O Brasil tem uma quantidade inumerável de artistas
independentes que, apesar do alcance extraordinário que a internet oferece,
ainda se mantém desconhecidos até no meio Underground. No entanto, essas duas
pessoas mencionadas aqui, de enorme talento e simpatia, vêm pouco a pouco
percorrendo o caminho do meio musical e trazendo sua arte sonora para todos que
apreciam a música em sua forma mais honesta. Tivemos o prazer de conversar com o músico Érdos e a musicista Astratta, ambos
a frente de vários projetos e bandas, tanto solos quanto juntos, entre eles
estão Autoquíria, Den Svarta Häxan, Synthsatan, Encephalo Swarm, Entardecer,
Xaktenarh, MDZhB, V/H/S, Montosse... e, com tanta expressão de criatividade
assim, fez com que criassem o próprio selo musical o Póstumo Sölstício Records.
Evidentemente, a música não é um mero hobby para ambos, ela é algo que se
tornou inerente à rotina dessa dupla.
Quais são suas influências musicais? Vocês têm familiares
no meio da música, ou foi um interesse que partiu de vocês mesmos? E com
quantos anos iniciaram na música?
Érdos: Olá pessoal, agradecemos a oportunidade desta
entrevista! Bem, comecei a me interessar por música acho que com uns 9 anos de
idade quando um dia encontrei um violão velho em cima de um guarda-roupa (até
hoje me pergunto de quem era) em uma das casas que morei, na época era bem
comum minha família não permanecer mais de um ano na mesma casa, (o que me
fazia ter que me mudar muito). Na minha família não há músicos nem incentivo
por parte deles, muito embora que por influência da minha mãe e seus vinis tive
meu primeiro contato de fato com música, como The Cure, Sigue Sigue Sputnik e
etc... Certa vez conheci um grande amigo até hoje (o Kadu Hammet) e por tardes,
observava ele tocando sua guitarra e achava muito bacana, posteriormente ele
fez alguns projetos por conta própria como Luxúria das Valquirias, Perverted
Midnights e Noite Horrenda. Tudo aquilo era fascinante, observá-lo usando uma
câmera pra gravar de um amp, depois usar um editor de vídeos para juntar tudo,
então devo tudo o que construí até aqui a ele (uma vez que ele me emprestava
muitos discos do seu extenso acervo).
Astratta: Eu comecei a me interessar por música muito cedo,
meus pais sempre ouviram muita música de forma eclética. Na minha casa ouvíamos
de tudo, música clássica, heavy metal, rock psicodélico, progressivo, eletrônica...
até o mais suave jazz. Quando eu tinha meus seis anos de idade, eu costumava
acompanhar a minha mãe nas casas de shows onde ela se apresentava como artista
solo, (sim, ela é musicista) quando eu estava nesses lugares, sempre observava
o baterista, fascinada pelo instrumento. Até que uma vez, durante uma pausa
entre uma apresentação e outra, fui correndo desesperadamente até a bateria.
Alguns minutos depois eu já estava acompanhando a minha mãe em uma de suas
músicas. Foi mágico. Desde então fui melhorando como baterista e participei de
algumas ‘lives’ com algumas bandas, onde tive um bom aprendizado. Depois de um
tempo, comecei a me interessar por instrumentos de corda, como guitarra e
violão. Só então em meados de 2015 pude ter acesso a equipamentos de gravação e
pude também iniciar o meu primeiro projeto musical. Desde então, tenho
trabalhado com diversos tipos de música me envolvendo cada vez mais com coisas
que amo, como música experimental e metal.
Vocês somam uma quantidade bastante considerável de bandas e projetos. Ambos se unem em muitos deles e, também, carregam seus projetos solos. Como se dá o processo de composição e construção de melodia? Tanto nas parcerias quanto sozinhos, vocês se inspiram em quê?
Vocês somam uma quantidade bastante considerável de bandas e projetos. Ambos se unem em muitos deles e, também, carregam seus projetos solos. Como se dá o processo de composição e construção de melodia? Tanto nas parcerias quanto sozinhos, vocês se inspiram em quê?
Érdos: Quando iniciei criando músicas eu criava as melodias
no violão e as gravava com o celular. Como não tinha a menor condição (nem
conhecimento) pra gravar nada, as idéias permaneciam guardadas. As primeiras
letras eu rascunhava no meu antigo caderno de escola. (Faz tempo hem). Posteriormente
estudando comecei a gravar o teclado no computador, tudo muito chiado (Lo-Fi é
chique), daí saiu a primeira demo do V/H/S intitulada "Entardeceres
Invividos" (primeira demo feita numa DAW* ela, como tudo o que eu criava,
era carregada no SoundCloud. Inicialmente, isso foi uma experiência legal, onde
consegui concluir algo. Posteriormente, as melodias (aquelas do início que eu
gravava com o celular) só se tornaram músicas mesmo com a ajuda de Astratta. Bem,
isso originou nosso primeiro Full-Length "Opus DCLXVI", nele coloquei
todas as antigas melodias e letras de momentos diversos de minha vida. E por
fim, atualmente, meu processo de composição mudou muito. Às vezes tenho um
estalo na mente e anoto alguma ideia para abordar, e como tenho sentimentos e
momentos diversos de minha vida, preciso de várias bandas para que eu possa
explorar isso de forma adequada, no Autoquíria por exemplo, eu abordo o Alzheimer
da minha avó, as lembranças de bons momentos e pequenos nuances que presenciei,
como meu primeiro contato com a perda (e o choque de realidade que isso
despertou). Resumindo um pouco, componho sem saber aonde vou, no final da
composição eu decido onde melhor se encaixa o que, e acabo por usar letras que
a muito já tenho guardadas.
Astratta: Eu não tenho noção do que estou fazendo.
Simplesmente, abro minha DAW e dentro de algumas horas já tenho uma música
pronta. Curioso não?!
*DAW (Digital Audio Workstation) em português “Estação de Trabalho de Áudio Digital” é um sequenciador que tem a finalidade de gravar, editar e tocar áudio digital. Originalmente, os DAWs eram máquinas que não faziam uso de fita magnética para tratar áudio, sendo baseadas em microprocessadores. Atualmente, com o uso popular de microcomputadores e smartphones, existem uma gama de softwares e aplicativos que realizam essas funções tais como Audacity, FL Studio, Pro Tools entre outros.
Todos os projetos, ou a maior parte, seguem na linha do metal, mais especificamente do metal extremo. Vocês costumam escutar outros gêneros musicais? Quais?
Érdos: Sem dúvidas, eu aprecio a boa música e suas mais
diversas expressões como o folk, a música ambiente, stone, música experimental,
post-punk e industrial e, com o advento da internet nos últimos anos, tem
surgido inúmeros gêneros que me influenciam bastante, como o chiptune,
nintendocore, vaporwave, retrowave, até bandas que flertam entre gêneros como
música barroca e metal. Acho que o metal é algo que transcende eras e é
intrínseco que irá continuar surgindo subgêneros e mesclas que sempre estarei
ansioso para ouvir.
Astratta: Sim, embora eu seja mais conhecida no meio do
metal extremo, sou uma grande fã da música experimental em si, principalmente
da música eletrônica experimental (IDM) e jazz fusion.
Em qual projeto iniciou a primeira parceria de vocês, e como surgiu essa conexão? Já se conheciam, haviam tido algum contato prévio?
Astratta: O Érdos já gravava suas próprias músicas quando o
conheci, a gente se dava muito bem, falávamos sobre música o tempo todo e
tínhamos os gostos parecidos. Até que um dia ele me propôs assumir as baterias
do V/H/S. Eu não hesitei, ele tinha idéias incríveis e conseguia transmitir
seus sentimentos mais profundos em seus riffs. Então veio nosso primeiro trabalho
juntos, o já mencionado ‘Opus DCLXVI’, gravado em 2016 e liberado
posteriormente pelo selo que criamos juntos (atualmente o Póstumo Sölstício
Records).
Érdos: Somos inseparáveis. Compartilhamos todo nosso
conhecimento entre nós, sempre que aprendemos ou conhecemos algo novo.
Ambos são músicos completos, cantam, tocam e compõem. Uma versatilidade admirável. Quando se unem para criar música, vocês definem seus lugares (quem vai cantar, compor, tocar os instrumentos) ou é algo que surge no momento e de acordo com a proposta musical?
Astratta: Depende. Eu não tenho muita habilidade na escrita,
então eu prefiro compor a parte instrumental e deixar que o Érdos escreva e
cante quando estamos trabalhando juntos.
Érdos: Em minha defesa, há sempre uma briga pra decidir quem
faz o que, então decidimos dividir apenas bandas que criamos juntos como o
Synthsatan, haha.
É notável que a música está presente massivamente na vida de vocês. Vocês sentem que, de alguma forma, a música canaliza seus sentimentos e emoções sufocantes? Ela proporciona um escape positivo?
Érdos: Não é como em outros hobbies, é mais uma necessidade
corriqueira, é algo que precisamos pra preencher o vazio e dar algum sentido a
esta breve e efêmera estadia.
Astratta: O processo de composição funciona como uma terapia
para mim, se algum dia eu ficar incapaz de criar música, seja por alguma
doença, velhice ou algo do tipo, eu sei que nunca vou conseguir superar isso.
Vocês são pessoas, relativamente, conhecidas na cena underground aqui do país. Érdos, inclusive, é ilustrador e produz logotipos e outras artes para várias bandas. Astratta vêm fazendo parcerias com tantos outros músicos. Como vocês vêem essa cena, mais especificamente do Depressive Black Metal, aqui no Brasil?
Érdos: Há realmente uma quantidade considerável de bandas
todas as semanas (eu confesso que não consigo mais acompanhar) e isso é ótimo,
ver que o conhecimento e o poder que antes era detido apenas pela indústria
fonográfica agora está sendo amplamente divulgado e cada vez mais pessoas
adotam o DIY*, metem as caras e fazem algo que dê algum sentido a suas vidas,
seja na música quanto na arte, eu valorizo essa expressão artística mais
pessoal que vem ocorrendo nesses últimos anos.
Astratta: Você sempre pode ver novos projetos de Depressive
Black Metal surgindo todos os dias, tanto projeto solos quanto projetos
interestaduais. Me impressiona o quanto isso vem crescendo no país. Se eu
interagisse mais na internet, de fato, teria a chance de conhecer muito mais
pessoas neste meio.
*DIY (do it yourself) em português “Faça-Você-Mesmo” é um termo para indicar o método de construção, modificação ou reparação das coisas sem a ajuda direta de especialistas ou profissionais. Na música é usado para se referir a bandas ou artistas solos e que lançam suas músicas de forma independente ou em gravadoras autofinanciadas.
*DIY (do it yourself) em português “Faça-Você-Mesmo” é um termo para indicar o método de construção, modificação ou reparação das coisas sem a ajuda direta de especialistas ou profissionais. Na música é usado para se referir a bandas ou artistas solos e que lançam suas músicas de forma independente ou em gravadoras autofinanciadas.
Montosse traz o encaixe entre a melancolia e o sombrio. É
interessante e, ao mesmo tempo, intrigada tal relação. É perceptível que muitas
pessoas que apreciam a música depressiva suicida também gostam da cultura do
horror (filmes, livros, imagens, etc.). Érdos, para você que compõe as letras desse
projeto, você acredita que a existência humana é dolorosa e também pavorosa e,
por isso, gera essa busca pelo obscuro?
Érdos: Acredito que o medo é inerente a nossa existência,
desde muito pequenos já nascemos chorando (tememos sem nem saber a que), quando
crianças estamos cercados por histórias de horror, seja no canto escuro do
quarto, ou na maldade de uma história onde a bruxa envenena uma garota, ou até
nos televisores antigos com monitores CRT (que quando estavam desligados eu
procurava pareidolias ali). Quando mais velhos entendemos parte das coisas que
acontecem ao redor do mundo e bem essa parte preferimos viver em negação a
pensar todos como vermes em potencial, o ser humano por vezes se provou desprezível,
seja pelo maltrato animal ou em coisas bem mais horrendas, partindo pra parte
mais irracional, costumamos não confrontar nossa mortalidade, viver na ilusão
de que enquanto houver amanhã, nós ou quem amamos não irão morrer e, pra ser
sincero, o mistério por trás da morte tem sua beleza, nesse caso o medo é algo
tão enraizado no inconsciente e de certa forma gostamos disso, a beleza está no
efêmero, se vivêssemos para sempre, que graça haveria? Pra mim, o metal extremo
preencheu parte da minha necessidade pelo obscuro, tal como a literatura de
horror (como do mestre Lovecraft que guia parte da inspiração para o Montosse
com seu horror cósmico), os filmes que assistia quando criança (e não dormia
suspeitando que uma mão gelada repousaria no meu ombro a qualquer momento, haha).
Bem, o medo cumpre o seu papel em nos lembrar que somos mortais e que tanto a
humanidade quanto a natureza são cruéis.
As mulheres têm ganhado um espaço cada vez maior, seja no meio musical ou outras áreas artísticas. Como é sua relação com a Astratta, Érdos?
Érdos: Na maior parte do tempo nos damos bem, dividimos as
mesmas coisas, assistimos os mesmos filmes, ouvimos as mesmas músicas e nos
unimos pra trazer coisas sempre bem diferentes juntos, recentemente estou
produzindo (tentando) um jogo e ela está envolvida em algumas partes. Então, independentemente
de onde eu vá, eu sei que ela virá comigo.
Não são comuns apresentações ao vivo de bandas onde há um membro apenas, ou mesmo dois. Mas, vocês cogitam fazer algo assim no futuro?
Érdos: Bem, meu caro, pretendemos sim, possivelmente um dia haverá
apresentações. No momento, estamos em um hiato financeiro, hahaha, e bem, todos
os planos estão restritos à nossa organização futura. Estou atualmente tentando
vender minha casa e mudar para um ônibus, e com isso vamos nos organizar para
viajar pelo mundo e nos apresentarmos aonde formos.
É evidente a paixão pela música que ambos têm. Vocês costumam realizar suas atividades cotidianas ouvindo música? Quais bandas têm escutado recentemente, e quais podem indicar aos fãs?
Érdos: Costumava ouvir sempre um álbum a caminho do trabalho
(vez que levava mais de uma hora pra chegar até lá) e principalmente na hora de
dormir, de olhos fechados é um bom momento para refletir e apreciar a música
sem interferências. Alguns álbuns me fazem ter sentimentos únicos, vou listar
um de cada gênero pra não ficar extenso: (Oranssi Pazuzu) Valonielu; (ZombieHyperdrive) Hyperion; (Old Silver Key) Tales of Wanderings; (Kraftwerk)Computer World; (Luxúria de Lilith) Sucumbidos Pela Carne; (Amesoeurs)Amesoeurs; (Lorn) Vessel; (Igorrr) Hallelujah; (Deathstarts) Night ElectricNight; (Woods of Desolation) Torn Beyond Reason; (Insomnium) Shadows of theDying Sun; (Sólstafir) Svartir Sandar; (Symphony Draconis) Supreme Art of Renunciation;
(Projeto Trator) Despacho; (Lifelover) Pulver.
Astratta: Eu escuto música praticamente o dia inteiro. Tanto
por que eu amo ouvir música ou seja para acrescentar algum conhecimento no meu
trabalho com produção musical. Acho que escuto cerca de cinco álbuns por dia.
Eu vou mencionar o que tenho escutado recentemente, na verdade, eu fiz uma
playlist com alguns dos meus artistas favoritos incluindo Hypomanie, SunDevoured Earth, Boards of Canada, Drab Majesty, µ-Ziq, Clatterbox, Ghost Bath, Brothomstates, Rotting Christ.
Considerações finais.
Érdos/Astratta: Agradecemos novamente a consideração que nos
tem, e esperamos que mais pessoas tragam suas perspectivas de vida em forma de
arte para o metal e se esforcem para tirar seus sentimentos cotidianos e
depositar isso na música. Temos certeza de que há muitas pessoas com problemas
diversos e a música é uma ótima terapia para lidar com tudo, grave seu primeiro
som, faça seu primeiro riff ou escreva sua primeira letra. Espero termos
ajudado alguém. Abraços.
Você pode encontrar todos os lançamentos solos de Érdos e
Astratta, bem como as bandas/projetos onde ambos se unem, e mais informações
no Bandcamp, Facebook, Instagram, YouTube e VK.
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