do indivíduo. Ele se vê como um reflexo amaldiçoado, triste e monstruoso no espelho - uma manifestação da dor que inflige a si mesmo. Em última análise, ele se vê como uma presença fantasmagórica, escondida em um lugar esquecido. Ele existe como um pensamento espectral que guia os outros para a destruição. As linhas finais expressam a proibição da alegria e o surgimento de uma nova era impregnada de negatividade. No geral, Nevica explora temas de sofrimento emocional, isolamento e desejo de fuga. A música transmite uma sensação de profunda turbulência interior e o profundo impacto que traumas do passado e relacionamentos tóxicos podem ter na psique de um indivíduo.

Screaming at Forgotten Fears é uma canção da banda estadunidense Xasthur. Essa música mostra uma imagem vívida de uma pessoa lidando com medos e ansiedades profundamente arraigados que ela tentou esquecer ou afastar. O indivíduo está tentando explorar um "código perdido de autoconhecimento" para tentar lidar com os medos que enfrenta, embora possa até estar usando métodos destrutivos para tentar se livrar desses medos. O veneno escondido atrás de sua máscara simboliza a escuridão que ele está tentando esconder. Ele admite que seus medos estão "servindo-se nas asas da aflição da dor". Ao permitir-se enfrentar os medos que tenta esquecer, o indivíduo sugere que será a sua própria alma que acabará por assumir a culpa pela destruição causada pelas suas lutas. O seu eu destruirá os seus próprios medos, mas, obviamente, destruirá o indivíduo junto. Não há como esquecer coisa alguma, mas, o tempo pode amenizar certas lembranças aterrorizantes. Assim, o indivíduo sentiu-se menos amedrontado por um tempo, até que sua mente o lançou no poço de seus mais terríveis medos. Ele tenta encontrar modos de enfrenta-los, visto que, nesse ponto, já não se pode mais ocultá-los. Porém, nenhuma forma é eficiente, e, por fim, ele recorre a um meio de se alimentar dos próprios medos. Sem sucesso algum, acaba apenas por ser atormentado pelos medos, elevando a ansiedade ao extremo. Xasthur sempre abordou em suas canções o terror, pavor, a consciência de si e o confronto do indivíduo consigo mesmo. No geral, Screaming at Forgotten Fears traz à tona a aterrorizante imagem de que tentar reprimir os seus medos só os eleva cada vez mais, chegando a proporções onde nada mais pode pausá-los, mesmo que por um momento.

Dreams Blacker Than Death é uma canção da banda estadunidense Xasthur, lançada como 3ª faixa no álbum To Violate The Oblivious. A música investiga temas de escuridão, transformação e o fascínio de uma realidade alternativa. A letra pinta um quadro assombroso e mórbido, enfatizando a essência da banda. As linhas de abertura, "Em transe profundo pela lua/Transformação para devorar os vivos", sugere uma sensação de ser atraído para um estado de espírito hipnotizante. Isso pode ser interpretado como uma representação metafórica do indivíduo sendo consumido por seus próprios demônios internos ou explorando as profundezas de seus desejos sombrios. A lua muitas vezes simboliza o mistério e a mente inconsciente, sugerindo uma jornada aos reinos sombrios da psique. A frase "Além dos sonhos mais negros que a morte" pode ser vista como uma afirmação poderosa que abrange a profundidade da tristeza e do desespero. Ao se referir aos sonhos como sendo ainda mais sombrios que a morte, a música sugere que o mundo dos sonhos pode se tornar um refúgio e até uma alternativa preferível à dura realidade da vida. Isso pode refletir um desejo de escapar da dor e do sofrimento experimentados na existência cotidiana. A repetição do verso "Viver por... E morrer por..." transmite um profundo sentimento de devoção e dedicação. Sugere uma vontade de se comprometer com algo além do reino comum da existência, mesmo que seja atormentador. Isso pode implicar um fascínio pelos aspectos mais sombrios da existência ou um desejo de transcender as limitações do mundano. A linha final, "Aeons do purgatório", sugere um estado perpétuo de sofrimento e angústia sofrido pelo indivíduo. Isso sugere que ele está preso em um ciclo eterno de tormento, incapaz de encontrar paz ou descanso. Isso pode refletir uma angústia existencial mais profunda e a sensação de estar preso em uma aflição sem fim. No geral, Dreams Blacker Than Death mergulha nas profundezas da escuridão, explorando temas de transformação, escapismo e turbulência emocional. Ela captura a essência emotiva e crua da música de Xasthur, oferecendo um vislumbre do mundo complexo e inquietante da psique humana.


Em breve mais interpretações de outras músicas e bandas.


sábado, 27 de maio de 2023

Entrevista com Neural Oestridae


Helder Ribeiro - pseudônimo de Natterskrek - é um dos grandes talentos da cena nacional. Além de músico e ilustrador, ele também é tatuador, ou seja, a arte faz parte de seu ser. Inclusive, ele é o artista por detrás das artes da série de compilações 'Depressivos Hinos Suicidas', idealizada e promovida por esta e outras páginas coirmãs. Mais uma vez, tivemos o prazer ter entrevista-lo, e aqui trazemos esse bate-papo com a pessoa responsável pelas bandas Neural Oestridae e Aufruhr.


As influências na arte são inevitáveis, são os artistas que apreciamos que nos geram uma faísca para que façamos nossa própria arte. Quais são suas influências, não apenas musicais, mas em outras formas de arte, como cinema, literatura e pintura?

Helder: Musicalmente, as minhas inspirações para o Neural Oestridae, vem das bandas pioneiras do gênero DSBM, tais como Abyssic Hate, Wigrid, Nocturnal Depression. Também aprecio muito as bandas mais novas Psychonaut 4, etc. Na parte da literatura posso dizer que em minha adolescência eu sempre tinha um livro do Álvares De Azevedo, Edgar Allan Poe, Lord Byron (literatura gótica) e Nietchze. Pintura e Arte, Gustave Doré e Zdzislaw Beksinski são os que me vem à memória. No cinema não tenho muita ligação.

A música é, indiscutivelmente, uma forma de terapia, talvez no Depressive Black Metal esse peso seja ainda maior, visto que ajuda e muito a se expressar, falar de situações, pensamentos e emoções das mais sombrias. Você ainda soma a arte de desenhar, que acredito ser uma forma de terapia também. Como surgiram essas duas paixões em sua vida?

Helder: Desde muito cedo, na minha infância eu já gostava de desenhar, e também sempre gostei de música. Com o tempo minha personalidade foi se formando e eu fui adicionando mais a arte em minha vida. Assim como você mencionou, isso se tornou minha forma de terapia e expressão.

Os Transtornos Mentais, a saúde mental em geral, tem tido mais visibilidade hoje em dia, isso devido aos altos índices de suicídios no mundo todo. Falar disso através da arte é um conforto para muitas pessoas, tanto para quem se expressa, quanto para aqueles que escutam. Você sente que ainda há muita ignorância por parte da sociedade, em compreender essas questões? E, em particular, você já sofreu alguma repreensão por expressar esses temas em sua música?

Helder: Sinto que pouco a pouco as pessoas têm se conscientizado sobre esse assunto. Mas quando se trata do gênero DSBM, creio que seja muito difícil para alguém mais leigo compreender. Já fui repreendido sim no passado, mas era uma época em que eu não sabia me posicionar, por ser imaturo. Hoje eu realmente não me importo com a opinião alheia.

E fazer arte na pele - que particularmente eu acho algo fabuloso -, quando surgiu seu interesse?

Helder: Sempre tive interesse no que pra mim fosse "subversivo" e a tatuagem até então era. Hoje é algo mais comum, mas não perde essa essência. Acho que sempre gostei do fato de que uma pessoa poder se "customizar" e criar sua identidade, mesmo que através da própria aparência, diferenciando se dos outros.

Nosso país tem uma extensão incrível, com um povo diversificado e uma rica cultura. Você acompanha as regionalidades, seja música, dança, teatro, culinária e literatura de seu estado/região? Se sim, o que poderia nos indicar do seu estado?

Helder: Confesso que pouca das coisas que conheço sobre o nosso país, e cada região, é justamente as bandas de metal extremo, sou bastante relapso a parte cultural, mas isso por pura falta de atenção.

Voltando à música. É comum que muitos músicos tenham um ponto de partida para começar a fazer música autoral, deixando de interpretar e tocar covers de artistas que apreciam. O seu lado compositor surgiu de forma solitária, ou você já tocou (ou ainda toca) em bandas onde as músicas autorais são o foco?

Helder: Tudo surge de forma muito natural, meu processo de composição para o Neural Oestridae eu posso dizer que é uma das coisas mais sinceras que eu posso fazer. Tudo vem de um sentimento ou situação que estou passando. Gosto de ouvir covers ou versões, mas não me interesso muito em fazer.

Ainda sobre a parte da composição. Quando você compõe uma música, ela surge parte já definida ou você vai trabalhando, desenvolvendo pouco a pouco, até chegar ao resultado que você pretendia alcançar?

Helder: Soa até estranho, mas muitas vezes estou escrevendo justamente esses sentimentos, sem um título definido, sem uma melodia. Depois penso na parte musical como um todo. O começo dela acaba definindo o resto e tudo flui muito rápido.

Na cena do DSBM há muitas pessoas começando a fazer música, a expressar suas mais dolorosas emoções, ainda de forma bastante amadora. Você tem alguma dica, alguma mensagem, para deixar a essas pessoas?

Helder: Quando se trata de se expressar com sinceridade, eu acho que simplesmente você deve fazer! Se você pretende divulgar, divulgue! A arte não busca perfeição, pois nossos sentimentos também são confusos, e cada um tem uma interpretação única de cada coisa.

Fazer música, arte em geral, não é algo fácil, principalmente em nosso país, onde poucas pessoas dão o devido valor, ou ao menos procuram apreciar. Nessa cena isso é algo mais seleto, devido às próprias temáticas abordadas nas canções. Como é sua interação com os fãs de DSBM, e mesmo com outras bandas e músicos da cena?

Helder: Não sei se por cantar em inglês, ou algo assim, tive bastante feedback positivo com pessoas de fora do país. Infelizmente minha música não teve tanto alcance, pois hoje vivemos na era dos likes e redes social, o algoritmo jamais aceitará nossa arte tão destrutiva e realista no aspecto negativo da depressão. Eu não almejo nada além de me expressar. Mas quero sim que minha música tenha alcance para os apreciadores, pois é como uma troca de energia. Tenho pouca interação com músicos da cena, mas acompanho o trabalho de muitos da cena nacional que tem se tornado uma das melhores.

Recentemente uma nova faixa da Neural Oestridae foi lançada. O que você pode nos falar sobre ela e sobre os planos futuros para seus projetos?

Helder: Sim! E tem mais vindo por aí. Eu pretendo gravar um full-album, e nele quero adicionar 3 músicas da minha demo "Tired ofAll" regravadas com uma qualidade melhor, pois essa demo realmente foi gravada de forma bem precária.

Considerações finais.

Helder: Obrigado por essa entrevista, e obrigado por apoiar tanto essa cena. O trabalho que vocês têm feito é exatamente o que a cena precisava aqui no país. Através dessa página pude conhecer muitas das bandas de DSBM brasileiras e divulgar minha arte!


Você pode encontrar todos os lançamentos de Neural Oestridae e Aufruhr, bem como as artes, ilustrações e trabalhos com tatuagens em Bandcamp, Facebook, Instagram, YouTube, Aufruhr (instagram)Abyssart (ilustrações), Helder (tatuador).