sábado, 1 de abril de 2023

22 anos de Death - Pierce Me

 


Quando se fala em Depressive Suicidal Black Metal, Silencer é comumente a banda mais citada, possivelmente, devido a figura impactante de seu vocalista Nattramn, mas, para além da parte visual chocante associada a ele, o motivo real é que esta banda trouxe uma obra-prima em seu álbum de estreia e que soava muito diferente do que era encontrado em bandas de Black Metal na época.

Formada inicialmente pelo guitarrista Leere, no ano de 1995, Nattramn se juntou à banda alguns meses depois e ela se consolidou em um duo. Em 1998 gravam uma demo da música 'Death - Pierce Me', evidenciando os vocais agonizantes e afogados em um profundo sofrimento por Nattramn, e a melancolia muito bem trabalhada sonoramente por Leere. Esta música veio a se tornar o nome do primeiro e único álbum da banda, lançado em 1 de abril de 2001, e que teve a faixa-demo incluída em uma nova versão. Este álbum é realmente um material sonoro bastante difícil de digerir, no entanto, é um dos essenciais do DSBM e um dos poucos que se tornaram amplamente conhecido nesse meio.

Death - Pierce Me: A música homônima ao álbum inicia-se com um riff suave e cativante onde engana o ouvinte que desconhece o que está por vir. O ponto alto é justamente quando Nattramn surge com seus lamentos rasgando a garganta e implora pela morte. A parte instrumental é muito bem encorpada, com belos riffs e solos de guitarra, marcantes levadas de bateria e linhas de baixo que, embora caminham por vias uniformes com os acordes de guitarra, são bastante expressivos. A finalização dessa música, bem como de todas as outras do álbum, é algo muito interessante, fecha-se de forma precisa.

Sterile Nails and Thuderbowels é a canção da banda que ganhou maior destaque e, sem dúvidas, é esta a música que evidencia a sublime musicalidade de Leere, afinal, se não fosse por ele, provavelmente, este álbum não teria entrado na história como um clássico do DSBM. Ele fornece uma majestosa atmosfera para as lamúrias atormentadoras de Nattramn, que se estivesse vociferando suas dores sem música, obviamente, não soaria como música. A união musical desses dois é uma expressão sincera de como a boa música pode surgir quando há fidelidade naquilo que se quer transmitir.

Taklamakan é, geralmente, a que mais atrai as pessoas porque, supostamente, Nattramn estava se cortando severamente e engasgando-se durante a gravação dela. É possível ouvir esses sons de forma nítida. Os riffs de baixo que abrem a canção também são bastante marcantes e mantém o ouvinte atento, apenas aguardando o que está por vir. Logo a música explode e, dolorosamente, os traumas existenciais de Nattramn eclodem junto. Os riffs de guitarra são simples, mas muito bem inseridos e se complementam com a bateria bastante rápida. Nessa música Nattramn vai ao extremo, como se estivesse em seu nível máximo de insanidade.

The Slow Kill In The Cold parece ser um contraste à faixa anterior e, com um fluxo lento, suave e melancólico de sintetizador, conduz o ouvinte a uma certa calmaria. Mas, antes mesmo do ouvinte poder imaginar uma paisagem menos sufocante que fôra criada por esta faixa, é novamente lançado às angústias lacerantes de Nattramn que se seguem pela faixa seguinte.

Shall Lead, You Shall Follow mantêm a rapidez rítmica incessantemente. É uma viagem sonora em velocidade, mas sem perder o ar desesperador que paira sobre todo o álbum.

Feeble Are You - Sons Of Sion encerra o álbum e é uma canção executada apenas no piano trazendo consigo a sensação de uma certa calmaria depois que não existe mais nada a ser destruído, pois tudo está morto, terminado, encerrado.

 

O que tornou a banda conhecida no meio do Black Metal foram os vários rumores, suposições e lendas que se mesclaram a eventos reais ocorridos com Nattramn. Nattramn não queria apenas expressar sua dor e angústia através de suas letras e seus vocais, ele queria que a música soasse o mais real possível para que o ouvinte pudesse sentir quão desesperado ele estava. E ele decidiu se automutilar antes e durante as gravações de cada faixa. Seus gritos eram de extrema dor, uma mistura do que ele estava sentindo fisicamente naquele momento junto com as dores mentais que ele já arrastava por anos. Gritos, urros, choros e sons de ânsia de vômito e engasgamento podem ser ouvidos nas músicas. Esses detalhes incomuns somaram para que os críticos descreverem a música de Silencer como ruídos tolos e sem graça, mas, quando se olha para as características estéticas que são tecidas a partir da subjetividade emocional complexa de Nattramn e Leere, fica claro que todos os instrumentos, as falas, lamentos, urros e gritos sobem do mais profundo poço onde habitam os seres massacrados pela existência humana. Pouco tempo após o lançamento do álbum, Nattramn foi encaminhando para um hospital psiquiátrico em período integral de internação, e a banda encerrou atividades após esse evento. Independente dos vários boatos, inverdades e datas imprecisas, o fato é que em suas músicas Nattramn expressou todo o seu desespero e sua insatisfação para com a vida e com o mundo, isso de maneira bastante direta. Ele enfatizou a natureza de seus gritos estridentes, de alguém que estava sofrendo e sendo atormentado incansavelmente. Uma foto de Nattramn acabou sendo disseminada junto do álbum e, nela, ele se encontra com uma máscara ensanguentada e com bandagens manchadas de sangue nas mãos, nas quais aparecem pés de porco amarrados. Propagou-se que Nattramn se torturava durante as gravações das músicas e acabou amputando as mãos para substituí-las pelos pés de porco, mas, o que ele fez, de fato, foi amarrar com as bandagens os pés de porco às mãos. Mesmo vinte anos após seu lançamento, ainda há quem tache este álbum como uma peça horrível e que deve ser esquecida, como algo que deve ser retirado do Black Metal - a banda sempre disse fazer Black Metal e nada além -, mas não, não há motivos para essas duras críticas quando se analisa a banda, o álbum, as expressões ali colocadas sem vestimentas. Essas melodias foram arrancadas de momentos altamente emocionais e genuínos. Elas se uniram para formar uma camada crua, porém reveladora e intrigante. As letras são muito pessoais e/ou confessionais, que Nattramn escreveu para exorcizar seus demônios mais terríveis. Isso pode ser lido, escutado e mesmo visualizado - em paisagens mentais - como um vislumbre de momentos específicos da vida de um homem atormentado pela dor, pela loucura, pela existência cruel onde o sofrimento é imensurável. Há muita crueza e mensagens diretas em suas composições, mas, também, há espaço para abstrações. As letras e as melodias são muito mais emocionais do que se pode enxergar de início, e há imagens subjetivas e extremamente pessoais que não se pode encontrar na maioria das músicas de outras bandas do gênero. Nattramn e Leere uniram a profundidade dolorosa e escura de si mesmos, do sofrimento pessoal, e sangraram isto tudo em um estúdio de gravação.  Não existiu um objetivo, usando essa linguagem direta ou abstrata, de evocar algo, mas sim de expurgar. Expurgar tudo que corroía internamente e sangrava para além da carne. Tanto é que este álbum não pode ser tido em meio termo, por isso, ou se gosta ou não se gosta dele. O ouvinte vai defini-lo de acordo com o que se deseja capturar dele e de como pode sentir empatia por estes ou quaisquer outros músicos, pois as músicas deste álbum se manifestam como instantâneos pessoais de estados emocionais extremos e narrativas sombrias que procuram falar em uma linguagem de angústia, dor, desespero, que pode ser atraente ao ouvinte porque este pode ou não ter vivenciado momentos semelhantes.

Para o Depressive Suicidal Black Metal este é um álbum de extrema importância e que agrega, definitivamente, aos álbuns onde a dor é muito palpável e para além de meras impressões.


Discografia:

Death, Pierce Me (demo) [1998]

Death, Pierce Me (álbum completo) [2001]


• Fotos de Nattramn disponibilizadas no 20º aniversário do álbum


Obs: Vale reforçar que as imagens que circulam na internet de Nattramn sem bandagens, não é o Nattramn do Silencer, mas sim Rikard Bjernegård, da banda Frostrike. Ele também usou o pseudônimo Nattramn em sua banda, e, como ela também é uma banda de Black Metal sueca, a internet fica vinculando ambos como se fossem a mesma pessoa, e, por consequência, muitas pessoas continuam propagando esse erro até hoje.

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