Esta entrevista foi feita originalmente pelo site Bardo Methodology. Foram 3 entrevistas em períodos diferentes, uma com a banda Ofdrykkja, uma apenas com Drabbad e outra com o Pessimisten. Aqui elas estão traduzidas para o português somando ainda informações para complementar e criando uma linha do tempo, pois enquanto a entrevista feita com a banda se foca na fase atual dela - que abandonou o DSBM -, nas entrevistas individuais o foco são questões pessoais, lutas diárias, o passado com a banda Apati, também fala sobre Obehag e toda a vida destrutiva dos membros. Acredito que todos e todas que sejam não apenas fãs da banda, mas que curtam DSBM em geral, devam ler esta entrevista. Há muitos detalhes sobre as gravações, vivências dos membros, suas batalhas contra os transtornos mentais e dependência química entre outros assuntos relacionados.
Emergindo das entranhas do underground do Black Metal sueco,
Ofdrykkja tornou-se um testemunho de resiliência e renascimento. Esta é a
história de uma banda de Depressive Suicidal Black Metal que deixou tudo para
trás em busca de redenção.
• Conte-nos como foi a sua internação hospitalar.
Pessimisten: A última coisa que me lembro é de estar sentado
em um complexo de fábricas abandonadas com alguns amigos. Eu estava consumindo
latas de Elk Brew: uma cerveja com 7,5% de teor alcoólico, provavelmente a
maneira mais barata de ficar bêbado naquela época. Certamente não estava
bebendo por causa do sabor. Depois disso, minhas memórias são nebulosas.
Aparentemente, fiquei tão bêbado e irritante que os outros me deixaram. Então
encontrei meu amigo sem-teto com a receita de Subutex* e o persuadi a me dar um
de seus comprimidos. Mais tarde, encontrei alguns caras que conhecia e comprei
algumas cápsulas de Fenazepam*.
*Subutex é um medicamento opioide para viciados em heroína que não conseguem parar com esta droga, semelhante à metadona. *O fenazepam é um benzodiazepínico extremamente potente e de longa duração. Naquela época, a droga ainda não havia sido classificada como substância ilícita na Suécia, portanto, ainda estava legalmente disponível online.
Pessimisten: Meu amigo havia encomendado cerca de meio
quilo, então eu o convenci a me vender um pouco. Normalmente, uma pequena
quantidade - como o tamanho de uma cabeça de alfinete - seria suficiente para
te foder o dia inteiro. Mas no meu estado, eu precisaria de ainda menos, mas
tomei várias cápsulas. Eu sabia que misturar benzos com álcool é mortal.
Opioides com álcool são mortais e benzos com opioides são mortais. Na verdade,
apenas a quantidade de álcool que eu bebi pode ser letal para a pessoa comum.
Até um imbecil saberia o resultado desse coquetel.
• Você acha que foi uma tentativa de suicídio?
Pessimisten: Duvido que estivesse conscientemente tentando
acabar com minha vida, mas certamente não me importava se vivia ou morria. Logo
depois, instiguei uma briga com um grupo de caras sem motivo. Mas eu estava tão
fodido que eles nem precisaram me bater de volta; toda vez que eu dava um
balanço, acabava caindo de cara no chão. Meus amigos foram embora quando
comecei a provocar um segurança. Acabei sendo encontrado inconsciente e levado
às pressas para o hospital.
Mais tarde, os médicos disseram que ele estava à beira de
entrar em coma. Se Pessimisten tivesse chegado ao hospital apenas três minutos
depois, provavelmente teria morrido.
Pessimisten: Nos primeiros dias depois de acordar, eu ainda
estava tão dopado que não conseguia andar. Eu tive que usar uma cadeira de
rodas para me locomover. Um amigo meu estava no mesmo hospital - ele misturou
benzos com álcool e depois, de alguma forma, caiu da varanda do sétimo andar.
Infelizmente, o cara que me vendeu o Fenazepam atirou em si mesmo dez anos
depois. E meu amigo com a receita de Subutex também morreu, engasgando com o
vômito em um abrigo para sem-teto.
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Pessimisten |
Cerca de uma semana após recuperar a consciência,
Pessimisten conseguiu avançar com muletas. Apesar do conselho médico em
contrário, ele optou por se dar alta e retornar para casa, ao porão da casa de
sua mãe.
Pessimisten: Quando cheguei, ameacei minha mãe e seu marido
com uma faca antes de destruir meu quarto com um taco de beisebol. A polícia
veio, me algemou e me levou para a delegacia. Após a prisão, morei nas ruas por
várias semanas. Não tenho certeza de onde estava ou o que fiz durante a maior
parte desse período, mas me lembro das muletas. No total, um mês inteiro
desapareceu da minha memória.
Os apagões extensos após uma overdose de benzodiazepínicos
são geralmente causados por amnésia anterógrada, o que significa que novas memórias não
são formadas adequadamente. Isso ocorre porque os benzodiazepínicos deprimem o
sistema nervoso central e interferem na transferência de informações do
armazenamento de memória de curto prazo para o de longo prazo.
Pessimisten: Quando comecei a recuperar meus sentidos, foi
como despertar de um pesadelo - apenas para descobrir que estava em um pesadelo
ainda pior. Não apenas estava sem-teto, mas logo percebi que muitos dos meus
amigos haviam começado a abusar do Fenazepam. Todos eles acabariam arruinando
suas vidas nos meses seguintes. Vários deles estão mortos agora.
• Você voltou ao Fenazepam após a overdose?
Pessimisten: Não, eu nunca mais toquei nisso. À medida que
minha razão retornou, pude ver quão rapidamente isso destruiu tantas pessoas ao
meu redor. Além disso, eu nunca gostei de benzodiazepínicos, então foi fácil
para mim me abster. Tenho certeza de que você pode imaginar como meus amigos se
saíram, dado que possuíam quantidades quase infinitas. Uma das minhas primeiras
memórias após acordar do estado de sonambulismo foi ficar no apartamento de um
amigo junto com o Professor X e Obehag, do Apati.
Ambos estavam tomando Fenazepam; o Professor X dormiu por
dois dias seguidos. Obehag havia caído no asfalto, arranhando todo o seu rosto
e corpo. E agora, com os pais do nosso anfitrião prestes a visitar, Obehag
havia se despido completamente e estava se recusando veementemente a se vestir
ou deixar o apartamento a menos que recebesse mais drogas. Eventualmente, nós
lhe oferecemos uma carreira de farinha, que ele cheirou com um enorme sorriso
no rosto.
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Pessimisten: Apati é algo que deixei para trás e não me
importaria de esquecer completamente. Aqueles foram alguns dos piores anos da
minha vida. Éramos apenas adolescentes quando a banda começou, e isso é
evidente. Embora eu tenha criado a ideia por trás de Apati, estive pouco
envolvido em seu desenvolvimento musical. Minha contribuição para
"Eufori" terminou com as letras, já que passei o ano inteiro de sua
produção no exterior. Ao contrário da crença popular, nunca fui o vocalista
principal da banda. Minha única participação foi alguns vocais ruins para um
punhado de faixas no segundo álbum.
• Como foi a produção de Morgondagen inställd i brist på
intresse?
Pessimisten: Tivemos que passar vários dias esperando pelo
viciado que deveria entregar as chaves do quarto de outra banda que abrigava
alguns equipamentos. Nesse intervalo, bebemos quantidades copiosas de álcool no
espaço de ensaio. Quando nossa gravação começou, estávamos completamente
embriagados. Obehag se sujou e depois deu descarga em sua roupa íntima
manchada, resultando em um entupimento. Eu estava tão alterado que vomitei e
desmaiei durante uma gravação. Ao todo, a gravação combinada com a farra de
drogas durou cerca de uma semana. Antes de desocupar o local, alguém tentou
limpar todo o sangue do chão. Infelizmente, eu havia urinado no balde, então
todo o lugar exalava o cheiro de urina depois disso. Para piorar a situação, o
estúdio de ensaio compartilhava as instalações com um jardim de infância. Ao
sair, vimos uma senhora tentando limpar o vômito - agora congelado pela fria
noite de inverno - dos degraus que levavam à sala de brincadeiras para as
crianças. Não surpreendentemente, não éramos mais bem-vindos depois disso.
Muito antes da banda Ofdrykkja existir, o segundo
multi-instrumentista da banda, Drabbad, tocou na banda Lepra, enquanto
Pessimisten cantou e escreveu letras para a Apati. Os caminhos dessas duas
bandas se cruzariam em pouco tempo.
• Como você e Drabbad se conheceram?
Pessimisten: Isso teria sido por volta de 2005 ou 2006. Os
membros da Apati, Obehag e Professor X, estavam parados em um ponto de ônibus
no centro de Västerås quando foram abordados por um Drabbad extremamente
dopado, que lhes deu uma nota com um link escrito à mão para a página da banda
dele no Myspace. Antes de se afastar novamente, ele rosnou: 'Apoie a Lepra ou
morra!'
Drabbad: Agora que você mencionou, eu realmente me lembro
disso. Eu estava em uma loja de discos chamada Skivbörsen; você podia sentar lá
e ouvir com fones de ouvido antes de comprar algo, e eles estavam sentados bem
ao meu lado. Eu os vi ouvindo música, algum metal - estou quase certo de que era Anaal Nathrakh, entre outras coisas. De qualquer forma, eles saíram depois de um
tempo e eu fiquei por ali por um tempo antes de sair também. Quando saí de lá,
vi-os parados no ponto de ônibus e decidi me aproximar. Eu tinha tomado Xanax,
então provavelmente me aproximei de forma bastante agressiva, quase gritando, e
entreguei a eles o bilhete. Eles pareciam pontos de interrogação humanos.
Bastante surpresos.
Pessimisten disse que este encontro peculiar despertou sua
curiosidade, então decidiram investigar mais a fundo.
Pessimisten: Na página da Lepra, pudemos ver várias fotos de
abuso de drogas e violência extrema auto-infligida. A música se revelou muito
original e, para nossa surpresa, também bastante boa. Mais tarde, quando o
Myspace do Apati foi criado, começamos a nos apoiar em nossos perfis e
mantivemos um contato vago entre as bandas a partir de então.
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Bödeln (falecido em 2020) |
Drabbad: Tenho uma vaga lembrança de minha mãe estar lá de mais cedo naquela manhã, enquanto injetávamos soluções retais de Zopiclone. O que significa que dissolvemos os comprimidos em água e injetamos a solução no velho orifício de esgoto usando uma seringa. Eu sei, depravação completa e absoluta. Meu nível de tolerância aos benzodiazepínicos estava fora dos gráficos, então logo percebi que, se quisesse fazer algum tipo de zumbido real, precisaria de bebidas alcoólicas. Então, fomos até a loja de bebidas para pegar um pouco de cerveja. Lembro-me de Bödeln abrindo uma lata e bebendo-a antes mesmo de sairmos da loja - digno de nota aqui é que ele não tinha minha tolerância e já estava claramente embriagado antes disso.
Voltando um pouco mais, conheci Bödeln pela primeira vez em 2009, quando ele e eu fomos presos juntos. Não na prisão, mas em uma instituição para usuários de drogas. Fui enviado para lá após uma tentativa de suicídio que me deixou clinicamente morto por quatro minutos. A instalação se chama Älvgården e fica em Hedemora, Dalarna. Inicialmente, eles me enviaram para Frösön, mas logo foi fechada devido a - entre outras coisas - vários pacientes com overdose. Bödeln chegou logo depois de mim, e fizemos amizade. Ele era um homem notavelmente grande: bem alto, com uma constituição atlética. Claramente, ele tinha levantado pesos e se exercitado extensivamente durante toda a sua vida. Acho que Bödeln foi enviado para Älvgården depois de bater o carro enquanto dirigia embriagado ou algo assim. Passamos muito tempo juntos lá, e ele sempre pareceu calmo e amigável. Lembro-me de nós jogando The Elder Scrolls: Oblivion para passar o tempo. Bödeln me disse que ele podia ficar bem violento, embora eu nunca tenha visto tais tendências naquela época. Como a maioria das pessoas, ele era muito diferente sóbrio de quando bêbado ou drogado.
Bödeln foi o baterista da banda Ofdrykkja. Ele era um homem
forte, com 120 quilos, que costumava ser instrutor de MMA (Artes Marciais
Mistas, em português) antes de se dedicar ao Black Metal e entrar no mundo das substâncias
tóxicas.
Drabbad: Ingerir altas doses de benzodiazepínicos é sempre
uma péssima ideia, mas muitas vezes começa com a sobriedade e pensando: 'Ok, só
vou tomar dois, só para relaxar um pouco', mas você rapidamente perde o
julgamento. É o mesmo quando você está bebendo, 'não, eu não estou bêbado, me
dê outra cerveja...', e uma vez que você chegou a esse estágio, você não se
importa mais. Ao combinar benzos com álcool, o efeito é multiplicado várias
vezes e você se transforma em um idiota com morte cerebral. Você repetirá
exatamente as mesmas frases várias vezes por horas a fio. Por dias até, se você
continuar. É impossível para qualquer pessoa sã sair com alguém que está sob a
influência de benzos. Se você viu o filme Idiocracia, terá uma ideia do que
estou falando.
• Você pode agora, em um estado sóbrio, lembrar como é a
sensação mental desta combinação?
Drabbad: Você está em um estado de euforia, sente-se ótimo e
muito seguro; tem a impressão de que nada pode dar errado. Muitas vezes, está
convencido de que não está nem um pouco alterado e pode ficar um pouco irritado
com isso, mencionando constantemente. Quanto mais embriagado você está, menos
embriagado você pensa que está e mais desagradável você se torna. Isso tende a
alimentar as piores ideias, mas naquele momento você acha que são brilhantes. Definitivamente
traz à tona o pior de você.
Após retornar à casa de Drabbad - que sua mãe já havia
desocupado, felizmente - eles começaram a beber cerveja. De repente, Drabbad
lembrou-se de que sempre quis as palavras 'griftefrid' (um termo sueco para "a
paz prometida pela sepultura") e 'jordfäst', ("enterrado no solo"),
gravadas em seus braços. Tentativas anteriores de recrutar amigos para
assistência amadora em escarificação não haviam dado resultado, mas agora ele
tinha acesso direto a um homem totalmente desprovido de preocupações morais
incômodas; além de um conjunto novíssimo de facas extremamente afiadas, das
quais Bödeln selecionou a de lâmina para cortar filé.
Drabbad: Fomos para o quarto, sentamos na cama e seguimos
com nossos negócios. Qualquer pessoa normal provavelmente teria entrado no
banheiro para fazer isso, mas não nós. Escolhemos o quarto. Mais tarde, notei
ao ler o relatório policial que o banheiro era na verdade o único lugar em todo
o apartamento onde não havia sangue. De qualquer forma, Bödeln começou a
esculpir 'griftefrid' no meu braço, mas parou depois de um tempo exclamando:
'Eu sempre quis 'escuridão' nas minhas costas!' Eu realmente não queria fazer
isso, eu só queria que minhas palavras escolhidas fossem talhadas em meus
braços, mas eu estava, tipo, 'Tudo bem então...'. Então, levantei-me, peguei a
faca e comecei a traçar letras enormes em suas costas. Quando você usa a ponta
de uma lâmina grande e fina para esculpir algo na pele, há um ruído estranho
que é um pouco especial. É como a combinação de um som metálico misturado com o
de rasgar tecido, como rasgar um pano. Uma vez feito, eu estava tipo, 'Ok,
agora vamos continuar com meus braços', então nos sentamos na cama de novo.
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Drabbad |
Não que os eventos até agora fossem de alguma forma
normais, mas é aqui que a história toma um rumo verdadeiramente distorcido. Ao
olhar para a palavra de tamanho modesto sendo esculpida em sua carne, em
comparação com as letras massivas cobrindo as costas profusamente sangrentas de
Bödeln, Drabbad se sentiu um pouco autoconsciente.
Drabbad: Achei que parecia fraco, como algo que uma
garotinha faria, então comecei a provocá-lo e desafiá-lo. 'Vá mais fundo, não é
profundo o suficiente! Mais fundo, mais fundo! Vamos, você consegue!'. Sem
surpresa, ele finalmente agarrou meu braço com firmeza com uma mão e a faca de
pão novinha em folha com lâmina serrilhada na outra, e começou a serrar como um
louco em três pontos diferentes do meu antebraço. No começo, eu não disse nada
- apenas sentei lá com a boca aberta, boquiaberto de surpresa. Então, de
repente, fui atingido pela pior dor de todos os tempos quando ele foi direto
para o osso, cortando um nervo. Acho que gritei naquele momento porque ele
imediatamente "acordou", por assim dizer, e largou a faca. Ele
começou a dizer 'Desculpe!' uma e outra vez e se jogou no chão. Eu estava
sangrando muito e a cama estava coberta de sangue. Suponho que fiquei em
choque, mas disse a ele 'Está tudo bem, não se preocupe!'
Depois de um tempo, ele se levantou e foi então que vi sangue literalmente escorrendo de sua mão. Ele deve ter caído sobre a faca ao cair no chão. Tentei verificar de onde estava vindo, mas não consegui ver nenhuma ferida. Peguei uma camisa ou algo assim e a amarrei em seu braço, mas isso não resolveu nada e o sangue continuou jorrando da mão.
• Você ainda estava bebendo neste momento?
Drabbad: Não, só podíamos comprar algumas cervejas e as bebemos
com rapidez suficiente. Já tínhamos engolido todas as pílulas que tínhamos -
tome essa quantidade e você não voltará ao normal por alguns dias. Você pode
pensar que está sóbrio, quando na verdade você está tudo menos isso. De
qualquer forma, começamos a andar pelo meu apartamento, nós dois sangrando como
porcos abatidos. Bödeln tirou a roupa e andou de cueca boxer. Havia
literalmente sangue por toda parte; marcas de mãos ensanguentadas nas paredes e
no chão, e também pegadas ensanguentadas. Minhas meias brancas estavam
encharcadas em um tom vermelho escuro. Lembro-me claramente desse som pegajoso
e chamativo enquanto caminhava. Bödeln, vestindo apenas cueca, deitou-se no
chão em uma poça de sangue. A sala estava coberta de sangue, todo o piso de
madeira tinha um tom profundamente carmesim. Ele começou a mergulhar as mãos no
sangue e se lambuzar com ele. Suas pernas, seu rosto, toda a cabeça, braços,
peito. Tudo. Eu fiz a mesma coisa.
Quando Drabbad retornou ao apartamento, Bödeln havia
deixado cair a faca e desmaiado. Pouco depois, a polícia local apareceu - e
conhecendo Drabbad de encontros anteriores, estava totalmente preparada para
combate corpo a corpo. No entanto, o relatório policial afirma que ele estava com
um humor extremamente jovial e totalmente cooperativo. Ele até tentou mostrar a
eles seu registro fotográfico do caos, mas os oficiais, não impressionados,
apreenderam a câmera como evidência.
Drabbad: Eles notaram que eu estava eufórico e muito alegre.
Aparentemente, eu inseri meu dedo inteiro em uma das feridas, ao que tudo indica bastante feliz ao fazer isso. Não me lembro muito disso, mas recordo de estar
excepcionalmente de bom-humor. Transbordando felicidade, de certa forma. Um dos
policiais havia ido à minha casa cerca de uma semana antes; eles me faziam
visitas regulares e simplesmente pegavam a chave com o proprietário e entravam
no meu apartamento. Eu não estava particularmente contente com isso, então, naquela
ocasião, tomei algumas precauções e prendi a maçaneta da porta com uma cadeira.
Eu estava bebendo álcool desnaturado, o bom e velho Kemetyl T-Röd*, e queria
ficar sozinho. Já tinha ido para a cama, com uma faca enorme ao meu lado,
quando fui acordado pelo som da minha porta da frente sendo arrombada, e era
esse cara. Supostamente, eu me levantei e fechei os punhos para lutar contra
eles, mas não me lembro muito desse incidente, pois estava bastante bêbado.
*Kemetyl T-Röd é um produto equivalente a Aguarrás, usada
para remover manchas em superfícies, tais como de gordura, tinta, bolor etc.
Claramente, a equipe da ambulância também foi surpreendida
com algo que não veem todos os dias; o gravemente ferido Drabbad, vestindo a
camiseta "Fuck me Jesus" da banda Marduk, informou-lhes que ele e seu amigo
representavam o culto sueco do Black Metal. Quando questionado sobre o
'griftefrid' meio esculpido em seu braço, ele respondeu que a paz do túmulo era
precisamente o que desejava. Então houve uma comoção dentro do apartamento e
alguém pôde ser ouvido gritando: 'Ele vai pular!' Bödeln havia acordado no chão
enquanto recebia atendimento médico, levantou-se e conseguiu subir até a metade
do corrimão da varanda antes de ser puxado novamente para baixo pela polícia. O
relatório também menciona que, enquanto eram levados para ambulâncias
separadas, Bödeln e Drabbad apertaram as mãos enquanto deitados em suas macas.
Drabbad: Eu me lembro disso. Dissemos: 'Da próxima vez,
vamos cortar nossas gargantas, irmão' e apertamos as mãos, logo antes de sermos
levados para as ambulâncias que nos esperavam. A testemunha que mencionou isso
também afirmou que não parecíamos entender o quão gravemente feridos estávamos,
ou que estávamos presos. Ela disse: 'Eles pareciam ter a impressão de que
talvez alguns band-aids - ou qualquer outra coisa - fossem suficientes, e que
eles teriam permissão para voltar para dentro do apartamento e continuarem o
que estavam fazendo.'
• Estou curioso para saber qual poderia ter sido a trilha
sonora dessa paisagem infernal. Pelo que me lembro, Abruptum costumava ser a
trilha sonora clássica para a separação da carne.
Drabbad: Não estávamos ouvindo nada, eu acho. Assistimos a
alguns filmes mais cedo, acredito que foi Riget com Ernst-Hugo Järegård, The
Machine Girl ou Agitator. No entanto, não me lembro com certeza quais foram. Porém,
já estive em situações como essa várias vezes antes, onde a automutilação
ocorreu com Abruptum tocando ao fundo.
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• Alguns daqueles policiais tiveram que tirar uma folga?
Drabbad: Ah, sim, mais tarde me disseram que um dos
policiais no local tirou uma semana de folga... ou foram dois?! Não posso
dizer com certeza se isso é verdade, mas é o que me disseram. Lembro-me de um
deles dizendo que meu apartamento era a pior cena de crime que ele tinha visto
em mais de vinte anos de aplicação da lei. Todos na prisão do condado ainda se
lembravam do incidente quatro anos depois, quando voltei para lá depois de ter
sido baleado e aguardado julgamento. Muitos dos guardas falaram comigo sobre
isso, dizendo coisas como: 'Oh, é você de novo! Você sempre faz as coisas mais
aleatórias e sem sentido! Lembro-me do seu apartamento, era como um matadouro;
foi o pior que já vi!' Não sei se eles viram as fotos que tirei ou as tiradas
pela polícia. As imagens que usamos para o álbum "A Life Worth Losing"
foram tiradas pelos policiais. Tentei recuperar minha câmera, mas ela havia
sido misteriosamente "perdida".
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Drabbad, Bödeln e Pessimisten |
• Quanto tempo você ficou internado?
Drabbad: Apenas alguns dias, mas eu ingeri tantas coisas que
levei semanas até voltar ao normal novamente. Também me foi administrado
Haloperidol ou algum antipsicótico semelhante, e lembro da enfermeira dizendo:
"Nunca injetaram alguém com uma dose tão alta antes." As pessoas me
disseram depois que era impossível ouvir o que eu dizia por várias semanas. Meu
pai se ofereceu para limpar o apartamento, para evitar ter que pagar alguém
para fazê-lo. Acho que ele pode ter se arrependido dessa oferta gentil - era o
meio do verão e estava realmente quente lá fora, e havia quantidades extremas
de sangue lá dentro. Se você já sentiu o cheiro de sangue podre, sabe do que
estou falando. O fedor é absolutamente horrível. Aparentemente, ele teve que
limpar o chão quatro vezes antes de conseguir tirar tudo.
Por fim, uma vez que toda a sangria foi realizada de forma voluntária, nenhuma acusação criminal foi apresentada contra qualquer uma das partes. No entanto, ambos foram enviados para diferentes instituições de cuidados mentais para seis meses de tratamento compulsório.
Um pouco mais de um ano após o incidente, no outono de 2011, o vocalista da Apati, Obehag, enviou uma mensagem a Drabbad através dos perfis do Myspace de suas bandas, solicitando assistência na obtenção de narcóticos ilícitos. Infelizmente, Drabbad respondeu que estava novamente encarcerado e incapaz de ajudar. Algum tempo depois, Pessimisten respondeu com a notícia do recente falecimento de Obehag após uma overdose. Esse reatamento de contato, bastante mórbido, acabou se transformando em uma amizade real, resultando, em última análise, na banda Ofdrykkja. Drabbad convidou um velho amigo, Ahlström, para se juntar ao projeto. Como Bödeln havia se mostrado suficientemente desequilibrado e também sabia tocar bateria, ele também foi convidado a participar da banda.
O apartamento de Pessimisten - que também funcionava como
uma destilaria de aguardente - havia sediado algumas festas animadas. Ofdrykkja,
posteriormente, incorporou uma variedade de vídeos caseiros filmados lá em seu
vídeo de 2014, para a faixa "I skuggan av mig själv".
Durante o final dos anos 90 e o início dos anos 2000, a
cidade de Västerås tinha alguns verdadeiros maníacos do Black Metal. Um, em
particular, chamado Jim teve um de seus momentos mais memoráveis e foi quando
ele se esfaqueou na barriga enquanto assistia à apresentação do Mayhem em
Estocolmo. Sua noite terminou com ele sendo forçado a entrar
em uma ambulância depois que o porteiro de um bar nas proximidades o notou
sangrando e, após uma inspeção mais detalhada, percebeu seus intestinos saindo
pela ferida aberta.
Ahlström: Sim, lembro-me dos rumores que circulavam após
este incidente. Eu o conhecia e lembro-me de seu apartamento como mais ou menos
um ponto de encontro do Black Metal de Västerås no final dos anos 90. Não tenho
ideia do que ele está fazendo atualmente, faz bastante tempo desde a última vez
que o vi.
Havia também uma fita VHS em circulação, carinhosamente
conhecida como Skärfilmen – 'O Filme de Esculpir' - que estrelava várias
personalidades de Västerås. Esta joia cultural era frequentemente exibida na
antiga loja Shadow Records por volta do ano 2000 e se tornou uma espécie de
meme pré-internet, com suas muitas citações memoráveis surgindo em meio à
carnificina. 'Ring lite brudar då, Jimpa!' (Chame algumas garotas então, Jimpa!).
Um dos destaques apresentava um rapaz cortando seu
antebraço ao meio com uma faca de pão, e então proferindo a frase imortal, 'Din
mamma luktar curry', 'Sua mãe cheira a curry.' Outro clipe apresentava o
mencionado Jim junto com outra pessoa, ambos cortando os braços com lâminas
como homens possuídos antes de ficarem enjoados pela perda de sangue. Enquanto
se contorciam, a dupla deliberava se deveria ir para o pronto-socorro ou
convidar algumas garotas para beber. E uma dessas figuras está nesta entrevista
agora.
Drabbad: Sim, eu estava naquele filme! Sou eu quem
vomita e sugere que Jim chame algumas mulheres. Isso foi há tantos anos, não me
lembro quantos anos eu tinha na época, mas era um adolescente. Dezesseis?! Dezessete,
talvez. Na verdade, foi minha ideia gravar isso em primeiro lugar; estávamos
bebendo aguardente barato em alguma festa quando sugeri que fizéssemos uma
gravação em vídeo de nós nos cortando. Dito e feito - saímos, fizemos isso e
depois voltamos para a festa novamente. A cena da faca de pão foi filmada em
uma ocasião posterior, e havia ideias para gravar ainda mais coisas, mas, até
onde eu sei, isso nunca aconteceu. Como você observou, este VHS foi copiado e se
espalhou bastante nos círculos suecos de Black Metal. Lembro-me de ir a uma
festa em Hofors com alguns amigos, e uma garota ficava dizendo que eu parecia
familiar. Eu disse a ela repetidamente que nunca tinha estado lá antes. Então,
horas depois, ela de repente começou a gritar: 'Agora eu sei onde eu vi você!
O fatídico encerramento de Apati - O nascimento de Ofdrykkja.
• Obehag deixou a Apati em julho de 2011 e poucas semanas
depois ele faleceu. Como foi esse período?
Pessimisten: Na verdade, não fomos muito amigáveis um com o
outro nos últimos meses. As vidas que levamos trouxeram à tona o pior de nós, e
nossa amizade sofreu como resultado. A última vez que o vi, na casa de um
amigo, tivemos uma briga que terminou com a quebra do nariz dele. Costumávamos
ser muito próximos, mas nossos vícios nos afastaram. No final, ambos nos
tratamos mal, e fiz alguns comentários dolorosos dos quais me arrependo
profundamente até hoje.
• E quanto ao restante dos membros do Apati?
Pessimisten: Não falei com o Paciente C desde que a Apati se
desfez, e perdi o contato com o Professor X há alguns anos. O Professor X e eu
éramos próximos, e realmente espero que ele esteja melhor agora. Não me despedi
em bons termos com nenhum dos dois, mas hoje desejo apenas o melhor para eles.
Tenho me atormentado com isso por muitos anos. A morte de Obehag me afetou de
uma forma imensa - não apenas por causa de nossas questões não resolvidas, mas
também porque ele foi o primeiro dos meus amigos a falecer.
Hoje, apenas um dos quatro amigos de Pessimisten que
estavam presentes durante a mencionada briga ainda está vivo.
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Obehag |
• O ano de 2011 parece ter sido bastante difícil.
Pessimisten: Apenas uma semana após a morte de Obehag, outro
amigo tirou a própria vida gaseando-se em seu carro. Menos de um mês depois, um
amigo que se culpou pela overdose de Obehag também cometeu suicídio. Ele era
sem-teto e optou por terminar sua vida no apartamento de outro amigo... que,
por sua vez, se sentiu responsável e posteriormente se enforcou. Foi uma
espiral descendente; em meio ano, perdi seis pessoas próximas a mim.
• Sabe quantos foram no total?
Pessimisten: Perdi a conta, mas diria que o número está em torno de quinze, a maioria dos quais morreu entre 2011 e 2013. Lembro-me de chorar no funeral de Obehag enquanto "Morgondagen" da Apati - com sua voz - tocava na igreja. Assisti a alguns outros funerais naquele ano, mas eventualmente, não houve mais lágrimas. Depois dos primeiros quatro ou mais, parei de ir a eles completamente. Você se torna insensível quando tais tragédias se tornam uma parte rotineira da sua vida.
Música dedicada a Obehag. Após sua morte em 23 de julho de 2011, os demais membros encerraram a banda Apati. Em 2012, C9H13N, agora com o pseudônimo Pessimisten, fundou a banda Ofdrykkja e compôs a canção em homenagem ao seu grande amigo, lançando-a no álbum A Life Worth Losing.
Pessimisten recebeu antidepressivos ISRS com apenas nove
anos de idade. Aos treze anos, ele foi diagnosticado erroneamente com TDAH e
recebeu metilfenidato, um estimulante muito parecido com a anfetamina. Foi
nessa época que ele descobriu o álcool e o Black Metal. Em 2007, aos dezoito
anos de idade, ele estava em uma forma bastante difícil.
Pessimisten: Muitas vezes eu estava no centro da cidade,
saindo com um amigo. Ele era cinco anos mais velho e estava nas ruas desde que
nos conhecíamos. Sua aparência deixava claro que ele era um sem-teto: sujeira,
fedor e tudo mais. Ele estava no programa Subutex - um medicamento opioide para
viciados em heroína que não conseguem parar, semelhante à metadona. Ele e eu
passávamos o nosso tempo bebendo ou inalando butano em latas de refil. Se não conseguíssemos juntar dinheiro suficiente, mendigar era nossa
alternativa, contando uma história sobre a falta de grana para passagem de
ônibus para voltar para casa.
• Gás butano? Como é isso?
Pessimisten: O efeito é semelhante ao óxido nitroso, ou gás
hilariante, mas é mortal. Eu ouvia um zumbido nos meus ouvidos, semelhante ao
de um helicóptero. Minha voz ficava muito profunda e, às vezes, eu tinha dores
de cabeça terríveis. Lembro-me de um dia em particular: meu amigo havia sido
agredido por ter dormido em um estacionamento. Ele estava horrível, com o nariz
quebrado e um olho roxo. Estávamos realmente com fome e, por isso, nos
aproximamos de alguns adolescentes e pedimos dinheiro. Meu amigo com suas
roupas sujas e rosto machucado, e eu, segurando uma lata de gás butano,
provavelmente babando. Pior ainda, um deles me reconheceu; ele era amigo da
minha irmã mais nova. Qualquer pessoa normal teria aproveitado aquele momento
para reavaliar suas escolhas de vida, mas não eu. Continuei insistindo em quão
famintos estávamos até que nos deram algumas moedas, que usamos para comprar um
espetinho de carne.
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C9H13N inalando gás butano |
A busca pela redenção, diante de um passado tumultuado e com
inúmeras perdas, foi uma promessa imposta a si mesmos.
Pessimisten: Ofdrykkja nasceu do caos. E usamos a música
para expressá-lo da forma que podíamos. "A Life Worth Losing" foi o
resultado do que vivíamos naquele momento inicial da banda. Todos estávamos
desesperados para escapar da agonia de nossos estilos de vida destrutivos de
uma forma ou de outra, então o título do álbum pareceu obvio. Compor música e escrever
letras se tornou nossa terapia conforme nossas vidas evoluíam para algo novo. Drabbad
foi alvejado pela polícia e cumpriu uma pena de prisão de três anos. A base
para a maioria das músicas do nosso segundo álbum, Irrfärd, foi escrita de
dentro dos muros da prisão. Tendo atingido o fundo do poço, estávamos todos
prontos para encontrar uma saída daquele deserto escuro em que estávamos todos
perdidos. O segundo álbum recebeu um título adequado - "Irrfärd"
(termo sueco que se traduz como "jornada sem rumo"). Sem nada a
perder, todos nós pulamos do navio que estava afundando e encontramos nossos
caminhos de volta à costa. Drabbad permaneceu sóbrio e limpo desde a noite que
levou a sua sentença de prisão. Eu consegui me libertar do vício em álcool e
recuperei o controle sobre minha mente. Ahlström encontrou seu caminho na
direção da vida no campo. À medida que estamos encontrando nosso caminho de
volta para nós mesmos, também estamos encontrando nosso caminho de volta para
quem realmente somos. Com nossa identidade, nossa cultura. Três anos após a gravação
desse segundo álbum, a jornada não parecia mais tão sem objetivo. A longa e
difícil noite polar chegou ao fim. O primeiro vislumbre do tão esperado sol
enquanto ele lutava para subir acima do horizonte. Por isso o álbum foi nomeado
"Gryningsvisor" (sueco para "Baladas ao amanhecer"). O
amanhecer está aqui, e finalmente despertamos. Ofdrykkja sempre foi um
instrumento de terapia para nós, e a terapia existe para ajudar a evoluir. Não
nos serviria de nada seguir velhos passos, e nem seria autêntico forçá-los. Evoluímos
musicalmente e em nossa vida pessoal. À propósito, todos nós já deixamos aquela
particular distopia urbana de Västerås. Hoje em dia, não gosto de culpar meus
problemas pelo meu entorno, mas Västerås nunca me fez bem e nada poderia me fazer
voltar para lá novamente.
• Conte-nos sobre o álbum mais recente, After the Storm.
Pessimisten: Como sugerido pelo título do álbum, "After the Storm" (Depois da Tempestade, em português) ocorre quando o céu começa
a clarear. Os ventos fortes se acalmaram e, através de uma fenda nas densas
nuvens, a luz brilha sobre o solo em que estamos. Dito isso - e embora
sentimentos esperançosos estejam de fato integrados a esta obra -
definitivamente não é um álbum que faz sentir-se bem. Algumas músicas contam
uma história mais orientada positivamente, como a faixa-título e "TheLight" (A Luz, em português) enquanto a escuridão ainda se retrata em
"The Mære", onde a letra aborda a entidade folclórica Mære, e trata
sobre a insônia que ainda me atormenta periodicamente, e "The Cleansing"
(A Purificação, em português), uma história apocalíptica contada através da
estrutura da mitologia nórdica. E assim, enquanto este trabalho ainda oferece
um mergulho nas obscuras águas da realidade com as quais estivemos
anteriormente associados, eu também gostaria de compartilhar com nossos
ouvintes algumas ideias potencialmente valiosas sobre como aproveitar a
escuridão e retomar o controle sobre suas vidas. Essa ideia originou as letras
em forma de spoken-word da faixa final do álbum, "Beyond the Belt of Orion"
(Além do Cinturião de Órion, em português).
Generation of hurt foi o single divisor de águas - a transição para a nova sonoridade e temática da banda.
• Como tem sido a recepção dos fãs?
Drabbad: Tem sido surpreendentemente positiva, superando
amplamente minhas expectativas. Quando você está imerso em um álbum por um
período prolongado, é normal se tornar bastante crítico em relação a ele. As
mesmas faixas reproduzidas incessantemente por inúmeras horas podem fazer com
que você se familiarize excessivamente com cada nota. Com o tempo, os únicos
aspectos que se destacam são os erros e pequenos detalhes que você gostaria de
refinar. Em algum momento, você deve deixá-lo ir – é virtualmente impossível
estar totalmente satisfeito. Eu considerarei encerrado se eu acabar em torno de
setenta por cento dele.
Pouco depois do lançamento do álbum Gryningsvisor, o baterista original de Ofdrykkja, Bödeln - que deixou a banda em 2016 - faleceu.
• O que aconteceu com Bödeln?
Pessimisten: Pelo que entendi, Bödeln havia tomado algumas
cervejas e ficou desorientado, até conversando consigo mesmo. Esse
comportamento não era incomum para ele após beber. Sua namorada o viu saindo do
apartamento e descendo as escadas, depois ouviu o estalo do vidro quando ele
quebrou a vidraça da porta da frente. Quando ele retornou, ela descreveu ter ouvido
um barulho semelhante a uma torneira de cozinha aberta. Aconteceu que ele havia
cortado uma artéria com o vidro quebrado e, tragicamente, faleceu antes que a
ambulância chegasse. Aparentemente, ele estava progredindo e havia superado seu
abuso de drogas.
De acordo com todas as informações, Bödeln tinha uma
tendência a perder o contato com a realidade quando suficientemente intoxicado.
No verão de 2010, ele e Drabbad se encontraram em uma aventura angustiante que
resultou na hospitalização de ambos os homens e, posteriormente, em sua prisão.
Este incidente se tornou uma espécie de lenda underground depois que Drabbad
relatou os eventos em um post no fórum da contracultura sueca Flashback. No
outono seguinte, um ano após sua desventura, a página do Myspace do projeto de Black
Metal de Drabbad, Lepra, recebeu uma mensagem de uma banda local chamada Apati.
Seu guitarrista, Obehag, buscou ajuda para adquirir medicamentos. Drabbad,
ainda encarcerado, respondeu que não poderia ajudar. Logo depois, o segundo vocalista
da Apati - Pessimisten - anunciou que a ajuda não era mais necessária, uma vez
que Obehag havia sucumbido a uma overdose.
Dessa troca mórbida de mensagens surgiu uma amizade que
eventualmente levou à criação do Ofdrykkja. A dupla planejou se encontrar
pessoalmente após a soltura de Drabbad - e, nesse intervalo, Bödeln se juntou
ao projeto como baterista. Um velho amigo de Drabbad, The Associate (Ahlström),
foi convidado para tocar guitarra.
Pessimisten: : Conheci Drabbad pela primeira vez no início de 2012. Ele estava de licença permitida e queria trazer seu infame amigo. Assim que eles desceram do ônibus, ficou claro para mim que ambos haviam ingerido benzodiazepínicos a um nível além da lobotomia. Eles estavam tão dopados que levou vários dias até que alguém percebesse que Bödeln havia deixado seu laptop no ônibus. Portanto, trazê-los para minha casa pode não ter sido a ideia mais inteligente.
Na época, um vizinho estava usando o apartamento de
Pessimisten para destilar álcool, o que significava que ele tinha um suprimento
infinito de cachaça forte.
Pessimisten: Estávamos bebendo há algumas horas quando
Drabbad adormeceu. Saí para comer algo e voltei com um espetinho para Bödeln.
Ele começou a agir de forma estranha, falando consigo mesmo, chorando e atirando
pedaços do espetinho por toda a minha sala de estar. Eu tinha um dedo quebrado
de uma briga recente - mas mesmo com as duas mãos à minha disposição, eu não
teria querido enfrentar uma máquina de violência psicótica do tamanho dele.
Drabbad: Eu me lembro de Pessimisten me acordando. 'Ei, você
poderia falar com seu amigo?' Bödeln estava lá com uma parte do espetinho a sua
frente, murmurando algo incoerente sobre veneno. Tentamos tranquilizá-lo de que
nada havia sido envenenado, mas ele não estava convencido. Finalmente, eu comi
um pouco - então esperamos trinta minutos para ver se eu morreria. Eu não
morri, então Bödeln se acalmou e comeu o que restava de seu espetinho.
Pessimisten: Eu suponho que isso resolveu o problema, pois
continuamos bebendo por vários dias. Mas Bödeln costumava enlouquecer de
maneiras semelhantes quando estava suficientemente embriagado. Como você pode
imaginar, não era uma tarefa fácil lidar com ele verbalmente durante esses
episódios, mas Drabbad sempre foi bom nisso. Neutralizar fisicamente aquele
homem teria sido uma completa impossibilidade.
• Por que ele deixou Ofdrykkja?
Pessimisten: Reservamos um estúdio por alguns dias em
setembro de 2016, para gravar "Irrfärd" e tirar algumas fotos da
banda. Bödeln não apareceu, então tive que ligar para um amigo para vir ao estúdio
e substituí-lo na bateria. Pensamos que ele tinha ficado em casa bebendo, e
tivemos uma briga sobre isso. Essa foi a última vez que algum de nós falou com
ele.
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Bödeln, Drabbad, Pessimisten e The Associate |
• Como você consegue se manter firme na sobriedade e longe
de tudo aquilo que fazia?
Pessimisten: Bem, conversando com as pessoas. Sendo eu
mesmo. Sentindo. Assumindo responsabilidades, entre outras coisas. Agora, ser forçado
a enfrentar todos aqueles medos, parecia algo esmagador. Tentei me esconder,
como sempre fiz, mas tive que assumir a responsabilidade independentemente.
Viajar é a melhor ferramenta para o meu autodesenvolvimento. Gradualmente, em
algum lugar ao longo do caminho, comecei a beber menos. À medida que superei
meus demônios, fiquei mais forte e confiante. Se as coisas ficassem ruins, eu
poderia simplesmente fazer as malas e ir para outro lugar.
Pessimisten começou a se empurrar ainda mais para o
desconforto, confrontando seus medos de todas as maneiras possíveis:
paraquedismo, longas caminhadas sozinho, mergulhos em lagos e represas frias,
socializando constantemente em albergues, experimentando novos empregos e
fazendo trabalho voluntário.
Pessimisten: Cada obstáculo na vida se transformou em um
desafio do qual eu poderia me tornar mais forte. Minha mentalidade mudou, e
meus medos se tornaram uma ferramenta. Ao olhar para trás, percebi que toda a
minha vida havia sido uma constante tribulação - e que eu havia me tornado mais
resiliente do que a maioria devido às minhas lutas. Um marco significativo foi
a viagem à América do Sul. Não falar nem espanhol nem português tornou a
locomoção bastante desafiadora. No entanto, fiquei impressionado com a rapidez
com que me adaptei a esse ambiente desconhecido. Aprendi consideravelmente com
suas culturas, que são marcadamente diferentes da mentalidade escandinava
frequentemente negativa.
Ao viajar pela América do Sul, Pessimisten começou a
investigar o uso de enteógenos vegetais para ajudá-lo a superar traumas e
dependências químicas, e experimentou a Ayahuasca.
Ayahuasca é uma bebida psicodélica feita a partir de
diferentes plantas encontradas na selva amazônica. É utilizada para fins
específicos por povos indígenas da América do Sul há séculos.
Pessimisten: Não posso afirmar com certeza se essas plantas "me mostraram o caminho", mas parei de beber por volta da época do meu encontro com a ayahuasca. Acredito que eu já estava pronto de qualquer forma, mas esses medicamentos me ajudaram a entender o que é realmente importante na vida - e o que é desnecessário. O próximo marco foi na Austrália, quando experimentei os exercícios de respiração e a exposição ao frio de Wim Hof.
Wim Hof, também conhecido como "O Homem de Gelo",
é um atleta extremo holandês notável por suas habilidades extraordinárias de
suportar temperaturas congelantes e alterar manualmente sua neuroquímica. Ele
atribui esses meios a um método de respiração, terapia do frio e meditação que
desenvolveu por conta própria.
Pessimisten: Eu senti como se uma névoa tivesse se dissipado
da minha mente, e eu me tornei mais focado do que nunca. Fiquei completamente
envolvido desde o início e pratiquei todos os dias durante seis meses.
Infelizmente, perdi a rotina quando fui viver nas florestas da Lapônia Sueca.
Naquela época, senti uma grande chamada para tudo que é saudável e benéfico, e
para o que realmente importa. Comecei a experimentar yoga e meditação, que
também me ajudaram no processo de reabilitação.
Em março e abril, fiquei em uma cabana vazia que pertence a
um amigo meu. Definitivamente, precisava de reforma; a chaminé estava quebrada,
então não consegui aquecer o lugar de forma alguma. Tive que cozinhar sobre uma
fogueira no quintal. Bebi água de poço e tomei banho no rio, que estava
obviamente congelante durante a transição do inverno para a primavera. Uma
ótima oportunidade para praticar a exposição ao frio!
Pessimisten: Com algumas velas acesas no quarto ao longo do dia, a temperatura poderia ser elevada para cerca de dez graus Celsius à noite. Para eletricidade, eu carregava uma bateria de carro com energia solar. Para fazer uma ligação, eu precisava subir uma colina na floresta. Foi um grande desafio. Agora, estou de volta a viver nas florestas enquanto viajo de carro. Planejo ir para as montanhas de Härjedalen durante o inverno - até lá, vou aproveitar a vida nômade.
***
Esta entrevista tem histórias de violências, principalmente autoinfligidas,
e lembranças dolorosas pelas perdas de pessoas significativas nas vidas de
Pessimisten e Drabbad. Um passado marcado por tudo aquilo que pode destruir
qualquer ser humano. Esses dois, com um esforço gigantesco, conseguiram se
afastar daquilo tudo. No entanto, obviamente, não é um fim; a luta segue dia
após dia. A autovigilância é diária. As chances de voltarem para qualquer tipo
de comportamento destrutivo é enorme, por isso, estão sempre procurando somar o
máximo de coisas saudáveis em suas vidas, evitando qualquer brecha para um fatídico
retorno. A música, indiscutivelmente, é uma das melhores ferramentas que
utilizam. Ela vem desde aquela época, aliás, servindo para os desabafos daquilo
que vivenciavam. Hoje, ainda que sonoramente a banda também tenha mudado, ela segue
fazendo seu papel na vida desses dois indivíduos. Retratando essa etapa de
desintoxicação e religação com a natureza - a busca pela harmonia, por alguma paz
de espírito e por tudo aquilo que descobrem de positivo em seus percursos.
Viajar tem sido um aliado de Pessimisten, conhecer novos lugares, países,
pessoas de culturas diferentes tem o mantido no caminho da sobriedade. É
interessante notar que nenhum dos dois músicos impõe isto aos outros, ou seja,
eles encontraram aquilo que faz bem a eles, mas não generalizam para que todas
as pessoas que estão no caminho nefasto de abusos de entorpecentes ou
atormentados pelo sofrimento mental, o qual um dia já estiveram, devam seguir
tudo o que eles fazem e dizem. Pelo contrário, eles sempre enfatizam o quanto
cada indivíduo é único e somente este sabe o que sente. Cabe apenas a cada um
buscar aquilo que serve como meio de mantê-lo num caminho menos destrutivo. Um
fato, por vezes questionado por fãs na cena DSBM é de o porquê a banda manter
seu nome Ofdrykkja (Consumo excessivo de álcool, em islandês) se ele já não
remete à fase atual da banda, tanto instrumentalmente quanto liricamente. Nesta
entrevista fica evidente o porquê. Quem fomos continua coexistindo com quem
somos. Evoluímos, mas a evolução só existe porque expandimos do ponto em que
estávamos. Desse modo, não se pode apagar o passado, por mais que queiramos. A
banda mantém o mesmo nome de quando faziam música retratando toda aquela
situação extrema, justamente, para traçar a própria evolução. Não viram
necessidade de encerrar Ofdrykkja e iniciar uma nova banda com nome diferente.
Quem não acompanha a banda, ao conhece-la, poderá se deparar com toda essa
linha temporal. Poderá ver o todo. Nenhum dos membros pretender esconder o que
fizeram, como agiam, o quanto perderam. Eles estão abertos para que suas vidas
sejam expostas, mostrando onde estavam e onde chegaram, e assim seguem vagando.
Deixaram o passado no passado, claro, mas se forçassem a apagá-lo, ou a ocultá-lo,
estariam sendo desonestos consigo mesmos.
É sempre válido lembrar que você, que está lendo isto, só deve continuar ouvindo DSBM enquanto ele for uma ferramenta positiva para você, enquanto ele mantiver uma conexão saudável contigo. A partir do momento que isto deixar de ocorrer, o melhor que você pode fazer é se distanciar dele, e ir em busca de outros meios que possam estar em sintonia com você, com o seu eu atual. Essa é, aliás, a beleza da arte em geral, a impermanência, a mudança de acordo com nossas percepções pessoais, com o que sentimos e experimentamos em nossa jornada pela existência.