domingo, 19 de julho de 2020

Depressive Rock/Narcotic Metal




O Depressive Suicidal Black Metal começou a ganhar adeptos na década de 2000. Bandas como Manes, Malvery, Shining, Bethlehem, AbyssicHate, Strid, Xasthur, Sterbend e Silencer saiam da década de 90 e entravam na de 2000 com muitas características em seus lançamentos que vieram a se tornar essencial dentro desta vertente do Black Metal. Mas foi em 2005 que muitas bandas se iniciavam já usando o termo Depressive Suicidal Black Metal, abreviado como DSBM, em suas músicas. Foi um ano bastante fértil e, a partir daí, em várias regiões do planeta as bandas começaram a surgir, cada qual com suas próprias sonoridades. Algumas sob influência do Black Metal mais cru, raw: como as americanas I'm In A Coffin e Happy Days, a sueca Hypothermia, a canadense Sombres Forêts, a alemã Total Negation, a dinamarquesa Make Change...Kill Yourself, a italiana Forgotten Tomb e as francesas Mourning Dawn e Nocturnal Depression; outras mesclando sons ambientes, teclados, guitarras etéreas: como a japonesa Kanashimi, as australianas Woods of Desolation e Austere, a tcheca Trist e a brasileira Thy Light; outras, ainda, começavam a misturar gêneros musicais e geravam sons peculiares, e a precursora desta mistura foi a banda sueca Lifelover.
Surgida em 2005, na cidade de Estocolmo, Suécia, da união de Jonas Bergqvist (B) e Kim Carlsson, amigos de longa data, a banda trazia uma sonoridade diferente do que se encontrava dentro da vertente mais depressiva do metal negro até então. Segundo ambos, eles estavam, simplesmente, se autodestruindo dentro do quarto, bebendo cerveja, num dia qualquer e, de repente, pegaram uma guitarra cada um e começaram a tocar. Até então nunca tinham feito isso juntos, e começaram a tocar sem pensar no que tocar, apenas deixaram os acordes irem saindo, espontaneamente. Jonas ligou o gravador e a partir disso surgiu uma demo com duas longas faixas ambientes, apenas com guitarras soando de forma etérea. Aqui surge a primeira ironia, algo que a banda passaria a usar constantemente. Essa demo foi chamada de 'PROMO', mas ela nunca foi um material promocional realmente. Foi mais uma espécie de vazão para as emoções que os amigos deixaram fluir. Embora não tenha nenhuma relação com o som que viriam a criar e se tornar uma marca registrada da Lifelover, essa demo foi essencial para surgir a banda. Em 2006 foi lançado Pulver, o álbum de estréia e que foi algo diferente do que o público estava acostumado a escutar, quando se falava em DSBM. Mas ele passou a ser bem aceito, justamente, pela dualidade que a banda trouxe e a marcou. Músicas mais agitadas, até mesmo dançantes, mas com letras extremamente mórbidas, melancólicas, abordando a morte, a depressão, a ansiedade, a monotonia e apatia urbana e o suicídio. As músicas também são carregadas de sarcasmo e ironia, e a faixa que abre o álbum é o exemplo perfeito disso. Com uma sonoridade que pode fazer qualquer ouvinte querer balançar o corpo, quando se presta atenção ao conteúdo da letra, as coisas podem chocar e fazer o ouvinte pensar a respeito da mensagem. Nackskott conta uma história bastante abstrata de alienação e repugnância com as normas reinantes da sociedade moderna e que, por consequência, sopra pessoas inocentes para a sua desgraça. Fala sobre abuso infantil e perda da inocência de uma criança que, no futuro, se perde em si mesma e vive uma vidinha medíocre onde há apenas dor, tristeza e desesperança. A música termina com o sample de uma canção infantil tradicional sueca (essa é outra característica que se tornou presente em muitas músicas da banda, o uso de sample, geralmente de programas infantis onde há canções suecas alegres). A 2º faixa, M/S Salmonella, também tem uma sonoridade mais agitada, mas, quando se atenta para o conteúdo da letra as coisas se tornam mais sérias. Ela fala sobre um indivíduo que foi para longe de tudo e todos que conhecia e, em outra cidade, ele está prestes a dar fim em sua vida. Ele se autodestrói de todas as formas possíveis. Ingere álcool em excesso, come comidas gordurosas, malcozidas, se automutila. Ele não se importa com mais nada. No dia seguinte, acorda com os sintomas de uma terrível ressaca e intoxicação alimentar (Salmonella), mas esses sintomas apenas se somam aos sintomas de sua mente adoecida, e de seu corpo fragilizado, que ele já carregava há anos. Seu corpo já era tido como uma podridão, então, nada muda tanto assim para ele. Ouve-se o sample com barulhos que vêm de uma televisão, representam a rotina do mundo, pessoas em algum tipo de manifestação, mas isso não gera nada no indivíduo, ele não se importa com mais nada, nem sobre si, nem sobre o que ocorre ao seu redor. Ele, apenas, vai dar um fim em si mesmo. De forma irônica (ou não) ele manda um cartão postal, escrito apenas “adeus”, a uma pessoa, talvez, para a pessoa que ele queira avisar sobre sua morte e era a única que se preocupava com ele em vida, ou, talvez, ele esteja mandando de forma irônica para alguém que cooperou para ele se sentir uma merda durante sua vida toda e ele gostaria que essa pessoa soubesse que, finalmente, ele havia finalizado com sua vida.
A banda, apesar de levar o rótulo de Black Metal, caminhava por diversas sonoridades mesclando também com o Post Punk, o Dark Ambient, o Doom Metal e o Gothic Rock. Kim e B diziam que não se importavam com rótulos, pois eles faziam música, apenas isso, mas brincavam se autorotulando sarcasticamente como "Narcotic Metal". Pois além das músicas abordarem a miséria cotidiana, a loucura, o auto-ódio, a automutilação, o amor paradoxal, a alienação, a vida urbana, também abordavam overdoses com drogas lícitas e ilícitas. O "Depressive Rock" vem dos gêneros que a banda mesclou ao seu som como o Post Punk, cuja B era muito fã. Sua banda favorita, Joy Division, foi de grande influência para ele unir elementos na Lifelover. Essa dualidade de músicas dançantes com letras melancólicas veio, justamente, de Ian Curtis, na década de 80.
Lifelover (Amante da Vida) foi escolhido como nome da banda de forma irônica. Jonas contou que tinha um vizinho muito chato e que sempre ficava o chamando de "amante da vida" de forma pejorativa. Aqui para nós brasileiros seria algo como "mundano", quando alguém diz que fulano é adepto de coisas que fogem do que é "bom", do que é "certo" e tal. Algo que pessoas religiosas normalmente dizem para quem não se adeque ao que elas julgam como certo. Jonas era um jovem com cabelos compridos, gostava de usar roupas pretas, curtia rock e metal, então, o vizinho alienado via aquilo como algo "mundano", e o chamava de amante da vida. Esse termo se encaixou na banda pois Jonas acreditava que as pessoas viriam a fazer o mesmo com a banda, tentariam encaixa-la dentro disso ou daquilo. Dizendo que era metal, ou que ela não era, que o som era isso ou aquilo. Também, se encaixava porque as letras iam em oposição à sonoridade mais contagiante. Essa dosagem, de certo modo, gerava um "amor pela vida".
Muitas bandas seguiram bebendo dessa fonte da Lifelover, e a maioria dessas bandas se encontra na Suécia. O país em si tem algo que proporciona essa propulsão. Claro, em qualquer lugar do planeta há jovens ou adultos sentindo-se tomados pela apatia, melancolia e sendo esmagados pelo concreto frio que os cercam. E, por isso, qualquer pessoa do mundo que se sinta assim acaba se identificando com as músicas dessas bandas. Mas, essa pequena cena sueca de Depressive Rock/Narcotic Metal se deve pela questão cultural, climática e de como os jovens se sentem em relação à invisibilidade social que existe por lá. Vou voltar à década de 80 para falar melhor sobre isso.
O termo Música Industrial se refere ao movimento musical que surgiu após o crescimento das cidades devido às indústrias. Obviamente que desde a Revolução Industrial esse crescimento se fez constante, mas, foi no final da década de 70 e início da de 80 se tornou ainda mais forte devido a questão tecnológica também. E, com isso, a música, como a arte num todo, começou a inovar, criar novos sons. A música para essa nova geração foi chamada de Industrial. O Rock Industrial se tornou um gênero caracterizado pela mistura com específicos subgêneros do rock. Um grande representante tem sido o Pós-punk, que surgiu na Inglaterra após o auge do Punk Rock em 1977, mantendo as raízes do movimento punk, porém, de modo mais introspectivo, poético, minimalista e experimental. A rebeldia e revolta do Punk deu lugar à insatisfação interna. Ian Curtis do Joy Division expressou isso muito bem em suas letras. A revolta com o mundo, característica do Punk, se tornou a revolta interna, o auto-ódio, a exaustão pela existência, a dor de viver, através do Pós-punk. O Pós-punk também foi a base do que veio a ser chamado de Rock Alternativo na década seguinte. Ele ampliou a estética sonora do Punk Rock para um estilo mais triste, minimalista e mais livre, explorando uma originalidade sonora, incorporando riffs graves de baixo, guitarras com sonoridades mais simples e sem muitas variações, uso de sintetizadores e levadas de baterias repetitivas. A melancolia urbana passou a fazer parte das bandas desse gênero. E é aqui que chegamos ao Lifelover. Como citado antes, Jonas curtia bastante Pós-punk e Darkwave e isso o influenciou sobre a sonoridade de sua banda, ele ainda uniu a música ambiente e o próprio Black Metal, resultando em um tipo singular e original de som.
O porquê da Suécia ser um berço para bandas de Depressive Rock/Narcotic Metal? Pois bem, envolve vários fatores para isso. Como eu disse antes, com o avanço da era industrial, as pessoas passaram a se concentrar mais nas zonas urbanas, abandonado as rurais. Isso resultou em mais construções de casas, condomínios, edifícios. O concreto bruto (citado em várias músicas de várias bandas, como por exemplo em Syndafloden do Apati) passou a ser massivo e, principalmente entre os jovens, isso trouxe uma sensação de sufocamento, de aprisionamento. Claro que a tecnologia trouxe grandes avanços, aparelhos eletrônicos diversos, meios de agilizar as tarefas diárias, máquinas para facilitar qualquer trabalho, e telas para se distrair e se informar mais rapidamente sobre praticamente qualquer assunto, bem como formas de encurtar distâncias entre pessoas. No entanto, trouxe também as consequências negativas. O peso da solidão e do isolamento. As pessoas passaram a se distanciar fisicamente e emocionalmente uma das outras, e a própria industrialização gerou uma sobrecarga sobre elas, fazendo com que seguissem uma rotina padronizada, sem tempo para coisas que pudessem trazer algum prazer. Nós estamos vivendo a 4ª Revolução Industrial, e agora é muito visível como a solidão tem sido forte sobre as pessoas. Agora também há uma maior visibilidade e disseminação de informações sobre os transtornos mentais. Mais precisamente isso vem sendo feito desde a década de 80, o que não significa que a depressão é recente. Obvio que não! O ser humano sofre desses males desde que começou a olhar para si mesmo e não conseguir digerir seus medos e traumas. Mas, depois da década de 80, essas questões começaram a deixar de ser tabu, a chamada loucura passou a ser vista como algo sério e que necessitava de meios humanizados para trazer algum bem-estar aos pacientes. Antes disso, mal se falava sobre e os pacientes eram tratados de forma desumana. Usando Ian Curtis ainda como exemplo, hoje se sabe que ele sofria de Depressão Maior e Epilepsia, ambos os transtornos geravam um desgaste gigantesco, mental e físico. E, infelizmente, ele encerrou a vida através de suas próprias mãos, com apenas 23 anos, pois se tornou insuportável viver (ou sobreviver) de tal forma. Em suas músicas é notável toda sua dor, sua angústia, seu desalento diante da vida. Foi através da música que ele conseguiu dar vazão às suas mais tortuosas dores, pois de outras formas não foi possível. O mesmo ocorre com os músicos de DSBM.
Continuando a falar mais especificamente sobre as bandas suecas de DSBM. Os músicos procuram deixar fluir todo esse sentimento de sufocamento diante de uma cidade cinza, diante de uma apatia e melancolia urbana. Lifelover trouxe isso à tona como um grito, uma voz insatisfeita perante uma vida sem cores. Jonas e Kim deram vozes aos outros tantos jovens de seu país. Através de suas músicas eles deixaram aflorar o que tantas pessoas também sentiam, e sentem, mas não conseguiam falar sobre. O fato de muitas outras bandas surgirem nesse país se deve a um conjunto de fatores. A vida urbana foi se tornando um fardo e, ainda que hajam tantas formas de distrações, tudo se acaba muito rapidamente. Tudo se torna monótono, uma prisão de concreto onde a vista é turva (em I Love (To Hurt) You, Lifelover descreve isso). Ainda, se junta coisas do próprio país, como o clima. Ao contrário de nós, que podemos dizer gostar do frio pois aqui no Brasil o inverno tem época específica e é de curta duração, na Suécia o inverno dura 8 meses. E as temperaturas são muito baixas. Isso gera diversos problemas de saúde, por mais adaptado que uma pessoa ache estar, por nascer lá. Há um tipo de Depressão chamada de Depressão Sazonal, que afeta, justamente, pessoas que moram em lugares frios, onde há poucos dias de sol, onde a sensação térmica mais quente é rara. Além disso, o inverno sueco é um período de escuridão, com pouca luz do dia e um céu, na maior parte do tempo, em tons de cinza. Na cidade de Estocolmo, por exemplo, costuma amanhecer depois das 8 hs e a claridade se vai às 15 hs. Isso afeta drasticamente o cérebro. O sono acaba sendo afetado também. E, a paisagem cinza pode nos atrair até certo ponto, mas, para quem aprecia a natureza verde, acaba trazendo uma sensação desconfortável com o passar do tempo. Olhar diariamente o horizonte sem cor, sem luz, sem brilho, pesa demais sobre as pessoas. E, cercada pela urbanização, o verde acaba ficando ainda mais ausente (Pessimisten da banda Ofdrykkja fala sobre seu lugar favorito, um dos poucos que sobrou em meio ao concreto urbano, na música Befrielsen). Tem outro fator no país, e que pesa sobre a solidão, que são as relações sociais. Não é comum as pessoas saírem conversando com vizinhos e nem cumprimentar ou puxar papo no ponto de ônibus, no metrô ou na fila do mercado. As pessoas não são muito sociáveis. Até certo ponto isso é bom, assim evita-se de você estar num mal dia e ter que aturar fulano conversando e querendo puxar assunto contigo de todo jeito. Mas, a longo prazo isso gera sensações péssimas, pois você se sente invisível, como se todos estivessem congelados a sua volta ou, simplesmente, não se importassem contigo. Os abraços e beijos também são mais restritos por lá. Até mesmo nas famílias há um distanciamento, e as pessoas acabam se "soltando" mais, apenas, quando bebem. Aí pesa outra coisa, afinal, sabemos que o álcool é uma máscara, por isso o vício se torna constante. Quanto mais necessitamos esquecer e fingir não ser quem somos, tendemos a ingerir mais e mais álcool. Ainda, há uma tradição bem antiga na Suécia chamada Fredagsmys (Vanhelga lançou um álbum em 2018 com esse nome), um termo exclusivamente sueco, o mais perto para nós seria algo como "sexta-feira à noite", e ele é usado para se referir a um tipo de evento que ocorre nas sextas-feiras entre as famílias. É uma tradição bem comum, onde os pais levam os filhos no supermercado e compram muita besteira para comerem em casa, ao invés do jantar normal. É tipo um "#sextou" só que apenas entre as famílias e em suas casas. Quem não tem filhos também faz, mas preferem se embriagarem com vinho ao invés de comerem algo. Independente da família, esse dia acaba sendo uma compensação para a negligência dos pais, pela falta de diálogo entres eles e seus filhos e filhas. Ou seja, uma grande mentira. Não é para se aproximarem, mas sim para tirarem um pouco da culpa de seus ombros, fingindo ser um dia de festividade entre a família. Vanhelga usou esse termo como título do álbum de modo irônico, porque essa coisa de família e união soa sempre hipócrita, independente do país, mas lá por existir esse tipo de confraternização quando nos demais dias ninguém dá a mínima atenção ao outro, soa ainda mais expressivo. Nesse álbum tem uma música chamada Relationship in Pieces (Relacionamento em Pedaços) expressando muito bem como os relacionamentos, sejam de que tipo forem, não perduram, não se sustentam.
Por fim, há uma forte pressão social no país para investir tempo em "estar em forma, estar ocupado e parecer perfeito". Por isso, quem está de fora pode se enganar com a máscara de país perfeito, onde todos vivem bem, onde a criminalidade é baixa, onde as cidades são limpas, sem tanta poluição e com índice alto de desenvolvimento. Existe uma norma cultural que sugere que os suecos devam ser independentes desde cedo, o que pode ser um fardo para algumas pessoas ou, pior, fazer com que elas não comuniquem problemas que poderiam ser sinais de alerta para um esgotamento clínico, que tende a desencadear Transtornos de Ansiedade e Depressão. Então, os jovens acabam se tornando muito solitários, sem conseguir falar sobre seus medos, sobre suas frustrações. Isso vai pesando até que muitos acabam buscando meios de aliviar suas mentes sobrecarregadas, e as válvulas de escape, como o álcool e drogas, surgem. Quando digo drogas, me refiro não apenas às ilícitas, mas também aos medicamentos. Antidepressivos, ansiolíticos e estabilizadores dehumor são muito consumidos e sem prescrição médica (na música Västeras da banda Ofrydkkja é abordado isso). E muitos desses jovens também acabam permanecendo nas ruas, como desabrigados, evitando de retornar aos seus lares. Se sentem perdidos, apáticos, como se não pudessem mais sentir nada de bom e esperassem apenas a morte para encerrar com suas vidas (a música Höstdepressioner de Lifelover fala sobre isso). Entram num ciclo de autodestruição que não conseguem mais parar e só os leva mais para o fundo do poço (Vanhelga aborda isso na música No Escape). A sobriedade, o permanecer de "cara limpa", não ajuda, pois, a mente foi obscurecida com pensamentos negativos. É impossível não pensar no passado, ou não se assustar com o futuro e, outra vez, a pessoa recorre às válvulas de escape (em Eufori da banda Apati isso vem à tona). Essas fugas momentâneas também incluem a automutilação. Recorrer a isso nem sempre é na ideia de amenizar a dor mental com uma dor física, afinal, são desproporcionais e a pessoa pode nem mesmo sentir mais algo ao fazer isso (na música [...], a banda Hypokondri fala sobre isso de não sentir mais nada, como se o corpo estivesse podre, congelado para a dor). O intuito, geralmente, ao se cortar é mais uma maneira de sentir que ainda se está vivo, pois a sensação de apatia faz parecer que a pessoa morreu, ou se tornou um zumbi. Também, é um ato de autodesprezo, um ódio desviado para si mesmo, para seu próprio corpo (Intig fala sobre isso em Instängd i mig själv). Muitos jovens tem a consciência de seus transtornos, mas, infelizmente, os próprios transtornos limitam e impedem a pessoa de buscar alguma ajuda. Ela vai se desviando cada vez mais do que poderia gerar algo de bom, vai se fechando dentro de si mesma. Não sente pertencer a lugar algum, pois nem mesmo consegue explicar mais o que sente e o isolamento passa a ser constante (Avsaknad: dopamin, da banda Glädjekällor, fala sobre isso de não saber para onde ir, a ausência de acolhimento, não conseguir mais estar em meio às pessoas e se socializar). Tudo vai se sobrecarregando, a ponto da desesperança criar raízes e a pessoa sequer conseguir enxergar alguma luz em meio a escuridão que o cega completamente (A banda Eufori fala sobre isso em Det är fan inte värt). É claro que a solidão está presente em qualquer sociedade, faz parte de qualquer povo em qualquer país, - e ao falar de solidão não estou falando da não presença de pessoas, pelo contrário, solidão é sentir-se só mesmo em meio às outras pessoas, familiares, amigos, não importa quantas pessoas estejam por perto (a música Ensamheten da banda Dysfori fala sobre isso) -, porém,  essas bandas suecas acabaram se focando nesses temas com mais precisão pois se unem com todos os fatores característicos do país e que mencionei acima. Obvio que tantas outras bandas que seguem nessa linha surgiram fora da Suécia, a exemplo de Absinthropy (Inglaterra), Psychonaut 4 (Geórgia), Narkolepsia (Filândia), 5ML (Rússia), Förtvivlan (Holanda), Bella Dosis (México), Crtl+Z (Colombia), Aurora Disease (Alemanha), Narcose (Brasil), afinal, as temáticas expressam sensações, sentimentos e emoções de pessoas em qualquer lugar do planeta. Porém, a concentração maior de bandas dessa subvertente do DSBM se encontra na Suécia.

Os links abaixo são de playlists com bandas dessa linha.

Depressive Rock/Narcotic Metal - YouTube playlist

domingo, 31 de maio de 2020

Proto-DSBM - Álbuns Essenciais para a Construção do Subgênero

É evidente que esta lista não traz as bandas que se somaram, com suas próprias sonoridades peculiares, ao longo dos anos, já sob o rótulo de Depressive Black Metal. As bandas mencionadas aqui remontam aos Álbuns/EPs/Demos que alicerçaram o que veio a ser chamado, posteriormente, como Depressive Suicidal Black Metal (DSBM).
Dentro da história, desse subgênero do Metal Negro, tiveram inúmeras bandas que trouxeram características singulares e que se tornaram fundamentais para o DSBM. A maioria das bandas não usava o termo Depressive Black Metal, até a década de 2000, apenas seguiam fazendo Black Metal, no entanto, suas temáticas líricas se voltaram para dentro, o eu lírico expunha sua grande desolação, a sua mais severa dor, suas angústias confinadas no âmago de seu ser. Aliada a uma sonoridade menos rápida, focando-se mais em melancolia, em riffs minimalistas e vocais onde a dor ficava evidenciada, o DSBM começou a ser apreciado por todos aqueles que se enxergavam nas canções, por aqueles que, de alguma forma, sentiam uma espécie de conforto ao saber que, através da música, não estavam completamente sós em suas jornadas existenciais. E, assim foram surgindo mais e mais bandas com suas próprias características sonoras. Algumas fazendo uso massivo de teclados e várias linhas de guitarras reverberadas que acrescentavam ainda mais sensação de sufocamento, de ser enevoado pela solidão e perde-se em noites de puro sofrimento; outras mantiveram uma linha crua (raw) voltada às raízes do Black Metal com aspereza vocais e instrumental rasgante. E, muitas outras, seguiram mesclando-se à música Ambiente, Atmosférica e somando outras características sonoras, mas, sem perder as temáticas que se tornaram parte crucial no Depressive Black Metal. Temáticas essas que percorrem o suicídio, o sofrimento, desejo pela morte, dores físicas e emocionais, depressão, ansiedade e outros transtornos mentais, misantropia, solidão, rejeição, bullying, desesperança, auto-ódio, baixa autoestima, automutilação, drogas e álcool como válvula de escape, desespero, tristeza, melancolia, apatia, isolamento, infância/adolescência infeliz, decepções amorosas, perdas de pessoas queridas, visões pessimistas e/ou realistas do mundo, niilismo, crises existenciais entre outros temas relacionados com a dura realidade da vida e com a dor do existir.
As bandas aqui citadas são para interesse de todos que desejam conhecer o DSBM em sua origem e, também, para quem já aprecia este subgênero, mas que possa ter negligenciado algumas dessas bandas ou mesmo não tenha tido oportunidade de conhecê-las ainda.



Manes - Maanens Natt: Esta banda norueguesa, formada por Cernunus e Sargatanas, é uma das que levam os créditos entre as precursoras influentes do DSBM. A primeira fita demo, chamada Maanens Natt, de 1993, é descrita como "uma jornada profundamente atmosférica através das noites frias do Norte em que arpejos melancólicos acasalaram em um ritmo contido com riffs vigorosos e angustiantes". A banda canalizou a depressão e a desesperança do Black Metal e, unindo-se a sintetizadores e discursos alternando com vocais guturais rascantes, fez submergir uma atmosfera altamente sombria e sufocada por uma densa névoa que impregna completamente nas canções. As linhas de guitarras são geladas e notáveis, com arpejos e trêmulos. A bateria é programada, mas se ajusta bem ao demais instrumentos e traz mais sensação de peso e sufocamento nas músicas. O teclado, sem dúvidas, é o instrumento que mais se destaca e traz singularidade a esta demo. Ele cria toda a atmosfera densa, profundamente agonizante e mórbida. O baixo está presente, quase inaudível, no entanto, é uma peça a mais para equilibrar o belo conjunto sonoro. Esta demo teve grande impacto e influenciou diferentes representantes do DSBM. Kvarforth, da banda Shining, e Scott Conner (Malefic), da banda Xasthur, por exemplo, citariam anos depois a banda Manes como grande influenciadora para o som que vieram a criar em suas bandas. Também, viriam a participar de gravações posteriores como cantores convidados no Manes. Embora seja curta, é uma demo essencial para quem deseja escutar o Black Metal atmosférico, sombrio e com elementos desesperadores que viriam a ser característicos no Depressive Suicidal Black Metal.

1. De mørke makters dyp: https://youtu.be/7EykBbqLmvw
3. Under den blodraude maanen: https://youtu.be/qDnbOY1RPiA
4. En hymne til ondskapens fyrste: https://youtu.be/GO8ABFYKIOA

Em 2006 as músicas foram remasterizadas e incluídas no álbum compilado 'Svarte Skoger' e, em 2016, foram oficialmente relançadas na plataforma bandcamp: https://manesnorway.bandcamp.com/album/svarte-skoger



Strid - Strid: Esta banda é tida por muitos como a precursora do DSBM, de fato. Sob o nome Battle gravaram uma demo chamada 'End Of Life' em 1992. Em 1993 a banda mudou seu estilo de "ruídos grosseiros" para "melancolia com múltiplas atmosferas e lentidão somada a gritos agonizantes", que se encontrariam posteriormente em bandas de DSBM. Também mudaram o nome Battle para Strid. A demo 'End of Life' foi relançada em 1994 e, ainda nesse mesmo ano, foi lançado um EP autointitulado. As mudanças metodológicas e temáticas desse EP foram importantes e culminaram com os padrões para o Depressive Black Metal. O álbum tem uma produção surpreendentemente clara, embora ainda raw o suficiente. As letras trafegam por um caminho distante do Black Metal Norueguês da época, focando-se exclusivamente numa profunda melancolia. Embora tenha apenas 2 faixas, elas são suficientes para expressar a mais bela e, ao mesmo tempo, saturada desolação que assola o indivíduo. As músicas criam uma atmosfera de total desespero como se, através dos vocais, também ecoassem os gritos miseráveis que emanam de dentro de cada um de nós. As melodias dolorosas e os uivos torturados parecem cortar como uma faca recém-afiada. Ao final, é como se a morte já não fosse mais algo a se temer ou evitar. As canções trazem um ritmo lento com guitarras melancólicas junto de vocais carregados de tristeza, bateria cadenciada e linhas de baixos expressivos (algo não tão comum no subgênero). Após isso, a banda não lançou mais nada, e, no ano de 2001, o baixista e vocalista Espen Andersen, conhecido pelo pseudônimo de Storm, cometeu suicídio. O músico Nattramn, vocalista da banda Silencer, lamentou bastante o ocorrido e citou Strid como uma de suas bandas favoritas e de forte influência para a sonoridade que ele veio a criar no Silencer.

Strid (EP completo) [1994]: https://www.youtube.com/watch?v=swu-5r5ahPU


Bethlehem - Dark Metal: Essa banda, que é tida como uma banda de Dark Metal - rótulo que veio a partir deste álbum, lançado em 1994 - também teve um importante papel no DSBM. Este álbum foi um importante catalisador para o desenvolvimento do subgênero como uma variante mais independente da música extrema, que rejeitou muitas das características familiares do Black Metal e seguiu por um novo caminho. Mesclando o Black Metal com o Doom Metal, o álbum soa "assustador, atormentado e profundamente triste". Há reflexão interna e auto-exame nas letras, procurando explorar a condição humana e seguindo com temas filosóficos e espirituais abstratos. A banda evidencia a depressão e, especialmente, o suicídio. As músicas são lentas e repletas de sentimentos de desespero, melancolia e loucura. Mesmo possuindo um instrumental simples, as músicas fazem uma progressão incrível, como se mudassem de um humor já triste para algo ainda mais deprimente. O instrumento que ganha destaque é o baixo, que tem uma presença bastante marcante e não apenas copia os acordes das guitarras rítmicas. Bandas como Shining, Silencer e Forgotten Tomb procuraram se aproximar bastante de Bethlehem. O vocalista Andreas Classen foi convidado por Kvarforth para o albúm Within Deep Dark Chambers. Já a banda Silencer, teve o baterista Steve Wolz como convidado para suas gravações de estúdio. E o guitarrista e vocalista Herr Morbid do Forgotten Tomb, fez participações em algumas músicas do Bethlehem.

Dark Metal (álbum completo) [1994]: https://youtu.be/LWN7NZgsnIo

Em 2014 o álbum foi relançado em formato digital na plataforma bandcamp: https://bethlehem.bandcamp.com/album/dark-metal


Shining - Submit to Selfdestruction: Formada quando Niklas Kvarforth tinha apenas 12 anos de idade, esta banda se tornou conhecida no meio do Black Metal quando, anos mais tarde, começaram a realizar apresentações ao vivo onde Niklas se automutilava em palco e se banhava com o próprio sangue. Com bases no Black Metal, as temáticas envolvem temas mais relacionados a comportamentos autodestrutivos, depressão e suicídio. Em 1998, quando Niklas tinha 14 anos, é lançado o EP Submit to Selfdestruction, onde Niklas toca baixo e guitarra. Ele veio a assumir os vocais somente a partir do primeiro álbum da banda. Submit to Selfdestruction é visto como a porta de entrada ao DSBM pois rotular meramente de Black Metal limitaria o que de fato este lançamento procurou catalisar. Considerando a total ausência de qualquer tipo de temática maléfica, antirreligiosa e/ou satânica, este EP trafega de forma a criar uma atmosfera mais desoladora, existencial e sombria. Musicalmente, é encontrado algumas semelhanças com os trabalhos de outras bandas de Black Metal da época, o que não é incomum, visto que os integrantes procuraram manter suas influências como em Burzum e Strid, embora a inspiração mais notável, principalmente pelo lado mais sombrio, vem de Bethlehem. Os vocais ecoam gritos torturados como se o vocalista estivesse à beira do suicídio, e se complementam com a atmosfera sombria e desesperadora que o instrumental evoca. Os riffs de guitarra são bastante presentes. As linhas de baixo e bateria, pela baixa produção, acabam muitas vezes ganhando mais destaque que a guitarra. Mas, de modo geral, as duas músicas deste EP somam às muitas das características que marcariam o Depressive Black Metal. A lentidão que se alterna com a rapidez, ao longo das faixas, os riffs hipnóticos, os vocais desoladores e a atmosfera sufocante, fria e imersa em dor pesam sobre este lançamento que influenciaria várias bandas, anos depois. Shining, ao longo de seus lançamentos, evoluiu bastante e passou a ter uma produção mais limpa, bem como os vocais de Niklas vieram a somar mais carga emocional às músicas. Suas performances ao vivo banhado em sangue e sua hostilidade para com o público também foram fatores que acrescentaram à impactante imagem da banda. Embora nunca tenham aceitado o termo Depressive Suicidal Black Metal, e também rejeitem sempre o rótulo de Black Metal, é evidente que por suas temáticas e sonoridade, em especial dos primeiros lançamentos, a banda esteja incluída como uma das mais influentes do meio.

Submit to Selfdestruction (EP completo) [1998]: https://youtu.be/nC1Ra2P-lG0

Faixa 'Submit to Self-Destruction' relançada em 2002 com os vocais de Niklas Kvarforth para o álbum 'III: Angst - Självdestruktivitetens emissarie': https://soundcloud.com/shining-official/shining-submit-to-self


Malvery - Mortal Entrenchment In Requiem: Embora fosse uma banda de Black Metal, possuía alguma proximidade com o Death Metal, sonoramente falando. Mas suas temáticas trafegavam enfaticamente no desespero interior. A banda foi formada em 1993 por Infurya na bateria, Coroner na guitarra, Vorlord nos teclados e guitarra, J.F. Boyte no baixo e Amer LeChâtier nos vocais, em Quebec, Canadá, mas, somente 6 anos depois, em 1999, foi lançado o álbum de estréia, Mortal Entrenchment In Requiem, que também acabou se tornando o único da banda. O vocalista LeChâtier cometeu suicídio logo após encerrar as gravações e, por consequência, nem chegou a ver o lançamento do mesmo. Este ato cometido por ele contra si mesmo já era refletido em seus vocais que soam sair dos confins de seus pulmões saturados em dor. É possível sentir a angústia misturada com a raiva em cada música. O álbum abre com As Drowning Came From Horizon, uma bela e suave introdução ambiente onde LeChâtier discursa calmamente, mas essa atmosfera já é imersa em melancolia e conduz o ouvinte para o sombrio pesadelo que vêm na música seguinte. LeChâtier dá vazão à toda sua dor e auto-ódio em Drowned In A Dried-Up Lake, a sensação de que ele está sendo esmagado pela música é muito real. A insanidade o enlaça e seus carregados vocais se alternam em falas dramáticas e gritos de dor. As músicas deste álbum são extensões reais de seu profundo sofrimento. Ele traz à tona toda a escuridão que o estrangula internamente. A faixa Suicide, The Only Solution é, sem dúvida, a faixa mais desesperadora do álbum. Nela, ele vocifera tudo o que pode. É um clamor por algum alento, por alguma chama de luz em meio a sua extrema dor, mas, não há nada além de mais escuridão e sofrimento. Evidentemente, pelo título da canção, ele já deixava claro no que sua mente se alicerçava e, de fato, veio a se concretizar dias depois. Ela tem cerca de 11 minutos e se apresenta como se fosse uma miniópera descrevendo o clima tortuoso de LeChâtier, envolvido em um grande tormento e desespero interno. Ele fala, discursa e é tomado pela fúria, pelo desespero e dor, muita dor. As linhas de bateria soam tribais e se mesclam a guitarra tremulando uma melodia agonizante. Os elementos de Death Metal são presentes e dão um ar ainda mais esmagador à música. LeChâtier parece estar sendo apertado mais e mais. O álbum marca não apenas o início de um subgênero focado em expressar a mais profunda dor que acomete o indivíduo, mas, também, o valor da autenticidade na arte, pois LeChâtier, literalmente, cantou aquilo que estava vivenciando e expõe seu inferno pessoal de forma assustadora, dolorosa e, ao mesmo tempo, majestosamente bela. O álbum foi lançado postumamente e como uma homenagem a ele.

Mortal Entrenchment In Requiem (álbum completo) [1999]: https://youtu.be/ZY5XPdxoIAI


Nortt - Graven: Nortt é uma banda-de-um-homem-só formada por Nortt, alguém que sempre se manteve no anonimato, na Dinamarca em 1995. Embora ele percorra o Funeral Doom Metal desde o início, suas temáticas foram uma extensa base ao que veio se chamar de Depressive Black Metal, na década seguinte. Os elementos da música de Nortt são profundamente sombrios e fixados na morbidez, na exaltação da morte, na desesperança humana, no desespero, depressão e vazio existencial. Apesar do álbum Ligfærd, lançado em 2005, ter tido uma melhor critica dentro do metal extremo, foi Graven, lançado em 1999, quem abriu caminho para o que veio a seguir. Esta demo, a 3ª da discografia, manteve a mesma baixa qualidade de suas antecessoras, mas já expressava uma notável evolução em termos sonoros. Nortt intitula sua música como "Pure Depressive Black Funeral Doom Metal" e, de fato, esse termo se aplica muito bem à carga que ele produz. Logo no início, a carga sonora chega pouco a pouco penetrando nas entranhas mais obscuras da desolação e prepara para o intenso peso que chega e envolve rapidamente o ouvinte que se vê preso a uma árdua jornada cheia de dor e tristeza, como se estivesse carregando um enorme fardo sobre os ombros enquanto nada em um mar completamente escuro. Os gritos torturados de Nortt agregam uma beleza mórbida na paisagem sonora que ele cria. As camadas hipnotizantes dos instrumentos são uma das características que Nortt manteve em todos seus lançamentos e que mantém a atenção total do ouvinte. Esta demo é um buraco negro vazio e, ao mesmo tempo, repleto de desolação. É como rastejar em uma caverna fria e úmida no escuro, onde você não vê nada a sua frente, apenas, escuridão interminável. A produção deste álbum é baixa, e foi o último com esse nível, por isso agregou e serviu de influência para muitas bandas que surgiram sob o rótulo de DSBM. Os acordes soam abafados, mas é, justamente, o que torna esse álbum excelente. O foco primordial é a escuridão imposta sobre ele e que transborda dele. Ele oferece uma atmosfera que permite que os sentimentos mais sombrios sejam concentrados. A lentidão é a expressão única da paciência que Nortt coloca, bem como a monotonia da própria existência sentenciada a sofrer dia após dia. Ele evoca toda a dor que agride e tortura vagarosamente o indivíduo. Quanto mais se demora, mais dor é somada. As músicas não têm pressa, não tem um objetivo a alcançar, um ponto a se chegar. Elas são sombrias e inabaláveis ​​em seu caminhar sem fim. Extremamente lentas, mas consumindo tudo ao seu redor, sugando a luz e deixando apenas mais vazio e desolação. Os vocais de Nortt podem ser encontrados à espreita nos cantos certos da marcha fúnebre de suas canções e chegam aumentando ainda mais a atmosfera deprimente e mórbida. A atmosfera é densa, os teclados criam uma melodia digna de uma marcha fúnebre e conduzem num ritmo lento e intenso por todas as músicas. Embora as faixas sejam longas e sem variações, elas não se tornam tediosas, pelo contrário, se unem lançando o ouvinte mais e mais ao fundo do abismo escuro. A bateria se mantém sempre direta e raramente se desvia do simples ‘um-dois-três’ da caixa, chimbal e bumbo, mas, isso é uma peça valiosa na arte de Nortt pois torna o sentimento de pavor ainda mais profundo na música. Os vocais são torturados em todos os sentidos e vêm vagarosos e silenciosos, grunhidos em segundo plano que geram o que as letras regurgitam: dor, luto, morte e desolação. Esta, bem como as demos anteriores, foram de bastante influência para bandas de DSBM da década seguinte pois Nortt consegue unir o ódio do Black Metal com a profunda tristeza do Funeral Doom.

Graven (Demo completa) [1999]: https://www.youtube.com/watch?v=x4ZFcd3gULI


Abyssic Hate - Suicidal Emotions: Formada em 1993 por Shane Rout que, como grande fã da banda-de-um-homem-só Burzum, se manteve como único membro de sua banda. Embora tivesse lançado materiais consistindo em uma sonoridade sombria e soturna, Abyssic Hate entra como uma das bandas precursoras do que viria ser o DSBM apenas no ano 2000 com o lançamento do álbum Suicidal Emotions. Este material traz uma carga intensa de dor, sofrimento, depressão e suicídio. O álbum é denso, sufocante e com uma produção de baixa qualidade que ajuda a criar ainda mais uma atmosfera hipnótica, sombria e envolvente do início ao fim dele. O minimalismo, que se tornou uma forte característica do Depressive Black Metal, é tido aqui como guia de todo o álbum. Os riffs são frios, repetitivos, mas não são cansativos, pelo contrário, eles retêm a atenção do ouvinte da primeira à última música. Pois, embora sejam simples, os riffs de guitarra são muito bem executados e transmitem o que a música tende a expressar. Este álbum mostra, de forma eficaz, que a atmosfera é sempre mais importante do que a tecnicidade. A bateria também não gera muitas variações, e se mantém unicamente como suporte aos demais instrumentos. Apesar de Shane ser multi-instrumentista, ele optou pela bateria programada para este álbum, o que se encaixou com a necessidade quanto ao que a sua música exigiu e nada mais, pois qualquer variação ameaçaria o efeito hipnótico gerado. Os vocais são monótonos e se ajustam perfeitamente às músicas, sem sobrepor e sem se ofuscarem em meio ao instrumental. Servem para refletir a depressão que assola e o isolamento que corrói rotineiramente. Essa monotonia e repetição sonora retrata a qualidade estática e paralisante da solidão e o profundo acinzentar da vida. Esse tom cinza, sem cor, representa muito bem a desesperança que preenche os dias vazios e maçantes pelos quais o indivíduo flutua numa existência inerte e vazia. Um ponto marcante neste álbum é que os riffs nunca são ríspidos ou agressivos, mas sim sempre reflexivos e melancólicos e mudam no momento certo, sem perder o teor hipnotizante e envolvente. As músicas são longas, mas não são tediosas pois os riffs dão lugar a outros com precisão e mantém a densa camada de desespero que Shane transmite. As emoções suicidas são, de fato, refletidas em cada música. As letras percorrem o desejo de pôr um fim a si, por um fim a toda dor, a todo sofrimento e vazio que esmaga, dia após dia, o indivíduo. Este lançamento teve grande peso em bandas que surgiram posteriormente e já eram referidas como de Depressive Black Metal. Um álbum frio, minimalista e que transmite as emoções mais sufocantes de quem deseja nada mais do que encerrar sua vida com suas próprias mãos.

Suicidal Emotions (álbum completo) [2000]: https://youtu.be/W8r7ekfXxXs


Sterbend - Einsamkeit: Banda alemã formada no ano de 2000 por Winterheart na bateria, Typhon nos vocais, Orcus na guitarra e Asmodaios no baixo e guitarra, e que recebeu certa notoriedade quando o Depressive Black Metal começou a ser usado para identificar bandas de Black Metal que percorriam caminhos dolorosos abordando a dor de existir, a depressão e o suicídio. Lançaram sua primeira e única demo no ano de 2001 e traziam uma torturada e sombria atmosfera depressiva com o peso de vocais frios e angustiados. A demo abre com o trecho do filme francês 30 Anos Esta Noite, que aborda o vazio existencial que culmina com o desejo de morrer. Em Einsamkeit é possível perceber de início o peso da banda, o vocalista solta seus gritos uivantes tortuosos repletos da mais densa agonia e, então, canta de maneira peculiar do que se ouvia em outras bandas de Black Metal da época. São gritos de total desespero acompanhados de riffs de guitarra e bateria constantes. A música progride pouco, mas se encaixa perfeitamente à proposta da banda. Todos os instrumentos trabalham de forma precisa e a bateria mantém o bumbo duplo em destaque, tornando não somente esta, mas todas as faixas da demo de uma qualidade ímpar. A produção é baixa, mas não soa saturada, mesmo tendo sida lançada em formato cassete. A faixa se torna um pouco mais rápida, mas sem perder a dor e melancolia a qual ela se propõe exalar. Winterwald é a faixa seguinte e, certamente, a mais rápida da demo. Ela conduz o ouvinte a ir mais fundo na floresta obscurecida gerada mentalmente. Uma gelada floresta no inverno mais agressivo já sentido e, para completar o cenário, uma soturna lua ilumina as estreitas trilhas que cortam a floreta. O indivíduo se perde dentro de si, diante da vista escurecida e, atordoado e confuso, com a sua depressão, tenta encontrar uma forma de escapar de toda essa miséria. Os vocais de Typhon são saturados em dor e desolação, sendo palpável tal desespero. A bateria tem um peso marcante e os riffs de guitarra seguem repetitivos, mas sem causar qualquer tédio. O baixo não é facilmente ouvido em toda a demo, mas, está presente ali, como uma adição a esta sentença depressiva que a banda traz. Depressive Paths Through Fullmoon Forests é, sem dúvida, a faixa mais notável deste lançamento. Tal como seu título, ela tem objetivo primordial em conduzir o ouvinte aos confins da floresta. Uma floresta acinzentada, iluminada por uma lua desbotada e que logo dá vazão para a escuridão total. É aqui que o indivíduo se perde completamente. Os vocais são um misto de fúria e dor e parecem sair do mais profundo abismo. Não há mais nada além de escuridão, solidão e frio, muito frio, corroendo, paralisando e congelando tudo ao redor. A faixa seguinte, Dwelling Lifeless, começa com riffs constantes de guitarra e ritmos equilibrados de bateria, se mantém toda instrumental. É uma faixa que representa o momento em que o indivíduo, preso na gélida floresta, se cala em pensamentos, já não há mais vozes dentro de si, tudo foi completamente congelado. A demo chega ao final com Outroduction, onde há elementos ambientes e atmosféricos com breves melodias de teclado. Com esta demo a banda estabeleceu uma boa fusão de texturas de Black e Doom Metal e trouxe uma sonoridade lenta e mórbida dosada com vocais uivantes e desesperados somando, assim, tijolos na construção do Depressive Suicidal Black Metal.

Einsamkeit (Demo completa) [2001]: https://youtu.be/HcHkNZ-jhRY


Xasthur - Nocturnal Poisoning: Formada em 1995 na cidade de Alhambra, na Califórnia, por Scott Conner, que adotou o pseudônimo Malefic, teve seu primeiro álbum, Nocturnal Poisoning, gravado entre abril e setembro de 2001 e lançado pela gravadora Blood Fire Death em 2002. Contendo 8 faixas e, na maior parte delas, com os instrumentos criando um paredão sonoro com várias camadas, através do qual riffs limpos ocasionalmente aparecem, este álbum é essencial ao que veio ser chamado de Depressive Black Metal. Xasthur, iniciada como uma banda de Black Metal, se destaca em uma sonoridade original onde as camadas de guitarras e teclados são sustentadas, apenas, para serem repentinamente substituídas por uma guitarra minimalista, criando assim, uma atmosfera sombria e opressiva de desastre inevitável. Os vocais são gritados e parecem bem distantes quando comparados ao resto da mixagem, mas há seções tranquilas e perfeitamente audíveis que logo são seguidas com camadas de guitarras e teclados que se desintegram em uma parede de ruído ecoante. Os temas projeção astral, escuridão, desespero, suicídio, ódio e morte marcam este álbum e seriam temas recorrentes em lançamentos futuros. Há um cover de Mütiilation que foi muito bem executado e enriqueceu o álbum, mostrando que Xasthur consegue dar uma dimensão única até mesmo a um cover. As faixas autorais são de uma singularidade que marcou a banda. O uso massivo de camadas de guitarras e teclados geram uma parede etérea que transporta qualquer ouvinte às paisagens mais enevoadas e oníricas possíveis. Este álbum soa mal, sinistro, angustiante e desesperador. Uma mistura perfeita que resulta em pura escuridão. O instrumental é denso, sufocante, com guitarras se entrelaçando aos teclados. O baixo é audível e parece ter vida própria. A bateria, embora programada, é bem ajustada e se encaixa muito bem com os demais instrumentos. Os vocais são simplesmente dolorosos de ouvir, mas dolorosos em um sentido agradável pois é a agonia dos vocais que gera mais riqueza a este lançamento. As camadas de reverberação soam até mesmo nostálgicas, como se falassem de algo não vivido, algo que está além deste mundo, além dos sonhos. Os teclados guiam para além da própria imaginação e as vozes de Malefic se somam para ecoarem gritos, grunhidos e múrmuros penetrantes e inaudíveis, que não sangram raiva, remorso ou sofrimento, mas apenas uma tristeza avassaladora. Essa melancolia doentia parece interminável. As faixas são razoavelmente longas, mas parecem se tornar ainda mais longas à medida que percorrem as trilhas tomadas pela mais densa e congelante neblina. Há um início, mas parece não haver um fim. As linhas de teclado penetram de uma forma tão bela e assustadora como uma lenta marcha rumo ao eterno e oculto que faz com que o ouvinte esqueça de tudo ao seu redor. As músicas prendem a atenção completamente. Xasthur continuou com essas características em lançamentos futuros, e influenciou muitas bandas já categorizadas como Depressive Suicidal Black Metal, e este álbum certamente marca sua jornada em meio às suas próprias saturações majestosamente sonoras.

Nocturnal Poisoning (álbum completo) [2002]: https://metalhit.bandcamp.com/album/nocturnal-poisoning

Nocturnal Poisoning (álbum completo Spotify):  https://open.spotify.com/album/5HEzmVm9C5E1O4YHaTzVuN


Silencer - Death, Pierce Me: Quando se fala em Depressive Black Metal, esta banda é comumente a mais citada, possivelmente, devido a figura impactante de seu vocalista Nattramn, mas, para além da parte visual chocante associada a ele, o motivo real é que esta banda trouxe uma obra-prima em seu álbum de estréia e que soava muito diferente do que era encontrado em bandas de Black Metal na época. Formada inicialmente pelo guitarrista Leere, no ano de 1995, Nattramn se juntou à banda alguns meses depois e ela se consolidou em um duo. Em 1998 gravam uma demo da música 'Death - Pierce Me', evidenciando os vocais agonizantes e afogados em um profundo sofrimento por Nattramn, e a melancolia muito bem trabalhada sonoramente por Leere. Esta música veio a se tornar o nome do primeiro e único álbum da banda, lançado em 2001, e que teve a faixa-demo incluída em uma nova versão. Este álbum é realmente um material sonoro bastante difícil de digerir, no entanto, é um dos essenciais do DSBM e um dos poucos que se tornou amplamente conhecido nesse meio. A música homônima ao álbum inicia-se com um riff suave e cativante onde engana o ouvinte que desconhece o que está por vir. O ponto alto é justamente quando Nattramn surge com seus lamentos rasgando a garganta e implora pela morte. A parte instrumental é muito bem encorpada, com belos riffs e solos de guitarra, marcantes levadas de bateria e linhas de baixo que, embora caminham por vias uniformes com os acordes de guitarra, são bastante expressivos. A finalização dessa música, bem como de todas as outras do álbum, é algo muito interessante, fecha-se de forma precisa. A segunda música, Sterile Nails and Thuderbowels, é a que ganhou maior destaque e, sem dúvidas, é esta a música que evidencia a sublime musicalidade de Leere, afinal, se não fosse por ele, provavelmente, este álbum não teria entrado na história como um clássico do DSBM. Ele fornece uma majestosa atmosfera para as lamúrias atormentadoras de Nattramn, que se estivesse vociferando suas dores sem música, obviamente, não soaria como música. A união musical desses dois é uma expressão sincera de como a boa música pode surgir quando há fidelidade naquilo que se quer transmitir. A faixa seguinte, Taklamakan, é, geralmente, a que mais atrai as pessoas porque, supostamente, Nattramn estava se cortando severamente e engasgando-se durante a gravação dela. É possível ouvir esses sons de forma nítida. Os riffs de baixo que abrem a canção também são bastante marcantes e mantém o ouvinte atento, apenas aguardando o que está por vir. Logo a música explode e, dolorosamente, os traumas existenciais de Nattramn eclodem junto. Os riffs de guitarra são simples, mas muito bem inseridos e se complementam com a bateria bastante rápida. Nessa música Nattramn vai ao extremo, como se estivesse em seu nível máximo de insanidade. A faixa seguinte, The Slow Kill In The Cold, parece ser um contraste à anterior e, com um fluxo lento, suave e melancólico de sintetizador, conduz o ouvinte a uma certa calmaria. Mas, antes mesmo do ouvinte poder imaginar uma paisagem menos sufocante que fôra criada pelas faixas anteriores, é novamente lançado às angústias lacerantes de Nattramn que se seguem em Shall Lead, You Shall Follow, onde a rapidez rítmica permanece. O álbum encerra-se com Feeble Are You - Sons Of Sion, uma canção executada apenas no piano e que traz consigo a sensação de uma certa calmaria depois que não existe mais nada a ser destruído, pois tudo está morto, terminado, encerrado. O que tornou a banda conhecida no meio do Black Metal foram os vários rumores, suposições e lendas que se mesclaram a eventos reais ocorridos com Nattramn. Nattramn não queria apenas expressar sua dor e angústia através de suas letras e seus vocais, ele queria que a música soasse o mais real possível para que o ouvinte pudesse sentir quão desesperado ele estava. E ele decidiu se automutilar antes e durante as gravações de cada faixa. Seus gritos eram de extrema dor, uma mistura do que ele estava sentindo fisicamente naquele momento junto com as dores mentais que ele já arrastava por anos. Gritos, urros, choros e sons de ânsia de vômito e engasgamento podem ser ouvidos nas músicas. Esses detalhes incomuns somaram para que os críticos descreverem a música de Silencer como ruídos tolos e sem graça, mas, quando se olha para as características estéticas que são tecidas a partir da subjetividade emocional complexa de Nattramn e Leere, fica claro que todos os instrumentos, as falas, lamentos, urros e gritos sobem do mais profundo poço onde habitam os seres massacrados pela existência humana. Pouco tempo após o lançamento do álbum, Nattramn foi encaminhando para um hospital psiquiátrico em período integral de internação, e a banda encerrou atividades após esse evento. Independente dos vários boatos, inverdades e datas imprecisas, o fato é que em suas músicas Nattramn expressou todo o seu desespero e sua insatisfação com a vida e com o mundo, isso de maneira bastante direta. Ele enfatizou a natureza de seus gritos estridentes, de alguém que estava sofrendo e sendo atormentado incansavelmente. Uma foto de Nattramn acabou sendo disseminada junto do álbum e, nela, ele se encontra com uma máscara ensanguentada e com bandagens manchadas de sangue nas mãos, nas quais aparecem pés de porco amarrados. Propagou-se que Nattramn se torturava durante as gravações das músicas e acabou amputando as mãos para substituí-las pelos pés de porco, mas, o que ele fez, de fato, foi amarrar com as bandagens os pés de porco às mãos. Mesmo vinte anos após seu lançamento, ainda há quem tache este álbum como uma peça horrível e que deve ser esquecida, como algo que deve ser retirado do Black Metal - a banda sempre disse fazer Black Metal e nada além -, mas não, não há motivos para essas duras críticas quando se analisa a banda, o álbum, as expressões ali colocadas sem vestimentas. Essas melodias foram arrancadas de momentos altamente emocionais e genuínos. Elas se uniram para formar uma camada crua, porém reveladora e intrigante. As letras são muito pessoais e/ou confessionais, que Nattramn escreveu para exorcizar seus demônios mais terríveis. Isso pode ser lido, escutado e mesmo visualizado - em paisagens mentais - como um vislumbre de momentos específicos da vida de um homem atormentado pela dor, pela loucura, pela existência cruel onde o sofrimento é imensurável. Há muita crueza e mensagens diretas em suas composições, mas, também, há espaço para abstrações, as letras e as melodias são muito mais emocionais do que se pode enxergar, de início, há imagens subjetivas e extremamente pessoais que não se pode encontrar na maioria das músicas de outras bandas do gênero. Nattramn e Leere uniram a profundidade dolorosa e escura de si mesmos, do sofrimento pessoal, e sangraram isto tudo em um estúdio de gravação.  Não existiu um objetivo, usando essa linguagem direta ou abstrata, de evocar algo, mas sim de expurgar. Expurgar tudo que corroía internamente e sangrava para além da carne.  Tanto é que este álbum não pode ser tido em meio termo, por isso, ou se gosta ou não se gosta dele. O ouvinte vai defini-lo de acordo com o que se deseja capturar dele e de como pode sentir empatia por estes ou quaisquer outros músicos, pois as músicas deste álbum se manifestam como instantâneos pessoais de estados emocionais extremos e narrativas sombrias que procuram falar em uma linguagem de angústia, dor, desespero, que pode ser atraente ao ouvinte, porque este pode ou não ter vivenciado momentos semelhantes. Para o Depressive Suicidal Black Metal este é um álbum de extrema importância e que agrega, definitivamente, aos álbuns onde a dor é muito palpável. Death - Pierce Me tem sido visto como expressão pura de dor, depressão e loucura.


Death, Pierce Me (álbum completo) [2001]: https://silencer-swe.bandcamp.com/album/death-pierce-me


Como dito no início, as bandas e seus respectivos álbuns mencionados aqui são tidas como uma base e influência (Proto-DSBM) para as bandas que de fato surgiram e já foram inseridas dentro do Depressive Suicidal Black Metal. Após o ano de 2003 surgiram inúmeras bandas e o ano de 2005, sem dúvidas, foi um ano em que muitas, em diversos países, se formaram e trouxeram lançamentos com características que serviram de base para as bandas da década seguinte. Então, obviamente, um texto com as primeiras bandas, efetivamente, de Depressive Suicidal Black Metal da década de 2000 bem como um texto trazendo as bandas que abriram a cena em território brasileiro, seria agregador. Então, provavelmente, trarei textos assim no futuro.

sábado, 16 de maio de 2020

Entrevista com Érdos e Astratta


O Brasil tem uma quantidade inumerável de artistas independentes que, apesar do alcance extraordinário que a internet oferece, ainda se mantém desconhecidos até no meio Underground. No entanto, essas duas pessoas mencionadas aqui, de enorme talento e simpatia, vêm pouco a pouco percorrendo o caminho do meio musical e trazendo sua arte sonora para todos que apreciam a música em sua forma mais honesta. Tivemos o prazer de conversar com o músico Érdos e a musicista Astratta, ambos a frente de vários projetos e bandas, tanto solos quanto juntos, entre eles estão Autoquíria, Den Svarta Häxan, Synthsatan, Encephalo Swarm, Entardecer, Xaktenarh, MDZhB, V/H/S, Montosse... e, com tanta expressão de criatividade assim, fez com que criassem o próprio selo musical o Póstumo Sölstício Records. Evidentemente, a música não é um mero hobby para ambos, ela é algo que se tornou inerente à rotina dessa dupla.

Quais são suas influências musicais? Vocês têm familiares no meio da música, ou foi um interesse que partiu de vocês mesmos? E com quantos anos iniciaram na música?
Érdos: Olá pessoal, agradecemos a oportunidade desta entrevista! Bem, comecei a me interessar por música acho que com uns 9 anos de idade quando um dia encontrei um violão velho em cima de um guarda-roupa (até hoje me pergunto de quem era) em uma das casas que morei, na época era bem comum minha família não permanecer mais de um ano na mesma casa, (o que me fazia ter que me mudar muito). Na minha família não há músicos nem incentivo por parte deles, muito embora que por influência da minha mãe e seus vinis tive meu primeiro contato de fato com música, como The Cure, Sigue Sigue Sputnik e etc... Certa vez conheci um grande amigo até hoje (o Kadu Hammet) e por tardes, observava ele tocando sua guitarra e achava muito bacana, posteriormente ele fez alguns projetos por conta própria como Luxúria das Valquirias, Perverted Midnights e Noite Horrenda. Tudo aquilo era fascinante, observá-lo usando uma câmera pra gravar de um amp, depois usar um editor de vídeos para juntar tudo, então devo tudo o que construí até aqui a ele (uma vez que ele me emprestava muitos discos do seu extenso acervo).
Astratta: Eu comecei a me interessar por música muito cedo, meus pais sempre ouviram muita música de forma eclética. Na minha casa ouvíamos de tudo, música clássica, heavy metal, rock psicodélico, progressivo, eletrônica... até o mais suave jazz. Quando eu tinha meus seis anos de idade, eu costumava acompanhar a minha mãe nas casas de shows onde ela se apresentava como artista solo, (sim, ela é musicista) quando eu estava nesses lugares, sempre observava o baterista, fascinada pelo instrumento. Até que uma vez, durante uma pausa entre uma apresentação e outra, fui correndo desesperadamente até a bateria. Alguns minutos depois eu já estava acompanhando a minha mãe em uma de suas músicas. Foi mágico. Desde então fui melhorando como baterista e participei de algumas ‘lives’ com algumas bandas, onde tive um bom aprendizado. Depois de um tempo, comecei a me interessar por instrumentos de corda, como guitarra e violão. Só então em meados de 2015 pude ter acesso a equipamentos de gravação e pude também iniciar o meu primeiro projeto musical. Desde então, tenho trabalhado com diversos tipos de música me envolvendo cada vez mais com coisas que amo, como música experimental e metal.

Vocês somam uma quantidade bastante considerável de bandas e projetos. Ambos se unem em muitos deles e, também, carregam seus projetos solos. Como se dá o processo de composição e construção de melodia? Tanto nas parcerias quanto sozinhos, vocês se inspiram em quê?
Érdos: Quando iniciei criando músicas eu criava as melodias no violão e as gravava com o celular. Como não tinha a menor condição (nem conhecimento) pra gravar nada, as idéias permaneciam guardadas. As primeiras letras eu rascunhava no meu antigo caderno de escola. (Faz tempo hem). Posteriormente estudando comecei a gravar o teclado no computador, tudo muito chiado (Lo-Fi é chique), daí saiu a primeira demo do V/H/S intitulada "Entardeceres Invividos" (primeira demo feita numa DAW* ela, como tudo o que eu criava, era carregada no SoundCloud. Inicialmente, isso foi uma experiência legal, onde consegui concluir algo. Posteriormente, as melodias (aquelas do início que eu gravava com o celular) só se tornaram músicas mesmo com a ajuda de Astratta. Bem, isso originou nosso primeiro Full-Length "Opus DCLXVI", nele coloquei todas as antigas melodias e letras de momentos diversos de minha vida. E por fim, atualmente, meu processo de composição mudou muito. Às vezes tenho um estalo na mente e anoto alguma ideia para abordar, e como tenho sentimentos e momentos diversos de minha vida, preciso de várias bandas para que eu possa explorar isso de forma adequada, no Autoquíria por exemplo, eu abordo o Alzheimer da minha avó, as lembranças de bons momentos e pequenos nuances que presenciei, como meu primeiro contato com a perda (e o choque de realidade que isso despertou). Resumindo um pouco, componho sem saber aonde vou, no final da composição eu decido onde melhor se encaixa o que, e acabo por usar letras que a muito já tenho guardadas.
Astratta: Eu não tenho noção do que estou fazendo. Simplesmente, abro minha DAW e dentro de algumas horas já tenho uma música pronta. Curioso não?!

*DAW (Digital Audio Workstation) em português “Estação de Trabalho de Áudio Digital” é um sequenciador que tem a finalidade de gravar, editar e tocar áudio digital. Originalmente, os DAWs eram máquinas que não faziam uso de fita magnética para tratar áudio, sendo baseadas em microprocessadores. Atualmente, com o uso popular de microcomputadores e smartphones, existem uma gama de softwares e aplicativos que realizam essas funções tais como Audacity, FL Studio, Pro Tools entre outros.

Todos os projetos, ou a maior parte, seguem na linha do metal, mais especificamente do metal extremo. Vocês costumam escutar outros gêneros musicais? Quais?
Érdos: Sem dúvidas, eu aprecio a boa música e suas mais diversas expressões como o folk, a música ambiente, stone, música experimental, post-punk e industrial e, com o advento da internet nos últimos anos, tem surgido inúmeros gêneros que me influenciam bastante, como o chiptune, nintendocore, vaporwave, retrowave, até bandas que flertam entre gêneros como música barroca e metal. Acho que o metal é algo que transcende eras e é intrínseco que irá continuar surgindo subgêneros e mesclas que sempre estarei ansioso para ouvir.
Astratta: Sim, embora eu seja mais conhecida no meio do metal extremo, sou uma grande fã da música experimental em si, principalmente da música eletrônica experimental (IDM) e jazz fusion.

Em qual projeto iniciou a primeira parceria de vocês, e como surgiu essa conexão? Já se conheciam, haviam tido algum contato prévio?
Astratta: O Érdos já gravava suas próprias músicas quando o conheci, a gente se dava muito bem, falávamos sobre música o tempo todo e tínhamos os gostos parecidos. Até que um dia ele me propôs assumir as baterias do V/H/S. Eu não hesitei, ele tinha idéias incríveis e conseguia transmitir seus sentimentos mais profundos em seus riffs. Então veio nosso primeiro trabalho juntos, o já mencionado ‘Opus DCLXVI’, gravado em 2016 e liberado posteriormente pelo selo que criamos juntos (atualmente o Póstumo Sölstício Records).
Érdos: Somos inseparáveis. Compartilhamos todo nosso conhecimento entre nós, sempre que aprendemos ou conhecemos algo novo.

Ambos são músicos completos, cantam, tocam e compõem. Uma versatilidade admirável. Quando se unem para criar música, vocês definem seus lugares (quem vai cantar, compor, tocar os instrumentos) ou é algo que surge no momento e de acordo com a proposta musical?
Astratta: Depende. Eu não tenho muita habilidade na escrita, então eu prefiro compor a parte instrumental e deixar que o Érdos escreva e cante quando estamos trabalhando juntos.
Érdos: Em minha defesa, há sempre uma briga pra decidir quem faz o que, então decidimos dividir apenas bandas que criamos juntos como o Synthsatan, haha.

É notável que a música está presente massivamente na vida de vocês. Vocês sentem que, de alguma forma, a música canaliza seus sentimentos e emoções sufocantes? Ela proporciona um escape positivo?
Érdos: Não é como em outros hobbies, é mais uma necessidade corriqueira, é algo que precisamos pra preencher o vazio e dar algum sentido a esta breve e efêmera estadia.
Astratta: O processo de composição funciona como uma terapia para mim, se algum dia eu ficar incapaz de criar música, seja por alguma doença, velhice ou algo do tipo, eu sei que nunca vou conseguir superar isso.

Vocês são pessoas, relativamente, conhecidas na cena underground aqui do país. Érdos, inclusive, é ilustrador e produz logotipos e outras artes para várias bandas. Astratta vêm fazendo parcerias com tantos outros músicos. Como vocês vêem essa cena, mais especificamente do Depressive Black Metal, aqui no Brasil?
Érdos: Há realmente uma quantidade considerável de bandas todas as semanas (eu confesso que não consigo mais acompanhar) e isso é ótimo, ver que o conhecimento e o poder que antes era detido apenas pela indústria fonográfica agora está sendo amplamente divulgado e cada vez mais pessoas adotam o DIY*, metem as caras e fazem algo que dê algum sentido a suas vidas, seja na música quanto na arte, eu valorizo essa expressão artística mais pessoal que vem ocorrendo nesses últimos anos.
Astratta: Você sempre pode ver novos projetos de Depressive Black Metal surgindo todos os dias, tanto projeto solos quanto projetos interestaduais. Me impressiona o quanto isso vem crescendo no país. Se eu interagisse mais na internet, de fato, teria a chance de conhecer muito mais pessoas neste meio.

*DIY (do it yourself) em português “Faça-Você-Mesmo” é um termo para indicar o método de construção, modificação ou reparação das coisas sem a ajuda direta de especialistas ou profissionais. Na música é usado para se referir a bandas ou artistas solos e que lançam suas músicas de forma independente ou em gravadoras autofinanciadas.



Montosse traz o encaixe entre a melancolia e o sombrio. É interessante e, ao mesmo tempo, intrigada tal relação. É perceptível que muitas pessoas que apreciam a música depressiva suicida também gostam da cultura do horror (filmes, livros, imagens, etc.). Érdos, para você que compõe as letras desse projeto, você acredita que a existência humana é dolorosa e também pavorosa e, por isso, gera essa busca pelo obscuro?
Érdos: Acredito que o medo é inerente a nossa existência, desde muito pequenos já nascemos chorando (tememos sem nem saber a que), quando crianças estamos cercados por histórias de horror, seja no canto escuro do quarto, ou na maldade de uma história onde a bruxa envenena uma garota, ou até nos televisores antigos com monitores CRT (que quando estavam desligados eu procurava pareidolias ali). Quando mais velhos entendemos parte das coisas que acontecem ao redor do mundo e bem essa parte preferimos viver em negação a pensar todos como vermes em potencial, o ser humano por vezes se provou desprezível, seja pelo maltrato animal ou em coisas bem mais horrendas, partindo pra parte mais irracional, costumamos não confrontar nossa mortalidade, viver na ilusão de que enquanto houver amanhã, nós ou quem amamos não irão morrer e, pra ser sincero, o mistério por trás da morte tem sua beleza, nesse caso o medo é algo tão enraizado no inconsciente e de certa forma gostamos disso, a beleza está no efêmero, se vivêssemos para sempre, que graça haveria? Pra mim, o metal extremo preencheu parte da minha necessidade pelo obscuro, tal como a literatura de horror (como do mestre Lovecraft que guia parte da inspiração para o Montosse com seu horror cósmico), os filmes que assistia quando criança (e não dormia suspeitando que uma mão gelada repousaria no meu ombro a qualquer momento, haha). Bem, o medo cumpre o seu papel em nos lembrar que somos mortais e que tanto a humanidade quanto a natureza são cruéis.

As mulheres têm ganhado um espaço cada vez maior, seja no meio musical ou outras áreas artísticas. Como é sua relação com a Astratta, Érdos?
Érdos: Na maior parte do tempo nos damos bem, dividimos as mesmas coisas, assistimos os mesmos filmes, ouvimos as mesmas músicas e nos unimos pra trazer coisas sempre bem diferentes juntos, recentemente estou produzindo (tentando) um jogo e ela está envolvida em algumas partes. Então, independentemente de onde eu vá, eu sei que ela virá comigo.

Não são comuns apresentações ao vivo de bandas onde há um membro apenas, ou mesmo dois. Mas, vocês cogitam fazer algo assim no futuro?
Érdos: Bem, meu caro, pretendemos sim, possivelmente um dia haverá apresentações. No momento, estamos em um hiato financeiro, hahaha, e bem, todos os planos estão restritos à nossa organização futura. Estou atualmente tentando vender minha casa e mudar para um ônibus, e com isso vamos nos organizar para viajar pelo mundo e nos apresentarmos aonde formos.

É evidente a paixão pela música que ambos têm. Vocês costumam realizar suas atividades cotidianas ouvindo música? Quais bandas têm escutado recentemente, e quais podem indicar aos fãs?
Érdos: Costumava ouvir sempre um álbum a caminho do trabalho (vez que levava mais de uma hora pra chegar até lá) e principalmente na hora de dormir, de olhos fechados é um bom momento para refletir e apreciar a música sem interferências. Alguns álbuns me fazem ter sentimentos únicos, vou listar um de cada gênero pra não ficar extenso: (Oranssi Pazuzu) Valonielu; (ZombieHyperdrive) Hyperion; (Old Silver Key) Tales of Wanderings; (Kraftwerk)Computer World; (Luxúria de Lilith) Sucumbidos Pela Carne; (Amesoeurs)Amesoeurs; (Lorn) Vessel; (Igorrr) Hallelujah; (Deathstarts) Night ElectricNight; (Woods of Desolation) Torn Beyond Reason; (Insomnium) Shadows of theDying Sun; (Sólstafir) Svartir Sandar; (Symphony Draconis) Supreme Art of Renunciation; (Projeto Trator) Despacho; (Lifelover) Pulver.
Astratta: Eu escuto música praticamente o dia inteiro. Tanto por que eu amo ouvir música ou seja para acrescentar algum conhecimento no meu trabalho com produção musical. Acho que escuto cerca de cinco álbuns por dia. Eu vou mencionar o que tenho escutado recentemente, na verdade, eu fiz uma playlist com alguns dos meus artistas favoritos incluindo Hypomanie, SunDevoured Earth, Boards of Canada, Drab Majestyµ-Ziq, Clatterbox, Ghost Bath, Brothomstates, Rotting Christ. 

Considerações finais.
Érdos/Astratta: Agradecemos novamente a consideração que nos tem, e esperamos que mais pessoas tragam suas perspectivas de vida em forma de arte para o metal e se esforcem para tirar seus sentimentos cotidianos e depositar isso na música. Temos certeza de que há muitas pessoas com problemas diversos e a música é uma ótima terapia para lidar com tudo, grave seu primeiro som, faça seu primeiro riff ou escreva sua primeira letra. Espero termos ajudado alguém. Abraços.

Você pode encontrar todos os lançamentos solos de Érdos e Astratta, bem como as bandas/projetos onde ambos se unem, e mais informações no BandcampFacebookInstagramYouTube e VK.