sábado, 15 de março de 2025

Entrevista com Ofdrykkja

Esta entrevista foi feita originalmente pelo site Bardo Methodology. Foram 3 entrevistas em períodos diferentes, uma com a banda Ofdrykkja, uma apenas com Drabbad e outra com o Pessimisten. Aqui elas estão traduzidas para o português somando ainda informações para complementar e criando uma linha do tempo, pois enquanto a entrevista feita com a banda se foca na fase atual dela - que abandonou o DSBM -, nas entrevistas individuais o foco são questões pessoais, lutas diárias, o passado com a banda Apati, também fala sobre Obehag e toda a vida destrutiva dos membros.  Acredito que todos e todas que sejam não apenas fãs da banda, mas que curtam DSBM em geral, devam ler esta entrevista. Há muitos detalhes sobre as gravações, vivências dos membros, suas batalhas contra os transtornos mentais e dependência química entre outros assuntos relacionados.



Emergindo das entranhas do underground do Black Metal sueco, Ofdrykkja tornou-se um testemunho de resiliência e renascimento. Esta é a história de uma banda de Depressive Suicidal Black Metal que deixou tudo para trás em busca de redenção.

Conte-nos como foi a sua internação hospitalar.

Pessimisten: A última coisa que me lembro é de estar sentado em um complexo de fábricas abandonadas com alguns amigos. Eu estava consumindo latas de Elk Brew: uma cerveja com 7,5% de teor alcoólico, provavelmente a maneira mais barata de ficar bêbado naquela época. Certamente não estava bebendo por causa do sabor. Depois disso, minhas memórias são nebulosas. Aparentemente, fiquei tão bêbado e irritante que os outros me deixaram. Então encontrei meu amigo sem-teto com a receita de Subutex* e o persuadi a me dar um de seus comprimidos. Mais tarde, encontrei alguns caras que conhecia e comprei algumas cápsulas de Fenazepam*.

*Subutex é um medicamento opioide para viciados em heroína que não conseguem parar com esta droga, semelhante à metadona. *O fenazepam é um benzodiazepínico extremamente potente e de longa duração. Naquela época, a droga ainda não havia sido classificada como substância ilícita na Suécia, portanto, ainda estava legalmente disponível online.

Pessimisten: Meu amigo havia encomendado cerca de meio quilo, então eu o convenci a me vender um pouco. Normalmente, uma pequena quantidade - como o tamanho de uma cabeça de alfinete - seria suficiente para te foder o dia inteiro. Mas no meu estado, eu precisaria de ainda menos, mas tomei várias cápsulas. Eu sabia que misturar benzos com álcool é mortal. Opioides com álcool são mortais e benzos com opioides são mortais. Na verdade, apenas a quantidade de álcool que eu bebi pode ser letal para a pessoa comum. Até um imbecil saberia o resultado desse coquetel.

Você acha que foi uma tentativa de suicídio?

Pessimisten: Duvido que estivesse conscientemente tentando acabar com minha vida, mas certamente não me importava se vivia ou morria. Logo depois, instiguei uma briga com um grupo de caras sem motivo. Mas eu estava tão fodido que eles nem precisaram me bater de volta; toda vez que eu dava um balanço, acabava caindo de cara no chão. Meus amigos foram embora quando comecei a provocar um segurança. Acabei sendo encontrado inconsciente e levado às pressas para o hospital.

Mais tarde, os médicos disseram que ele estava à beira de entrar em coma. Se Pessimisten tivesse chegado ao hospital apenas três minutos depois, provavelmente teria morrido.

Pessimisten: Nos primeiros dias depois de acordar, eu ainda estava tão dopado que não conseguia andar. Eu tive que usar uma cadeira de rodas para me locomover. Um amigo meu estava no mesmo hospital - ele misturou benzos com álcool e depois, de alguma forma, caiu da varanda do sétimo andar. Infelizmente, o cara que me vendeu o Fenazepam atirou em si mesmo dez anos depois. E meu amigo com a receita de Subutex também morreu, engasgando com o vômito em um abrigo para sem-teto.


Pessimisten

Cerca de uma semana após recuperar a consciência, Pessimisten conseguiu avançar com muletas. Apesar do conselho médico em contrário, ele optou por se dar alta e retornar para casa, ao porão da casa de sua mãe.

Pessimisten: Quando cheguei, ameacei minha mãe e seu marido com uma faca antes de destruir meu quarto com um taco de beisebol. A polícia veio, me algemou e me levou para a delegacia. Após a prisão, morei nas ruas por várias semanas. Não tenho certeza de onde estava ou o que fiz durante a maior parte desse período, mas me lembro das muletas. No total, um mês inteiro desapareceu da minha memória.

Os apagões extensos após uma overdose de benzodiazepínicos são geralmente causados por amnésia anterógrada, o que significa que novas memórias não são formadas adequadamente. Isso ocorre porque os benzodiazepínicos deprimem o sistema nervoso central e interferem na transferência de informações do armazenamento de memória de curto prazo para o de longo prazo.

Pessimisten: Quando comecei a recuperar meus sentidos, foi como despertar de um pesadelo - apenas para descobrir que estava em um pesadelo ainda pior. Não apenas estava sem-teto, mas logo percebi que muitos dos meus amigos haviam começado a abusar do Fenazepam. Todos eles acabariam arruinando suas vidas nos meses seguintes. Vários deles estão mortos agora.

Você voltou ao Fenazepam após a overdose?

Pessimisten: Não, eu nunca mais toquei nisso. À medida que minha razão retornou, pude ver quão rapidamente isso destruiu tantas pessoas ao meu redor. Além disso, eu nunca gostei de benzodiazepínicos, então foi fácil para mim me abster. Tenho certeza de que você pode imaginar como meus amigos se saíram, dado que possuíam quantidades quase infinitas. Uma das minhas primeiras memórias após acordar do estado de sonambulismo foi ficar no apartamento de um amigo junto com o Professor X e Obehag, do Apati.

Ambos estavam tomando Fenazepam; o Professor X dormiu por dois dias seguidos. Obehag havia caído no asfalto, arranhando todo o seu rosto e corpo. E agora, com os pais do nosso anfitrião prestes a visitar, Obehag havia se despido completamente e estava se recusando veementemente a se vestir ou deixar o apartamento a menos que recebesse mais drogas. Eventualmente, nós lhe oferecemos uma carreira de farinha, que ele cheirou com um enorme sorriso no rosto.



Apati foi formada pelos amigos David (C9H13N) e Fredrik Wolff (Obehag).
Somando-se Patient C e X

Apati lançou dois álbuns - Eufori em 2009 e Morgondageninställd i brist på intresse, em 2010. Ao saber da vida de Pessimisten (que utilizava o pseudônimo de C9H13N e usava uma máscara Hannya em seu rosto), de Obehag e Professor X (além da do Patient C que entrou mais tarde na banda) durante esse período torna suas letras brutalmente honestas fazendo ter uma leitura muito mais profunda.

Pessimisten: Apati é algo que deixei para trás e não me importaria de esquecer completamente. Aqueles foram alguns dos piores anos da minha vida. Éramos apenas adolescentes quando a banda começou, e isso é evidente. Embora eu tenha criado a ideia por trás de Apati, estive pouco envolvido em seu desenvolvimento musical. Minha contribuição para "Eufori" terminou com as letras, já que passei o ano inteiro de sua produção no exterior. Ao contrário da crença popular, nunca fui o vocalista principal da banda. Minha única participação foi alguns vocais ruins para um punhado de faixas no segundo álbum.

Como foi a produção de Morgondagen inställd i brist på intresse?

Pessimisten: Tivemos que passar vários dias esperando pelo viciado que deveria entregar as chaves do quarto de outra banda que abrigava alguns equipamentos. Nesse intervalo, bebemos quantidades copiosas de álcool no espaço de ensaio. Quando nossa gravação começou, estávamos completamente embriagados. Obehag se sujou e depois deu descarga em sua roupa íntima manchada, resultando em um entupimento. Eu estava tão alterado que vomitei e desmaiei durante uma gravação. Ao todo, a gravação combinada com a farra de drogas durou cerca de uma semana. Antes de desocupar o local, alguém tentou limpar todo o sangue do chão. Infelizmente, eu havia urinado no balde, então todo o lugar exalava o cheiro de urina depois disso. Para piorar a situação, o estúdio de ensaio compartilhava as instalações com um jardim de infância. Ao sair, vimos uma senhora tentando limpar o vômito - agora congelado pela fria noite de inverno - dos degraus que levavam à sala de brincadeiras para as crianças. Não surpreendentemente, não éramos mais bem-vindos depois disso.

Muito antes da banda Ofdrykkja existir, o segundo multi-instrumentista da banda, Drabbad, tocou na banda Lepra, enquanto Pessimisten cantou e escreveu letras para a Apati. Os caminhos dessas duas bandas se cruzariam em pouco tempo.

• Como você e Drabbad se conheceram?

Pessimisten: Isso teria sido por volta de 2005 ou 2006. Os membros da Apati, Obehag e Professor X, estavam parados em um ponto de ônibus no centro de Västerås quando foram abordados por um Drabbad extremamente dopado, que lhes deu uma nota com um link escrito à mão para a página da banda dele no Myspace. Antes de se afastar novamente, ele rosnou: 'Apoie a Lepra ou morra!'

Drabbad: Agora que você mencionou, eu realmente me lembro disso. Eu estava em uma loja de discos chamada Skivbörsen; você podia sentar lá e ouvir com fones de ouvido antes de comprar algo, e eles estavam sentados bem ao meu lado. Eu os vi ouvindo música, algum metal - estou quase certo de que era Anaal Nathrakh, entre outras coisas. De qualquer forma, eles saíram depois de um tempo e eu fiquei por ali por um tempo antes de sair também. Quando saí de lá, vi-os parados no ponto de ônibus e decidi me aproximar. Eu tinha tomado Xanax, então provavelmente me aproximei de forma bastante agressiva, quase gritando, e entreguei a eles o bilhete. Eles pareciam pontos de interrogação humanos. Bastante surpresos.

Pessimisten disse que este encontro peculiar despertou sua curiosidade, então decidiram investigar mais a fundo.

Pessimisten: Na página da Lepra, pudemos ver várias fotos de abuso de drogas e violência extrema auto-infligida. A música se revelou muito original e, para nossa surpresa, também bastante boa. Mais tarde, quando o Myspace do Apati foi criado, começamos a nos apoiar em nossos perfis e mantivemos um contato vago entre as bandas a partir de então.


Bödeln (falecido em 2020)

As fundações do que se tornou Ofdrykkja foram cimentadas em um belo dia de julho de 2010, e se houve alguma ocasião apropriada para o termo 'unidos pelo sangue' - esta seria. A aventura começa quando Drabbad está em um táxi a caminho de casa e faz uma parada ao longo do caminho para pegar um conhecido relativamente novo, Bödeln. A dupla chega à casa de Drabbad e começam a consumir grandes quantidades de diferentes benzodiazepínicos e drogas similares, através de uma variedade de orifícios.

Drabbad: Tenho uma vaga lembrança de minha mãe estar lá de mais cedo naquela manhã, enquanto injetávamos soluções retais de Zopiclone. O que significa que dissolvemos os comprimidos em água e injetamos a solução no velho orifício de esgoto usando uma seringa. Eu sei, depravação completa e absoluta. Meu nível de tolerância aos benzodiazepínicos estava fora dos gráficos, então logo percebi que, se quisesse fazer algum tipo de zumbido real, precisaria de bebidas alcoólicas. Então, fomos até a loja de bebidas para pegar um pouco de cerveja. Lembro-me de Bödeln abrindo uma lata e bebendo-a antes mesmo de sairmos da loja - digno de nota aqui é que ele não tinha minha tolerância e já estava claramente embriagado antes disso.

Voltando um pouco mais, conheci Bödeln pela primeira vez em 2009, quando ele e eu fomos presos juntos. Não na prisão, mas em uma instituição para usuários ​​de drogas. Fui enviado para lá após uma tentativa de suicídio que me deixou clinicamente morto por quatro minutos. A instalação se chama Älvgården e fica em Hedemora, Dalarna. Inicialmente, eles me enviaram para Frösön, mas logo foi fechada devido a - entre outras coisas - vários pacientes com overdose. Bödeln chegou logo depois de mim, e fizemos amizade. Ele era um homem notavelmente grande: bem alto, com uma constituição atlética. Claramente, ele tinha levantado pesos e se exercitado extensivamente durante toda a sua vida. Acho que Bödeln foi enviado para Älvgården depois de bater o carro enquanto dirigia embriagado ou algo assim. Passamos muito tempo juntos lá, e ele sempre pareceu calmo e amigável. Lembro-me de nós jogando The Elder Scrolls: Oblivion para passar o tempo. Bödeln me disse que ele podia ficar bem violento, embora eu nunca tenha visto tais tendências naquela época. Como a maioria das pessoas, ele era muito diferente sóbrio de quando bêbado ou drogado.

Bödeln foi o baterista da banda Ofdrykkja. Ele era um homem forte, com 120 quilos, que costumava ser instrutor de MMA (Artes Marciais Mistas, em português) antes de se dedicar ao Black Metal e entrar no mundo das substâncias tóxicas.

Drabbad: Ingerir altas doses de benzodiazepínicos é sempre uma péssima ideia, mas muitas vezes começa com a sobriedade e pensando: 'Ok, só vou tomar dois, só para relaxar um pouco', mas você rapidamente perde o julgamento. É o mesmo quando você está bebendo, 'não, eu não estou bêbado, me dê outra cerveja...', e uma vez que você chegou a esse estágio, você não se importa mais. Ao combinar benzos com álcool, o efeito é multiplicado várias vezes e você se transforma em um idiota com morte cerebral. Você repetirá exatamente as mesmas frases várias vezes por horas a fio. Por dias até, se você continuar. É impossível para qualquer pessoa sã sair com alguém que está sob a influência de benzos. Se você viu o filme Idiocracia, terá uma ideia do que estou falando.

Você pode agora, em um estado sóbrio, lembrar como é a sensação mental desta combinação?

Drabbad: Você está em um estado de euforia, sente-se ótimo e muito seguro; tem a impressão de que nada pode dar errado. Muitas vezes, está convencido de que não está nem um pouco alterado e pode ficar um pouco irritado com isso, mencionando constantemente. Quanto mais embriagado você está, menos embriagado você pensa que está e mais desagradável você se torna. Isso tende a alimentar as piores ideias, mas naquele momento você acha que são brilhantes. Definitivamente traz à tona o pior de você.

Após retornar à casa de Drabbad - que sua mãe já havia desocupado, felizmente - eles começaram a beber cerveja. De repente, Drabbad lembrou-se de que sempre quis as palavras 'griftefrid' (um termo sueco para "a paz prometida pela sepultura") e 'jordfäst', ("enterrado no solo"), gravadas em seus braços. Tentativas anteriores de recrutar amigos para assistência amadora em escarificação não haviam dado resultado, mas agora ele tinha acesso direto a um homem totalmente desprovido de preocupações morais incômodas; além de um conjunto novíssimo de facas extremamente afiadas, das quais Bödeln selecionou a de lâmina para cortar filé.

Drabbad: Fomos para o quarto, sentamos na cama e seguimos com nossos negócios. Qualquer pessoa normal provavelmente teria entrado no banheiro para fazer isso, mas não nós. Escolhemos o quarto. Mais tarde, notei ao ler o relatório policial que o banheiro era na verdade o único lugar em todo o apartamento onde não havia sangue. De qualquer forma, Bödeln começou a esculpir 'griftefrid' no meu braço, mas parou depois de um tempo exclamando: 'Eu sempre quis 'escuridão' nas minhas costas!' Eu realmente não queria fazer isso, eu só queria que minhas palavras escolhidas fossem talhadas em meus braços, mas eu estava, tipo, 'Tudo bem então...'. Então, levantei-me, peguei a faca e comecei a traçar letras enormes em suas costas. Quando você usa a ponta de uma lâmina grande e fina para esculpir algo na pele, há um ruído estranho que é um pouco especial. É como a combinação de um som metálico misturado com o de rasgar tecido, como rasgar um pano. Uma vez feito, eu estava tipo, 'Ok, agora vamos continuar com meus braços', então nos sentamos na cama de novo.


Drabbad

Não que os eventos até agora fossem de alguma forma normais, mas é aqui que a história toma um rumo verdadeiramente distorcido. Ao olhar para a palavra de tamanho modesto sendo esculpida em sua carne, em comparação com as letras massivas cobrindo as costas profusamente sangrentas de Bödeln, Drabbad se sentiu um pouco autoconsciente.

Drabbad: Achei que parecia fraco, como algo que uma garotinha faria, então comecei a provocá-lo e desafiá-lo. 'Vá mais fundo, não é profundo o suficiente! Mais fundo, mais fundo! Vamos, você consegue!'. Sem surpresa, ele finalmente agarrou meu braço com firmeza com uma mão e a faca de pão novinha em folha com lâmina serrilhada na outra, e começou a serrar como um louco em três pontos diferentes do meu antebraço. No começo, eu não disse nada - apenas sentei lá com a boca aberta, boquiaberto de surpresa. Então, de repente, fui atingido pela pior dor de todos os tempos quando ele foi direto para o osso, cortando um nervo. Acho que gritei naquele momento porque ele imediatamente "acordou", por assim dizer, e largou a faca. Ele começou a dizer 'Desculpe!' uma e outra vez e se jogou no chão. Eu estava sangrando muito e a cama estava coberta de sangue. Suponho que fiquei em choque, mas disse a ele 'Está tudo bem, não se preocupe!'

Depois de um tempo, ele se levantou e foi então que vi sangue literalmente escorrendo de sua mão. Ele deve ter caído sobre a faca ao cair no chão. Tentei verificar de onde estava vindo, mas não consegui ver nenhuma ferida. Peguei uma camisa ou algo assim e a amarrei em seu braço, mas isso não resolveu nada e o sangue continuou jorrando da mão.

Você ainda estava bebendo neste momento?

Drabbad: Não, só podíamos comprar algumas cervejas e as bebemos com rapidez suficiente. Já tínhamos engolido todas as pílulas que tínhamos - tome essa quantidade e você não voltará ao normal por alguns dias. Você pode pensar que está sóbrio, quando na verdade você está tudo menos isso. De qualquer forma, começamos a andar pelo meu apartamento, nós dois sangrando como porcos abatidos. Bödeln tirou a roupa e andou de cueca boxer. Havia literalmente sangue por toda parte; marcas de mãos ensanguentadas nas paredes e no chão, e também pegadas ensanguentadas. Minhas meias brancas estavam encharcadas em um tom vermelho escuro. Lembro-me claramente desse som pegajoso e chamativo enquanto caminhava. Bödeln, vestindo apenas cueca, deitou-se no chão em uma poça de sangue. A sala estava coberta de sangue, todo o piso de madeira tinha um tom profundamente carmesim. Ele começou a mergulhar as mãos no sangue e se lambuzar com ele. Suas pernas, seu rosto, toda a cabeça, braços, peito. Tudo. Eu fiz a mesma coisa.



A exsanguinação de Drabbad e Bödeln resultou
na capa da primeira edição do álbum A Life Worth Losing (2014)

Drabbad decidiu pegar sua câmera digital e começar a documentar as sequências. Bödeln, ainda no chão e coberto de sangue da cabeça aos pés, começou a fazer o sinal dos chifres e xingar enquanto tirava uma foto.

Drabbad: Em seguida, tirei selfies de mim mesmo gritando e tirei muitas fotos das feridas abertas em meus braços. De repente, Bödeln sentou-se no chão, ajoelhou-se e, em seguida, pegou a faca de trinchar e pressionou-a ao lado do seu pescoço - aparentemente se preparando para acabar com ele. De alguma forma, percebi que as coisas estavam ficando um pouco fora de controle e tentei falar com ele, mas sem sucesso; ele apenas ficou de joelhos, em silêncio, com a faca pressionada contra a garganta. Não me lembro exatamente o que aconteceu a seguir, mas saí do apartamento para dar um passeio pelo prédio e depois voltei para dentro. Quando comecei a subir as escadas novamente, alguém veio correndo atrás de mim e gritou: 'Não se preocupe, eu vou conseguir ajuda!' Era um homem e ele parecia estar em estado de pânico. Isso aconteceu durante o verão, então havia muitas pessoas do lado de fora, e provavelmente causou uma grande impressão ver um homem coberto de sangue andando lá fora. Eu também deixei pegadas de sangue para trás, já que minhas meias estavam completamente encharcadas.

Quando Drabbad retornou ao apartamento, Bödeln havia deixado cair a faca e desmaiado. Pouco depois, a polícia local apareceu - e conhecendo Drabbad de encontros anteriores, estava totalmente preparada para combate corpo a corpo. No entanto, o relatório policial afirma que ele estava com um humor extremamente jovial e totalmente cooperativo. Ele até tentou mostrar a eles seu registro fotográfico do caos, mas os oficiais, não impressionados, apreenderam a câmera como evidência.

Drabbad: Eles notaram que eu estava eufórico e muito alegre. Aparentemente, eu inseri meu dedo inteiro em uma das feridas, ao que tudo indica bastante feliz ao fazer isso. Não me lembro muito disso, mas recordo de estar excepcionalmente de bom-humor. Transbordando felicidade, de certa forma. Um dos policiais havia ido à minha casa cerca de uma semana antes; eles me faziam visitas regulares e simplesmente pegavam a chave com o proprietário e entravam no meu apartamento. Eu não estava particularmente contente com isso, então, naquela ocasião, tomei algumas precauções e prendi a maçaneta da porta com uma cadeira. Eu estava bebendo álcool desnaturado, o bom e velho Kemetyl T-Röd*, e queria ficar sozinho. Já tinha ido para a cama, com uma faca enorme ao meu lado, quando fui acordado pelo som da minha porta da frente sendo arrombada, e era esse cara. Supostamente, eu me levantei e fechei os punhos para lutar contra eles, mas não me lembro muito desse incidente, pois estava bastante bêbado.

*Kemetyl T-Röd é um produto equivalente a Aguarrás, usada para remover manchas em superfícies, tais como de gordura, tinta, bolor etc.

Claramente, a equipe da ambulância também foi surpreendida com algo que não veem todos os dias; o gravemente ferido Drabbad, vestindo a camiseta "Fuck me Jesus" da banda Marduk, informou-lhes que ele e seu amigo representavam o culto sueco do Black Metal. Quando questionado sobre o 'griftefrid' meio esculpido em seu braço, ele respondeu que a paz do túmulo era precisamente o que desejava. Então houve uma comoção dentro do apartamento e alguém pôde ser ouvido gritando: 'Ele vai pular!' Bödeln havia acordado no chão enquanto recebia atendimento médico, levantou-se e conseguiu subir até a metade do corrimão da varanda antes de ser puxado novamente para baixo pela polícia. O relatório também menciona que, enquanto eram levados para ambulâncias separadas, Bödeln e Drabbad apertaram as mãos enquanto deitados em suas macas.

Drabbad: Eu me lembro disso. Dissemos: 'Da próxima vez, vamos cortar nossas gargantas, irmão' e apertamos as mãos, logo antes de sermos levados para as ambulâncias que nos esperavam. A testemunha que mencionou isso também afirmou que não parecíamos entender o quão gravemente feridos estávamos, ou que estávamos presos. Ela disse: 'Eles pareciam ter a impressão de que talvez alguns band-aids - ou qualquer outra coisa - fossem suficientes, e que eles teriam permissão para voltar para dentro do apartamento e continuarem o que estavam fazendo.'

Estou curioso para saber qual poderia ter sido a trilha sonora dessa paisagem infernal. Pelo que me lembro, Abruptum costumava ser a trilha sonora clássica para a separação da carne.

Drabbad: Não estávamos ouvindo nada, eu acho. Assistimos a alguns filmes mais cedo, acredito que foi Riget com Ernst-Hugo Järegård, The Machine Girl ou Agitator. No entanto, não me lembro com certeza quais foram. Porém, já estive em situações como essa várias vezes antes, onde a automutilação ocorreu com Abruptum tocando ao fundo.



Bastidores da sessão de fotos que ilustrou a reedição
do álbum A Life Worth Losing.

Algum tempo depois que a dupla chegou ao hospital, os pais de Drabbad apareceram e exigiram que ele fosse institucionalizado para sua própria proteção. A resposta do filho foi mostrar orgulhosamente suas calças ensanguentadas, prometendo nunca mais lavar suas roupas. Bödeln, por outro lado, primeiro teve uma conversa amigável com um policial, impressionando-o profundamente com seu conhecimento especializado sobre técnicas de luta corpo a corpo para infligir danos máximos. O policial observa em seu relatório que Bödeln se aproximou dele e ofereceu demonstrar algumas 'imobilizações policiais' eficientes, uma proposta que ele gentilmente recusou. No meio da conversa, Bödeln de repente pegou o desinfetante para as mãos e engoliu alguns goles generosos. Depois que alguns policiais adicionais apareceram, ele ficou um tanto agitado e tentou chutar um deles na cabeça - errando por pouco e, em vez disso, atingindo a parede antes de ser golpeado e atingido com spray de pimenta até se render. O relatório menciona que Bödeln exibiu uma velocidade surpreendente para um homem de seu tamanho. Ambos os homens receberam pontos nos ferimentos e foram colocados em diferentes celas de detenção. Um comentário hilário de um policial em um dos artigos de jornal subsequentes foi: 'eles parecem um pouco surpresos ao se encontrarem lá'. O médico legista que atendeu Drabbad na manhã seguinte disse a ele: 'Seu amigo também não entendeu o que estava acontecendo'. Para confundir ainda mais as coisas, a equipe da prisão para a qual Drabbad havia sido enviado foi informada de que foi ele quem tentou "decapitar" um oficial da lei.

Drabbad: Eu me lembro de ter sido levado a uma ala psiquiátrica e algum médico lá me dizendo que eu tinha dado um chute na cabeça de um policial. Eles queriam me tirar da cadeia do condado, já que eu estava causando um grande alvoroço lá. Eu não achava que tinha feito algo errado e estava agindo de acordo; gritando como um louco por horas a fio. Eu me sentia injustamente acusado e achava que alguém precisava pôr um fim a aquela grande travessura de me manter trancado em uma cela. Então, sim, ficamos um pouco surpresos. Furiosos até, eu achava aquilo um absurdo. Tipo, 'A que ponto o mundo chegou quando dois amigos não podem tomar alguns comprimidos, beber algumas cervejas e reencenar algumas cenas de O Massacre da Serra Elétrica na privacidade de suas próprias casas?'

Alguns daqueles policiais tiveram que tirar uma folga?

Drabbad: Ah, sim, mais tarde me disseram que um dos policiais no local tirou uma semana de folga... ou foram dois?! Não posso dizer com certeza se isso é verdade, mas é o que me disseram. Lembro-me de um deles dizendo que meu apartamento era a pior cena de crime que ele tinha visto em mais de vinte anos de aplicação da lei. Todos na prisão do condado ainda se lembravam do incidente quatro anos depois, quando voltei para lá depois de ter sido baleado e aguardado julgamento. Muitos dos guardas falaram comigo sobre isso, dizendo coisas como: 'Oh, é você de novo! Você sempre faz as coisas mais aleatórias e sem sentido! Lembro-me do seu apartamento, era como um matadouro; foi o pior que já vi!' Não sei se eles viram as fotos que tirei ou as tiradas pela polícia. As imagens que usamos para o álbum "A Life Worth Losing" foram tiradas pelos policiais. Tentei recuperar minha câmera, mas ela havia sido misteriosamente "perdida".


Drabbad, Bödeln e Pessimisten

Quanto tempo você ficou internado?

Drabbad: Apenas alguns dias, mas eu ingeri tantas coisas que levei semanas até voltar ao normal novamente. Também me foi administrado Haloperidol ou algum antipsicótico semelhante, e lembro da enfermeira dizendo: "Nunca injetaram alguém com uma dose tão alta antes." As pessoas me disseram depois que era impossível ouvir o que eu dizia por várias semanas. Meu pai se ofereceu para limpar o apartamento, para evitar ter que pagar alguém para fazê-lo. Acho que ele pode ter se arrependido dessa oferta gentil - era o meio do verão e estava realmente quente lá fora, e havia quantidades extremas de sangue lá dentro. Se você já sentiu o cheiro de sangue podre, sabe do que estou falando. O fedor é absolutamente horrível. Aparentemente, ele teve que limpar o chão quatro vezes antes de conseguir tirar tudo.

Por fim, uma vez que toda a sangria foi realizada de forma voluntária, nenhuma acusação criminal foi apresentada contra qualquer uma das partes. No entanto, ambos foram enviados para diferentes instituições de cuidados mentais para seis meses de tratamento compulsório.

Um pouco mais de um ano após o incidente, no outono de 2011, o vocalista da Apati, Obehag, enviou uma mensagem a Drabbad através dos perfis do Myspace de suas bandas, solicitando assistência na obtenção de narcóticos ilícitos. Infelizmente, Drabbad respondeu que estava novamente encarcerado e incapaz de ajudar. Algum tempo depois, Pessimisten respondeu com a notícia do recente falecimento de Obehag após uma overdose. Esse reatamento de contato, bastante mórbido, acabou se transformando em uma amizade real, resultando, em última análise, na banda Ofdrykkja. Drabbad convidou um velho amigo, Ahlström, para se juntar ao projeto. Como Bödeln havia se mostrado suficientemente desequilibrado e também sabia tocar bateria, ele também foi convidado a participar da banda.

O apartamento de Pessimisten - que também funcionava como uma destilaria de aguardente - havia sediado algumas festas animadas. Ofdrykkja, posteriormente, incorporou uma variedade de vídeos caseiros filmados lá em seu vídeo de 2014, para a faixa "I skuggan av mig själv".

 


Vídeo com gravações caseiras de vários períodos em que os membros da Ofdrykkja se juntavam para abusar de substâncias tóxicas e praticar a automutilação. As gravações resultaram em um clipe para uma das faixas mais conhecidas da banda.

Durante o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, a cidade de Västerås tinha alguns verdadeiros maníacos do Black Metal. Um, em particular, chamado Jim teve um de seus momentos mais memoráveis e foi quando ele se esfaqueou na barriga enquanto assistia à apresentação do Mayhem em Estocolmo. Sua noite terminou com ele sendo forçado a entrar em uma ambulância depois que o porteiro de um bar nas proximidades o notou sangrando e, após uma inspeção mais detalhada, percebeu seus intestinos saindo pela ferida aberta.

Ahlström: Sim, lembro-me dos rumores que circulavam após este incidente. Eu o conhecia e lembro-me de seu apartamento como mais ou menos um ponto de encontro do Black Metal de Västerås no final dos anos 90. Não tenho ideia do que ele está fazendo atualmente, faz bastante tempo desde a última vez que o vi.

Havia também uma fita VHS em circulação, carinhosamente conhecida como Skärfilmen – 'O Filme de Esculpir' - que estrelava várias personalidades de Västerås. Esta joia cultural era frequentemente exibida na antiga loja Shadow Records por volta do ano 2000 e se tornou uma espécie de meme pré-internet, com suas muitas citações memoráveis surgindo em meio à carnificina. 'Ring lite brudar då, Jimpa!' (Chame algumas garotas então, Jimpa!). Um dos destaques apresentava um rapaz cortando seu antebraço ao meio com uma faca de pão, e então proferindo a frase imortal, 'Din mamma luktar curry', 'Sua mãe cheira a curry.' Outro clipe apresentava o mencionado Jim junto com outra pessoa, ambos cortando os braços com lâminas como homens possuídos antes de ficarem enjoados pela perda de sangue. Enquanto se contorciam, a dupla deliberava se deveria ir para o pronto-socorro ou convidar algumas garotas para beber. E uma dessas figuras está nesta entrevista agora.

Drabbad: Sim, eu estava naquele filme! Sou eu quem vomita e sugere que Jim chame algumas mulheres. Isso foi há tantos anos, não me lembro quantos anos eu tinha na época, mas era um adolescente. Dezesseis?! Dezessete, talvez. Na verdade, foi minha ideia gravar isso em primeiro lugar; estávamos bebendo aguardente barato em alguma festa quando sugeri que fizéssemos uma gravação em vídeo de nós nos cortando. Dito e feito - saímos, fizemos isso e depois voltamos para a festa novamente. A cena da faca de pão foi filmada em uma ocasião posterior, e havia ideias para gravar ainda mais coisas, mas, até onde eu sei, isso nunca aconteceu. Como você observou, este VHS foi copiado e se espalhou bastante nos círculos suecos de Black Metal. Lembro-me de ir a uma festa em Hofors com alguns amigos, e uma garota ficava dizendo que eu parecia familiar. Eu disse a ela repetidamente que nunca tinha estado lá antes. Então, horas depois, ela de repente começou a gritar: 'Agora eu sei onde eu vi você!


C9H13N com sua máscara Hannya, tradicional no teatro japonês Noh.


O fatídico encerramento de Apati - O nascimento de Ofdrykkja.

Obehag deixou a Apati em julho de 2011 e poucas semanas depois ele faleceu. Como foi esse período?

Pessimisten: Na verdade, não fomos muito amigáveis um com o outro nos últimos meses. As vidas que levamos trouxeram à tona o pior de nós, e nossa amizade sofreu como resultado. A última vez que o vi, na casa de um amigo, tivemos uma briga que terminou com a quebra do nariz dele. Costumávamos ser muito próximos, mas nossos vícios nos afastaram. No final, ambos nos tratamos mal, e fiz alguns comentários dolorosos dos quais me arrependo profundamente até hoje.

E quanto ao restante dos membros do Apati?

Pessimisten: Não falei com o Paciente C desde que a Apati se desfez, e perdi o contato com o Professor X há alguns anos. O Professor X e eu éramos próximos, e realmente espero que ele esteja melhor agora. Não me despedi em bons termos com nenhum dos dois, mas hoje desejo apenas o melhor para eles. Tenho me atormentado com isso por muitos anos. A morte de Obehag me afetou de uma forma imensa - não apenas por causa de nossas questões não resolvidas, mas também porque ele foi o primeiro dos meus amigos a falecer.

Hoje, apenas um dos quatro amigos de Pessimisten que estavam presentes durante a mencionada briga ainda está vivo.


Obehag
"Eu vi você na minha frente nos deixando e indo. E você só precisa saber como eu sofri. Agora me apego as lembranças de quando escrevíamos juntos, de como a intoxicação tomou conta de nossas mentes" - trecho da música Ensam Kvar Efter Dödens År (Sozinho Após o Ano da Morte,
em português).


O ano de 2011 parece ter sido bastante difícil.

Pessimisten: Apenas uma semana após a morte de Obehag, outro amigo tirou a própria vida gaseando-se em seu carro. Menos de um mês depois, um amigo que se culpou pela overdose de Obehag também cometeu suicídio. Ele era sem-teto e optou por terminar sua vida no apartamento de outro amigo... que, por sua vez, se sentiu responsável e posteriormente se enforcou. Foi uma espiral descendente; em meio ano, perdi seis pessoas próximas a mim.

Sabe quantos foram no total?

Pessimisten: Perdi a conta, mas diria que o número está em torno de quinze, a maioria dos quais morreu entre 2011 e 2013. Lembro-me de chorar no funeral de Obehag enquanto "Morgondagen" da Apati - com sua voz - tocava na igreja. Assisti a alguns outros funerais naquele ano, mas eventualmente, não houve mais lágrimas. Depois dos primeiros quatro ou mais, parei de ir a eles completamente. Você se torna insensível quando tais tragédias se tornam uma parte rotineira da sua vida.


Música dedicada a Obehag. Após sua morte em 23 de julho de 2011, os demais membros encerraram a banda Apati. Em 2012, C9H13N, agora com o pseudônimo Pessimisten, fundou a banda Ofdrykkja e compôs a canção em homenagem ao seu grande amigo, lançando-a no álbum A Life Worth Losing.


Pessimisten recebeu antidepressivos ISRS com apenas nove anos de idade. Aos treze anos, ele foi diagnosticado erroneamente com TDAH e recebeu metilfenidato, um estimulante muito parecido com a anfetamina. Foi nessa época que ele descobriu o álcool e o Black Metal. Em 2007, aos dezoito anos de idade, ele estava em uma forma bastante difícil.

Pessimisten: Muitas vezes eu estava no centro da cidade, saindo com um amigo. Ele era cinco anos mais velho e estava nas ruas desde que nos conhecíamos. Sua aparência deixava claro que ele era um sem-teto: sujeira, fedor e tudo mais. Ele estava no programa Subutex - um medicamento opioide para viciados em heroína que não conseguem parar, semelhante à metadona. Ele e eu passávamos o nosso tempo bebendo ou inalando butano em latas de refil. Se não conseguíssemos juntar dinheiro suficiente, mendigar era nossa alternativa, contando uma história sobre a falta de grana para passagem de ônibus para voltar para casa.

Gás butano? Como é isso?

Pessimisten: O efeito é semelhante ao óxido nitroso, ou gás hilariante, mas é mortal. Eu ouvia um zumbido nos meus ouvidos, semelhante ao de um helicóptero. Minha voz ficava muito profunda e, às vezes, eu tinha dores de cabeça terríveis. Lembro-me de um dia em particular: meu amigo havia sido agredido por ter dormido em um estacionamento. Ele estava horrível, com o nariz quebrado e um olho roxo. Estávamos realmente com fome e, por isso, nos aproximamos de alguns adolescentes e pedimos dinheiro. Meu amigo com suas roupas sujas e rosto machucado, e eu, segurando uma lata de gás butano, provavelmente babando. Pior ainda, um deles me reconheceu; ele era amigo da minha irmã mais nova. Qualquer pessoa normal teria aproveitado aquele momento para reavaliar suas escolhas de vida, mas não eu. Continuei insistindo em quão famintos estávamos até que nos deram algumas moedas, que usamos para comprar um espetinho de carne.

 

C9H13N inalando gás butano


A busca pela redenção, diante de um passado tumultuado e com inúmeras perdas, foi uma promessa imposta a si mesmos.

 Como vocês saíram daquele passado fechado em autodestruição e chegaram até os dias atuais?

Pessimisten: Ofdrykkja nasceu do caos. E usamos a música para expressá-lo da forma que podíamos. "A Life Worth Losing" foi o resultado do que vivíamos naquele momento inicial da banda. Todos estávamos desesperados para escapar da agonia de nossos estilos de vida destrutivos de uma forma ou de outra, então o título do álbum pareceu obvio. Compor música e escrever letras se tornou nossa terapia conforme nossas vidas evoluíam para algo novo. Drabbad foi alvejado pela polícia e cumpriu uma pena de prisão de três anos. A base para a maioria das músicas do nosso segundo álbum, Irrfärd, foi escrita de dentro dos muros da prisão. Tendo atingido o fundo do poço, estávamos todos prontos para encontrar uma saída daquele deserto escuro em que estávamos todos perdidos. O segundo álbum recebeu um título adequado - "Irrfärd" (termo sueco que se traduz como "jornada sem rumo"). Sem nada a perder, todos nós pulamos do navio que estava afundando e encontramos nossos caminhos de volta à costa. Drabbad permaneceu sóbrio e limpo desde a noite que levou a sua sentença de prisão. Eu consegui me libertar do vício em álcool e recuperei o controle sobre minha mente. Ahlström encontrou seu caminho na direção da vida no campo. À medida que estamos encontrando nosso caminho de volta para nós mesmos, também estamos encontrando nosso caminho de volta para quem realmente somos. Com nossa identidade, nossa cultura. Três anos após a gravação desse segundo álbum, a jornada não parecia mais tão sem objetivo. A longa e difícil noite polar chegou ao fim. O primeiro vislumbre do tão esperado sol enquanto ele lutava para subir acima do horizonte. Por isso o álbum foi nomeado "Gryningsvisor" (sueco para "Baladas ao amanhecer"). O amanhecer está aqui, e finalmente despertamos. Ofdrykkja sempre foi um instrumento de terapia para nós, e a terapia existe para ajudar a evoluir. Não nos serviria de nada seguir velhos passos, e nem seria autêntico forçá-los. Evoluímos musicalmente e em nossa vida pessoal. À propósito, todos nós já deixamos aquela particular distopia urbana de Västerås. Hoje em dia, não gosto de culpar meus problemas pelo meu entorno, mas Västerås nunca me fez bem e nada poderia me fazer voltar para lá novamente.




Conte-nos sobre o álbum mais recente, After the Storm.

Pessimisten: Como sugerido pelo título do álbum, "After the Storm" (Depois da Tempestade, em português) ocorre quando o céu começa a clarear. Os ventos fortes se acalmaram e, através de uma fenda nas densas nuvens, a luz brilha sobre o solo em que estamos. Dito isso - e embora sentimentos esperançosos estejam de fato integrados a esta obra - definitivamente não é um álbum que faz sentir-se bem. Algumas músicas contam uma história mais orientada positivamente, como a faixa-título e "TheLight" (A Luz, em português) enquanto a escuridão ainda se retrata em "The Mære", onde a letra aborda a entidade folclórica Mære, e trata sobre a insônia que ainda me atormenta periodicamente, e "The Cleansing" (A Purificação, em português), uma história apocalíptica contada através da estrutura da mitologia nórdica. E assim, enquanto este trabalho ainda oferece um mergulho nas obscuras águas da realidade com as quais estivemos anteriormente associados, eu também gostaria de compartilhar com nossos ouvintes algumas ideias potencialmente valiosas sobre como aproveitar a escuridão e retomar o controle sobre suas vidas. Essa ideia originou as letras em forma de spoken-word da faixa final do álbum, "Beyond the Belt of Orion" (Além do Cinturião de Órion, em português).


Generation of hurt foi o single divisor de águas - a transição para a nova sonoridade e temática da banda.


Como tem sido a recepção dos fãs?

Drabbad: Tem sido surpreendentemente positiva, superando amplamente minhas expectativas. Quando você está imerso em um álbum por um período prolongado, é normal se tornar bastante crítico em relação a ele. As mesmas faixas reproduzidas incessantemente por inúmeras horas podem fazer com que você se familiarize excessivamente com cada nota. Com o tempo, os únicos aspectos que se destacam são os erros e pequenos detalhes que você gostaria de refinar. Em algum momento, você deve deixá-lo ir – é virtualmente impossível estar totalmente satisfeito. Eu considerarei encerrado se eu acabar em torno de setenta por cento dele.

Pouco depois do lançamento do álbum Gryningsvisor, o baterista original de Ofdrykkja, Bödeln - que deixou a banda em 2016 - faleceu.

O que aconteceu com Bödeln?

Pessimisten: Pelo que entendi, Bödeln havia tomado algumas cervejas e ficou desorientado, até conversando consigo mesmo. Esse comportamento não era incomum para ele após beber. Sua namorada o viu saindo do apartamento e descendo as escadas, depois ouviu o estalo do vidro quando ele quebrou a vidraça da porta da frente. Quando ele retornou, ela descreveu ter ouvido um barulho semelhante a uma torneira de cozinha aberta. Aconteceu que ele havia cortado uma artéria com o vidro quebrado e, tragicamente, faleceu antes que a ambulância chegasse. Aparentemente, ele estava progredindo e havia superado seu abuso de drogas.

De acordo com todas as informações, Bödeln tinha uma tendência a perder o contato com a realidade quando suficientemente intoxicado. No verão de 2010, ele e Drabbad se encontraram em uma aventura angustiante que resultou na hospitalização de ambos os homens e, posteriormente, em sua prisão. Este incidente se tornou uma espécie de lenda underground depois que Drabbad relatou os eventos em um post no fórum da contracultura sueca Flashback. No outono seguinte, um ano após sua desventura, a página do Myspace do projeto de Black Metal de Drabbad, Lepra, recebeu uma mensagem de uma banda local chamada Apati. Seu guitarrista, Obehag, buscou ajuda para adquirir medicamentos. Drabbad, ainda encarcerado, respondeu que não poderia ajudar. Logo depois, o segundo vocalista da Apati - Pessimisten - anunciou que a ajuda não era mais necessária, uma vez que Obehag havia sucumbido a uma overdose.

Dessa troca mórbida de mensagens surgiu uma amizade que eventualmente levou à criação do Ofdrykkja. A dupla planejou se encontrar pessoalmente após a soltura de Drabbad - e, nesse intervalo, Bödeln se juntou ao projeto como baterista. Um velho amigo de Drabbad, The Associate (Ahlström), foi convidado para tocar guitarra.


Irrfärd, Gryningsvisor e After the Storm traçam o novo caminho da banda.

Pessimisten: : Conheci Drabbad pela primeira vez no início de 2012. Ele estava de licença permitida e queria trazer seu infame amigo. Assim que eles desceram do ônibus, ficou claro para mim que ambos haviam ingerido benzodiazepínicos a um nível além da lobotomia. Eles estavam tão dopados que levou vários dias até que alguém percebesse que Bödeln havia deixado seu laptop no ônibus. Portanto, trazê-los para minha casa pode não ter sido a ideia mais inteligente.

Na época, um vizinho estava usando o apartamento de Pessimisten para destilar álcool, o que significava que ele tinha um suprimento infinito de cachaça forte.

Pessimisten: Estávamos bebendo há algumas horas quando Drabbad adormeceu. Saí para comer algo e voltei com um espetinho para Bödeln. Ele começou a agir de forma estranha, falando consigo mesmo, chorando e atirando pedaços do espetinho por toda a minha sala de estar. Eu tinha um dedo quebrado de uma briga recente - mas mesmo com as duas mãos à minha disposição, eu não teria querido enfrentar uma máquina de violência psicótica do tamanho dele.

Drabbad: Eu me lembro de Pessimisten me acordando. 'Ei, você poderia falar com seu amigo?' Bödeln estava lá com uma parte do espetinho a sua frente, murmurando algo incoerente sobre veneno. Tentamos tranquilizá-lo de que nada havia sido envenenado, mas ele não estava convencido. Finalmente, eu comi um pouco - então esperamos trinta minutos para ver se eu morreria. Eu não morri, então Bödeln se acalmou e comeu o que restava de seu espetinho.

Pessimisten: Eu suponho que isso resolveu o problema, pois continuamos bebendo por vários dias. Mas Bödeln costumava enlouquecer de maneiras semelhantes quando estava suficientemente embriagado. Como você pode imaginar, não era uma tarefa fácil lidar com ele verbalmente durante esses episódios, mas Drabbad sempre foi bom nisso. Neutralizar fisicamente aquele homem teria sido uma completa impossibilidade.

Por que ele deixou Ofdrykkja?

Pessimisten: Reservamos um estúdio por alguns dias em setembro de 2016, para gravar "Irrfärd" e tirar algumas fotos da banda. Bödeln não apareceu, então tive que ligar para um amigo para vir ao estúdio e substituí-lo na bateria. Pensamos que ele tinha ficado em casa bebendo, e tivemos uma briga sobre isso. Essa foi a última vez que algum de nós falou com ele.


Bödeln, Drabbad, Pessimisten e The Associate


Como você consegue se manter firme na sobriedade e longe de tudo aquilo que fazia?

Pessimisten: Bem, conversando com as pessoas. Sendo eu mesmo. Sentindo. Assumindo responsabilidades, entre outras coisas. Agora, ser forçado a enfrentar todos aqueles medos, parecia algo esmagador. Tentei me esconder, como sempre fiz, mas tive que assumir a responsabilidade independentemente. Viajar é a melhor ferramenta para o meu autodesenvolvimento. Gradualmente, em algum lugar ao longo do caminho, comecei a beber menos. À medida que superei meus demônios, fiquei mais forte e confiante. Se as coisas ficassem ruins, eu poderia simplesmente fazer as malas e ir para outro lugar.

Pessimisten começou a se empurrar ainda mais para o desconforto, confrontando seus medos de todas as maneiras possíveis: paraquedismo, longas caminhadas sozinho, mergulhos em lagos e represas frias, socializando constantemente em albergues, experimentando novos empregos e fazendo trabalho voluntário.

Pessimisten: Cada obstáculo na vida se transformou em um desafio do qual eu poderia me tornar mais forte. Minha mentalidade mudou, e meus medos se tornaram uma ferramenta. Ao olhar para trás, percebi que toda a minha vida havia sido uma constante tribulação - e que eu havia me tornado mais resiliente do que a maioria devido às minhas lutas. Um marco significativo foi a viagem à América do Sul. Não falar nem espanhol nem português tornou a locomoção bastante desafiadora. No entanto, fiquei impressionado com a rapidez com que me adaptei a esse ambiente desconhecido. Aprendi consideravelmente com suas culturas, que são marcadamente diferentes da mentalidade escandinava frequentemente negativa.

Ao viajar pela América do Sul, Pessimisten começou a investigar o uso de enteógenos vegetais para ajudá-lo a superar traumas e dependências químicas, e experimentou a Ayahuasca.

Ayahuasca é uma bebida psicodélica feita a partir de diferentes plantas encontradas na selva amazônica. É utilizada para fins específicos por povos indígenas da América do Sul há séculos.


Em passagem pelo Brasil, Pessimisten aproveitou para gravar
alguns vocais no Estúdio 107, em Belo Horizonte, para algumas
faixas do álbum Gryningsvisor (2019).

Pessimisten: Não posso afirmar com certeza se essas plantas "me mostraram o caminho", mas parei de beber por volta da época do meu encontro com a ayahuasca. Acredito que eu já estava pronto de qualquer forma, mas esses medicamentos me ajudaram a entender o que é realmente importante na vida - e o que é desnecessário. O próximo marco foi na Austrália, quando experimentei os exercícios de respiração e a exposição ao frio de Wim Hof.

Wim Hof, também conhecido como "O Homem de Gelo", é um atleta extremo holandês notável por suas habilidades extraordinárias de suportar temperaturas congelantes e alterar manualmente sua neuroquímica. Ele atribui esses meios a um método de respiração, terapia do frio e meditação que desenvolveu por conta própria.

Pessimisten: Eu senti como se uma névoa tivesse se dissipado da minha mente, e eu me tornei mais focado do que nunca. Fiquei completamente envolvido desde o início e pratiquei todos os dias durante seis meses. Infelizmente, perdi a rotina quando fui viver nas florestas da Lapônia Sueca. Naquela época, senti uma grande chamada para tudo que é saudável e benéfico, e para o que realmente importa. Comecei a experimentar yoga e meditação, que também me ajudaram no processo de reabilitação.

Em março e abril, fiquei em uma cabana vazia que pertence a um amigo meu. Definitivamente, precisava de reforma; a chaminé estava quebrada, então não consegui aquecer o lugar de forma alguma. Tive que cozinhar sobre uma fogueira no quintal. Bebi água de poço e tomei banho no rio, que estava obviamente congelante durante a transição do inverno para a primavera. Uma ótima oportunidade para praticar a exposição ao frio!


Pessimisten encontrou um caminho longe das drogas e 
comportamentos destrutivos com aproximação da natureza, vida 
nômade, minimalismo, yoga e meditação.

Pessimisten: Com algumas velas acesas no quarto ao longo do dia, a temperatura poderia ser elevada para cerca de dez graus Celsius à noite. Para eletricidade, eu carregava uma bateria de carro com energia solar. Para fazer uma ligação, eu precisava subir uma colina na floresta. Foi um grande desafio. Agora, estou de volta a viver nas florestas enquanto viajo de carro. Planejo ir para as montanhas de Härjedalen durante o inverno - até lá, vou aproveitar a vida nômade.

 

***


Esta entrevista tem histórias de violências, principalmente autoinfligidas, e lembranças dolorosas pelas perdas de pessoas significativas nas vidas de Pessimisten e Drabbad. Um passado marcado por tudo aquilo que pode destruir qualquer ser humano. Esses dois, com um esforço gigantesco, conseguiram se afastar daquilo tudo. No entanto, obviamente, não é um fim; a luta segue dia após dia. A autovigilância é diária. As chances de voltarem para qualquer tipo de comportamento destrutivo é enorme, por isso, estão sempre procurando somar o máximo de coisas saudáveis em suas vidas, evitando qualquer brecha para um fatídico retorno. A música, indiscutivelmente, é uma das melhores ferramentas que utilizam. Ela vem desde aquela época, aliás, servindo para os desabafos daquilo que vivenciavam. Hoje, ainda que sonoramente a banda também tenha mudado, ela segue fazendo seu papel na vida desses dois indivíduos. Retratando essa etapa de desintoxicação e religação com a natureza - a busca pela harmonia, por alguma paz de espírito e por tudo aquilo que descobrem de positivo em seus percursos. Viajar tem sido um aliado de Pessimisten, conhecer novos lugares, países, pessoas de culturas diferentes tem o mantido no caminho da sobriedade. É interessante notar que nenhum dos dois músicos impõe isto aos outros, ou seja, eles encontraram aquilo que faz bem a eles, mas não generalizam para que todas as pessoas que estão no caminho nefasto de abusos de entorpecentes ou atormentados pelo sofrimento mental, o qual um dia já estiveram, devam seguir tudo o que eles fazem e dizem. Pelo contrário, eles sempre enfatizam o quanto cada indivíduo é único e somente este sabe o que sente. Cabe apenas a cada um buscar aquilo que serve como meio de mantê-lo num caminho menos destrutivo. Um fato, por vezes questionado por fãs na cena DSBM é de o porquê a banda manter seu nome Ofdrykkja (Consumo excessivo de álcool, em islandês) se ele já não remete à fase atual da banda, tanto instrumentalmente quanto liricamente. Nesta entrevista fica evidente o porquê. Quem fomos continua coexistindo com quem somos. Evoluímos, mas a evolução só existe porque expandimos do ponto em que estávamos. Desse modo, não se pode apagar o passado, por mais que queiramos. A banda mantém o mesmo nome de quando faziam música retratando toda aquela situação extrema, justamente, para traçar a própria evolução. Não viram necessidade de encerrar Ofdrykkja e iniciar uma nova banda com nome diferente. Quem não acompanha a banda, ao conhece-la, poderá se deparar com toda essa linha temporal. Poderá ver o todo. Nenhum dos membros pretender esconder o que fizeram, como agiam, o quanto perderam. Eles estão abertos para que suas vidas sejam expostas, mostrando onde estavam e onde chegaram, e assim seguem vagando. Deixaram o passado no passado, claro, mas se forçassem a apagá-lo, ou a ocultá-lo, estariam sendo desonestos consigo mesmos.

É sempre válido lembrar que você, que está lendo isto, só deve continuar ouvindo DSBM enquanto ele for uma ferramenta positiva para você, enquanto ele mantiver uma conexão saudável contigo. A partir do momento que isto deixar de ocorrer, o melhor que você pode fazer é se distanciar dele, e ir em busca de outros meios que possam estar em sintonia com você, com o seu eu atual. Essa é, aliás, a beleza da arte em geral, a impermanência, a mudança de acordo com nossas percepções pessoais, com o que sentimos e experimentamos em nossa jornada pela existência.






sábado, 1 de março de 2025

Música Para Pessoas Desesperançadas




Como o DSBM consegue gerar uma sensação prazerosa em quem o escuta?

Bem, O DSBM é um tipo muito específico de música. Ele retrata a dor mental de forma muito direta, íntima e pessoal. O músico tenta tirar o máximo de dores de seu peito através desse tipo de música. A música em geral pode ser usada para isso, e aliás, vem sendo usada há milênios. Porém, o DSBM vai mais a fundo. Ele entra no abismo interior do indivíduo e traz para fora tudo aquilo que o machuca por anos a fio. Obviamente, nem todas as pessoas com transtornos mentais, que lutam contra suas dores emocionais, escutam DSBM, ou mesmo apreciam algum tipo de arte mais obscura e crua em torno das emoções humanas. E está tudo bem, as pessoas devem buscar por aquilo que possa ser útil a elas. Devem consumir apenas aquilo que traz efeitos positivos em seus dias. Mas, para nós que nos conectamos com o DSBM, ele gera uma sensação única, algo que não conseguimos encontrar em outros lugares.
E por que isso ocorre?

Cientificamente falando, há muitos fatores envolvidos nesse prazer gerado pelo DSBM:

Capacidade de canalizar emoções negativas, sensação de acolhimento - Ouvir um tipo de música que vai de encontro ao que você está vivenciando gera uma conexão quase instantânea. Conforme você vai escutando as músicas, maior se torna a sensação de ser consolado (a). Alguém, uma alma em algum lugar do planeta, está retirando de seu peito uma intensa carga de angústias, literalmente gritando aquilo. Essa pessoa não tem a pretensão inicial de ser ouvida, mas sim de deixar sua dor escapar, alcançar o meio externo. Utilizar a música para isso torna tudo ainda mais completo. Aquela pessoa está tentando fazer música, mesmo estando sob intensa aflição. De forma sincera, ela usa a música para poder dizer o que estava a sufocando. Nós, ouvintes, nos identificamos a tal ponto de sentir que aquela música foi feita para nós. Passamos a nos sentir abraçados (as). E, literalmente, essa sensação é real. As áreas do cérebro ativadas quando somos abraçados de forma carinhosa por quem nos ama, são as mesmas ativadas quando escutamos DSBM.

O DSBM cria um espaço seguro para processar sentimentos e viver uma catarse emocional - Uma das sensações que o sofrimento mental gera é o de abandono. As pessoas se sentem sozinhas, desamparadas e desprotegidas. O DSBM consegue criar uma segurança emocional, um espaço para que as pessoas possam se sentir livres para manifestarem suas angústias sem serem julgadas ou terem as suas dores invalidadas. O ambiente seguro que o DSBM proporciona faz com que tanto os  músicos/musicistas quanto os (as) ouvintes possam estar seguros (as), possam sentir e expressar o que sentem sem obstáculos. A catarse emocional é o ponto mais sólido do DSBM. É justamente esse expurgo das emoções que faz esse tipo de música ser tão importante para seus fãs. As barreiras são derrubadas, as emoções que foram suprimidas por tanto tempo podem, finalmente, ser liberadas.

O DSBM proporciona uma sensação de validação das dores emocionais - Diante de uma sociedade que só invalida o que sentimos e quem somos, vai se tornando cada dia mais difícil encontrar alguém que realmente acredite no que sentimos. Além de ignorarem nossas dores, a maioria das pessoas (incluindo amigos e família) ainda invalidam elas, fazendo parecer que aquilo não é nada, ou que "todo mundo passa por isso, apenas supere". Então nós ficamos desolados (as), sem ter com quem poder contar. Sim, a ajuda médica especializada é importante, psicólogos e psiquiatras, mas não podemos reduzir tudo a isto. O tratamento psiquiátrico tem como parte fundamental justamente o apoio da família e de pessoas mais íntimas. Quando isto não acontece, ficamos nos sentindo ainda mais sozinhos (as). Pela capacidade incrível que o DSBM tem de gerar conforto, ele traz também essa validação das dores individuais de cada pessoa. Quando ouvimos algo que vai em direção ao que sentimos e estamos experimentando, nosso cérebro reforça que aquilo é real. Que aquele sentimento está genuinamente sendo manifestado. Assim, por mais doloroso que seja o momento, nós sabemos que aquilo é real. Nós compreendemos que aquela experiência é autêntica e significativa. Isso nos impede de ficar suprimindo o que sentimos e de ficar usando máscaras sociais para parecer bem.

O DSBM ajuda a criar um vínculo com outras pessoas - A arte em geral tem esse poder de unir as pessoas. Com o DSBM isso tem um caráter mais especial. As pessoas já estão se sentindo abandonadas pela família e, supostos, amigos, então elas se tornam mais reclusas, até com medo de fazer contato com os outros. São pessoas machucadas, maltratadas, colocadas à margem da vida, então confiar em alguém se torna muito difícil. Mas, o DSBM consegue proporcionar até mesmo essa conexão social. É muito comum vermos comentários, por exemplo, em vídeos no YouTube de pessoas interagindo umas com as outras, e motivadas pelo DSBM. Nas redes sociais, em páginas de DSBM, isto também é muito comum. Posso citar a mim mesmo, Lúgubre, ao conhecer o Mad, administrador da página DSBM - Depressive Suicidal Black Metal Brazil. Foi o DSBM que nos uniu há 8 asnos. Ainda, há algo muito interessante no DSBM que é a conexão de fãs com as bandas. As bandas interagem com seus seguidores e fãs, e tudo se torna um círculo sadio de comunicação. Sim, é fato que no DSBM há bastante indivíduos reclusos, que preferem estar mais isolados, por consequência do que mencionei antes, a perca da confiança nos outros. Ainda assim, há um círculo muito sólido de apoio mútuo na cena de DSBM. As pessoas não estão aqui de forma aleatória, pois o DSBM não é um tipo de música aleatória, sem contexto e forma. Então, quem ouve DSBM já se sente conectado (a) com os (as) músicos/musicistas e outros (as) ouvintes mesmo sem qualquer tipo de contato direto. E isto é algo incrível.

O DSBM pode despertar emoções complexas e parcialmente positivas como nostalgia e ternura - Além da canalização das emoções e sensações negativas, o DSBM ainda tende a gerar sensações agradáveis. A nostalgia, sem dúvidas, é uma das mais sentidas pelos ouvintes. E é, aliás, uma das palavras bastante usadas em letras de música, títulos ou mesmo em nomes de bandas. A nostalgia é um sentimento confortador que um indivíduo pode experimentar ao se lembrar de momentos passados. Diferente da saudade, que pode ser diminuída ao repetir aquilo que a gera, a nostalgia não pode ser repetida. Por isso a sua intensidade é maior, pois são lembranças que estão no passado do indivíduo e jamais poderão voltar. Nisto, a pessoa se apega à lembrança daquilo o quanto pode. A música é um grande acionador para experimentar momentos nostálgicos. Embora o DSBM em si seja um subgênero novo de música, o que leva à nostalgia são as letras que falam de momentos alegres que o (a) compositor (a) retrata, daquilo que ele/ela uma vez já sentiu e foi soterrado. Por consequência, o (a) ouvinte pode se identificar e lembrar dos seus próprios momentos passados também. A melodia da música se junta à letra para esse momento. As músicas com mais suavidade, guitarras etéreas em paredes sonoras que se mesclam são as que mais tendem a levar o indivíduo à nostalgia. Se torna comum recordar da infância ou adolescência como forma de escapismo. O presente, infelizmente, tomado pela dor mental não deixa espaços para a alegria, então a pessoa procura se lembrar daquilo que um dia já viveu e causou-lhe boas sensações.

O DSBM alimenta a empatia - Pessoas em sofrimento mental já tendem a nutrir a empatia. É como uma máxima de "não desejo que ninguém passe pelo o que eu passo". E é algo triste que a empatia seja encontrada mais por quem sofre, do que por quem não tem nenhum transtorno mental. Triste porque essas pessoas que não sofrem o inferno mental deveriam fazer o possível para ter respeito, compreensão e dar apoio às pessoas que lutam diariamente contra a própria mente. Justamente por estarem mais saudáveis, poderiam, ao menos, estar apoiando aquelas que mal conseguem realizar as tarefas mais básicas do dia a dia. A realidade é que essas pessoas são as que menos ajudam e ainda ridicularizam aquelas que sofrem. Por fim, o círculo, que foi mencionado anteriormente, presente no DSBM se fortalece e se fecha em si mesmo. Somos nós por nós. Quanto mais ouvimos e estamos inseridos na cena de DSBM, mais é possível observar a empatia sendo manifestada. Por exemplo, quando alguém ataca um músico, musicista ou fã de DSBM, está nos atacando também. Pela identificação com as músicas e com os (as) próprios (as) compositores (as), nós nos sentimos agredidos (as) diretamente por aquele "odiador". De modo geral, o DSBM tem um nicho muito pequeno e que, por ter este círculo estabelecido, se mantém pequeno. É até mesmo uma forma de mantê-lo apenas para quem realmente compreende a sua proposta. Pois pessoas de fora, infelizmente, sempre julgarão aquilo que elas não compreendem, não por falta de conhecimento, mas sim por pura crueldade e falta de empatia.

Liberação de serotonina, dopamina, endorfina e ocitocina - Estes neurotransmissores são os principais relacionados com o sofrimento mental. O desequilíbrio deles no cérebro leva a pessoa a experimentar sintomas e comportamentos que comprometem toda a sua vida. A serotonina é bem conhecida por estar relacionada ao prazer. Mas a dopamina, endorfina e ocitocina também desempenham este papel de gerar prazer e bem-estar nas pessoas. A dopamina está relacionada à recompensa, ela causa o sentimento muito bem conhecido de prazer por realizar ou receber algo. O corpo inteiro reflete o bem-estar, e a nível mental o indivíduo se sente revigorado, calmo e realizado. Assim, ao ouvir DSBM uma área do cérebro chamada núcleo accumbens é estimulada, liberando então dopamina. É interessante que a dopamina é liberada quando antecipamos o prazer de ouvir, ou seja, só de pensar em ouvir determinada música o prazer já começa a ser gerado. E passamos a querer ouvir cada vez mais aquelas músicas, justamente pela recompensa prazerosa que elas nos oferecem. A endorfina está relacionada com o prazer e relaxamento, aquela sensação de corpo leve. A música ajuda na liberação desse neurotransmissor, gerando assim a sensação de leveza. Por mais pesado sonoramente que o DSBM possa ser, há uma recepção individual que o faz soar brando. A conexão que se cria ao ouvi-lo o transforma em uma espécie de calmaria diante do inferno que aquela pessoa vivência. O cérebro então libera endorfina e esta pessoa se sente menos tensa. Ainda, a endorfina reduz a dor física e o corpo diminui a tensão muscular. Como se a pessoa estivesse retirando um pouco do fardo de seus ombros. A ocitocina é liberada quando abraçamos e somos abraçados, gerando boas sensações, principalmente de acolhimento, o que reduz a solidão. Eu disse lá no início que o DSBM é como um abraço, e de fato é assim que o cérebro interpreta, pois, a mesma região ativada quando recebemos um abraço ou abraçamos alguém é também ativada ao ouvir DSBM. Então, literalmente, o DSBM é sim um abraço. E sentir isto libera a ocitocina, que por sua vez gera a sensação de pertencimento, de conforto, reduzindo a sensação de vazio e solidão.

Que a música é uma arte incrível e tem um poder gigantesco de nos fazer bem, já é algo muito conhecido pela humanidade desde os tempos mais remotos. Falando especificamente do DSBM, nós, melhor do que ninguém, sabemos o que ele nos proporciona. É uma experiência única, uma sensação singular. Por isso, também, se faz importante repetir algo que já destaquei em outros textos.
Se você caro leitor e leitora, amante do DSBM, sentir que em determinando momento ouvir DSBM não esteja te fazendo bem, pare imediatamente, ou dê uma pausa por algum tempo. A proposta do DSBM é gerar acolhimento, compreensão do sofrimento mental. Se você sentir algo oposto a isto, apenas pare de ouvir e procure outros tipos de músicas que gerem identificação com o que você está experimentando. Devemos nos apegar apenas às coisas que nos façam bem.